Monopolo Magnético. Cadê meu norte?

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Infelizmente são poucas as lembranças que trago da minha escolaridade infantil. Mas recordo-me de levantar da carteira e perguntar à professora, quando estava aprendendo subtração, como se fazia pra subtrair um número menor de um número maior. Não tenho certeza do que ela respondeu, mas minha lembrança é da palavra: “Não pode!”. Alguns anos depois eu seria apresentado aos números negativos.

Depois veio a radiciação e a impossibilidade de se extrair a raiz quadrada de números negativos: Mas no colegial, hoje ensino médio, o “Não existe!” foi substituído pelo “Não pertence aos números reais!”. A raiz quadrada de um número negativo pode ser representada por um número imaginário. Os números imaginários, assim como os números reais fazem parte de um conjunto maior denominado números complexos.

E a divisão por zero? Será que é realmente impossível? Sim. A divisão por zero continua indefinida, como gostam de dizer os matemáticos, mas na faculdade, quando aprendemos cálculo diferencial e integral, somos apresentados ao conceito de limite, que nos permite estudar o que acontece com um número que se aproxima muito da divisão por zero.

Estou dando exemplos da matemática, mas isso poderia valer para várias outras áreas: A pergunta tão simples: “Quem descobriu o Brasil?” Deixa de ser simples se pensarmos em quem chegou primeiro ao Brasil, será que foi mesmo Pedro Álvares Cabral? Nas aulas de história aprendi que outros navegantes parecem ter chegado aqui um pouco antes.

A mais de vinte anos explico aos meus alunos que todo imã tem dois pólos magnéticos. O interessante é que estes pólos são inseparáveis. Ao se partir um imã ao meio obtemos dois novos imãs, cada um com dois pólos. A inseparabilidade dos pólos pode ser compreendida pela Lei de Gauss para o campo magnético. Segunda essa lei, as linhas de campo magnético são contínuas e fechadas, portanto em qualquer imã, as linhas de campo, continuam por dentro dele, sendo assim, não existem pólos, pois não há um ponto onde essas linhas começam ou terminam.

Figura 1: Onde é o começo ou o fim de um de um circulo?

            Os pólos seriam então uma região onde há uma concentração de linhas de campo, nos dando uma impressão de um pólo onde elas surgem: pólo norte (por definição) e outro onde elas morrem: pólo sul.

 

Figura 2: Representação das linhas de campo magnético em um imã em forma de barra.

Figura 3: Limalhas de ferro orientando-se segundo as linhas de campo magnético

Ao se partir um imã ao meio cada pedaço continuará com linhas contínuas e fechadas, dessa maneira continuaremos tendo a impressão da existência de dois pólos.

O brilhante físico e prêmio Nobel de física em 1931, Paul Dirac, foi um dos defensores da idéia de que seria possível a existência de um monopolo magnético, da mesma maneira que existe o monopolo elétrico (podemos isolar um elétron ou um próton e com isso teremos um monopolo elétrico isolado). Dirac pensa nessa possibilidade baseando-se em algo muito forte na física, a simetria (explicarei melhor essa idéia em outro post). Segundo Dirac, os monopolos poderiam existir na extremidade de tubos que conduziriam campos magnéticos. Esses tubos ficaram conhecidos como cordas de Dirac. Apesar dos cálculos de Dirac, ninguém nunca havia detectado um monopolo magnético. Lembro-me do professor de eletrodinâmica, na pós graduação, mencionando que Dirac passou muitos anos de sua vida nessa procura, e morreu acreditando que isso seria possível.

Em 1973 nos Estados Unidos foram feitas algumas experiências que mostraram alguns indícios da existências das partículas previstas teoricamente por Dirac, mas os trabalhos não foram conclusivos, principalmente pelo fato dessas partículas serem muito energéticas, possuindo massa várias vezes maior que a de um próton.

Em setembro de 2009 uma equipe de pesquisadores alemães e ingleses publicaram um trabalho onde afirmam que conseguiram detectar a presença de monopolos magnéticos. Para isso eles utilizaram um cristal  (titanato de disprósio) que possui uma estrutura cristalina nada comum chamada piroclórica. O experimento utilizou espalhamentos de nêutrons em um reator nuclear e o cristal estava em baixa temperatura: 0,6 a 2 K.

Em abril deste ano, o mesmo fenômeno foi observado à temperatura ambiente agora numa nanoestrutura artificial.

Nano estrutura artificial, onde foi observado a presença de um só pólo magnético

Os experimentos ainda não conseguiram isolar um monopolo magnético, mas segundo os próprios autores estão a um passo disso, ao comprovar sua existência em circulação no material.

Confesso que ao ver a notícia da obtenção do monopolo magnético senti, num primeiro momento, uma certa decepção, como se tivesse sido traído. Mesmo sem ser o criador de uma determinada teoria, um físico normalmente é o defensor da mesma, principalmente se ele for também um professor. Sabemos que todas as leis são transitórias, que os modelos mudam, que os paradigmas são quebrados e que isso é essencial para o avanço da ciência. Mas há certas teorias que são norteadoras, e quando elas caem, nos sentimos inseguros, “perdemos o norte”. Mas isso geralmente é momentâneo, normalmente a teoria que a substitui consegue mostrar que não estávamos sendo enganados, mas sim tendo uma visão parcