Urânio Enriquecido

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                Nos últimos dias vários jornais estão comentando o papel do Brasil como mediador das negociações entre Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A questão é que a AIEA quer que o Irã pare de enriquecer urânio, com medo de que este seja usado para fabricação de bombas nucleares. Mas o que é urânio enriquecido?

            O urânio é um elemento químico de número atômico 92 (possui 92 prótons em seu núcleo) e número de massa 238 (soma do número de prótons com o número de nêutrons). Na verdade esse é o número de massa de seu isótopo mais abundante. Para quem não lembra, isótopo é o nome que damos para elementos químicos que possuem o mesmo número atômico, mas com diferente número de massa. No caso do urânio natural temos basicamente dois isótopos: 238 e 235. Há ainda um terceiro (234), mas cuja porcentagem é muito pequena: 0,0054%. A porcentagem do urânio 238 é de aproximadamente 99,27% e do 235 é de 0,72%. Isso significa que para cada 1000 átomos de urânio encontrado na natureza, apenas 7, são de urânio 235. Portanto a diferença de massa entre esses dois isótopos está na quantidade de nêutrons. O urânio 238 tem três nêutrons a mais e isso muda muita coisa.

            O interesse no urânio se deve ao fato dele ser um átomo instável, e por isso radioativo. Quando o urânio 235 absorve um nêutron, ele sofre fissão, partindo-se em dois outros elementos e liberando de dois a três nêutrons em média. Como entra um e saem dois (ou três) nêutrons, cada um desses nêutrons que saíram pode fissionar outros átomos de urânio, criando assim uma reação em cadeia. Mas para que isso aconteça, o urânio atingido deve ter número de massa 235 e não 238, pois esse último não é um elemento físsil, isto é, não sofre fissão. Quando absorve um nêutron, ele vira urânio 239.

            Enriquecer urânio, portanto, é aumentar a porcentagem de urânio 235 em relação ao urânio natural, 238. Para a produção de uma bomba nuclear faz-se necessário um enriquecimento acima de 90% de urânio 235. Já para um reator nuclear de uma usina termoelétrica, o enriquecimento não deve ultrapassar 20% de 235.

            A tecnologia necessária para enriquecer urânio é extremamente complicada e um segredo guardado a sete chaves, mesmo quando um país “compra” essa tecnologia de outro, como no acordo nuclear Brasil Alemanha, assinado em 1975 durante a ditadura militar. Esse acordo  envolvia a construção de oito usinas nucleares e a transferência da tecnologia de enriquecimento do urânio.

            Das oito usinas apenas uma foi construída, Angra II, Angra III ainda está na fundação e não sabemos se será construída algum dia. A transferência de tecnologia no enriquecimento utilizaria o enriquecimento de urânio usando uma técnica chamada de jatos centrífugos. Após obtenção do gás UF6 (hexafluoreto de urânio) faz-se este gás passar por paredes porosas e dessa forma o urânio 238 vai ficando para trás, enquanto o urânio 235 passaria. Essa técnica mostrou-se um verdadeiro fiasco e se dependêssemos dela para alimentar nossos reatores, eles já estariam parados.

            Mas o acordo também incluía cursos, ministrados por alemães, aqui no Brasil, e a visita de vários pesquisadores brasileiros na Alemanha. Com isso o Brasil acabou aprendendo outra técnica de enriquecimento. Nessa outra técnica, são utilizadas  ultracentrífugas. O hexafluoreto de urânio gira nessa ultracentrífuga a uma velocidade incrível, e por ser mais pesado, o 238 vai se acumulando nas extremidades, enquanto o 235 vai ficando no centro. Apesar de parecer um método simples, não podemos esquecer que a diferença de massa se dá em somente três nêutrons, portanto é algo extremamente complicado.

            Em 1993 o Brasil conseguiu enriquecer urânio pela primeira vez. Com isso passou a fazer parte do seleto grupo de países que domina todas as etapas de fabricação do “combustível nuclear” (coloquei as aspas em combustível nuclear porque, apesar de ser um termo muito utilizado, a reação que ocorre em um reator, ou em uma bomba nuclear, não é de combustão, mas de fissão nuclear).

            Enriquecer urânio é uma das principais etapas necessárias para a fabricação de uma bomba nuclear. E este é um dos motivos pelos quais países como, Estados Unidos e Inglaterra, não querem que o Irã dê continuidade ao seu programa nuclear.

            Assim como o Brasil, o Irã é signatário do tratado de não proliferação nuclear. Segundo este tratado os países que o assinam se comprometem, em não desenvolver, e não transferir armamentos nucleares, com exceção dos que já tinham: EUA, Reino Unido, URSS (hoje Rússia), França e China. O tratado não proíbe que se utilize a energia nuclear para fins pacíficos, mas nesse caso, os países devem submeter suas instalações à inspeção da AIEA. O Irã não está de acordo com todas essas inspeções, e por isso o impasse.

            O curioso deste acordo é que ele se baseia em uma desigualdade de direitos. Quem já possuía armas nucleares tem o direito de continuar tendo, mas quem não tinha fica proibido de construí-las. Nesse caso a igualdade de direito, poderia colocar em cheque nossa sobrevivência como espécie no planeta.  

            E você assinaria esse acordo?

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14 Respostas to “Urânio Enriquecido”

  1. Felipe Martins Aguilar Says:

    Mais uma vez Jacó, parabéns pelo blog!
    Quanto à assinatura do acordo, assinaria sim, pois só pelo fato de não concordar, o Irã já está sendo mal visto pelo mundo todo. Embora tenha uma certa razão ao não concordar, prefiro não pensar assim: “Se você tem, por que não posso ter também?”. Prefiro o seguinte pensamento: “Melhor prevenir do que remediar” – assinar o acordo evitaria problemas futuros.
    PS.: Jacó, não se esqueça do Twitter!

    • blogs oswald Says:

      Boa Felipe, é isso mesmo, ter uma arma nuclear é dizer ao mundo que vc não se importa com ele. Que o “poder” está acima de tudo, que a intimidação (pois acredito que uma arma dessa seja só para intimidar, pois usá-la teria repercussões imprevisíveis demais) faz parte de sua filosofia de poder.

  2. Patricia Says:

    Parabéns pelo esclarecimento. Só nao vamos esquecer que os EUA, que tanto teme o enriquecimento de uranio para o Irã, sao os mesmos EUA que quase explodiram o Japão inteiro

    • blogs oswald Says:

      Claro que não podemos esquecer isso patricia, não sei se você viu mas na semana passada mesmo dei uma palestra onde apresentei o histórico do Projeto Manhattan, sobre a construção das armas nucleares. Os EUA, sozinhos, ainda possuem cerca de 10.000 artefatos nucleares.

  3. Jorge Luiz Says:

    Esses tratados só beneficia esses países que já possuem essas armas nucleares,pois se comportam de maneira superior aos outros,dessa maneira,ambos fazem ameaças e pregam a discórdia utilizando o seu potencial bélico exibindo essas mesmas armas que tanto querem que não seja usadas na guerra,agora dar para acreditar em tratados,acho que o Brasil já deveria a muito tempo ter desenvolvido as nossas primeiras bombas atômicas e não acreditar em papo furados desses países que não tem compromisso nenhum com a paz no mundo.

    • blogs oswald Says:

      Bom jorge, eu discordo de você, apesar de entender seu ponto de vista. Mas desenvolver armas nucleares significa tornar nosso país um alvo, e é uma demonstração de poder ilusória, pois vai ameaçar quem com uma bomba de fissão? A argentina? Os países que possuem armas nucleares possuem bombas de fusão, mil vezes mais potentes que as bombas de fissão. Entrar em uma disputa assim é um caminho sem volta. é investir bilhões de dólares em uma arma que você espera nunca precisar usar. E não é só o custo para obter, mas maior ainda para manter. Os tratados para o desarmamento entre Russia e EUA são antes de tudo, uma forma para minimizar suas despesas de manutenção com essas armas.

  4. Francisco Says:

    Acho que o certo,seria o desarmamento de todos os paises que possuem armas nucleares.Para que depois assinassem para fins pacíficos.

  5. Marcele Says:

    A necessidade de poder só aumenta e para manter todo esse poder é necessário coagir e enfraquecer todos que por ventura se colocaria em oposição a estes países que possuem grande poder bélico. A razão para impedir um país de produzir o enriquecimento do urânio, é pura sobrevivência do seu poder absoluto, baixando ainda mais o nível de defesa dos outros países. É ilusório acreditar que o país que tem vai se desarmar e que outros não irão tentar…

    • blogs oswald Says:

      Concordo com você Marcele, o próprio tratado de não proliferação que o Brasil assinou é bem “injusto” pois quem já tem pode continuar tendo, quem não tem, tá proibido de ter. Mas o que está em jogo é nossa continuidade como espécie, e nesse caso não temos muita opção. Obrigado pelo coments. abraço

  6. Transformando Megatons em Megawatts | 12a Dimensão Says:

    […] https://12dimensao.wordpress.com/2010/05/19/uranio-enriquecido/ […]

  7. Hairan Castardeli Says:

    Quem é responsável por fiscalizar se os EUA ou a Rússia realmente não estão fazendo mais bombas nucleares?
    Não acredito que cumpram esse acordo.

    • blogs oswald Says:

      OI Hairan a fiscalização é feita pela Agencia Internacional de Energia Atômica, e pela ONU, claro que como toda fiscalização está sujeita a falhas. Mas também não afirmei que eles não estão fazendo mais bombas. Apenas que existem tratados que reduziram o numero delas, principalmente das mais antigas. É claro que se eles desenvolverem um tipo novo de arma vão produzir, pois que eu saiba não há um tratado proibindo a construção de novas armas. Há esse tratado mas somente para os países que não possuem nenhuma, como é o caso do Brasil. abraço

  8. Jair Bolsonaro Says:

    seu blog eh uma merda

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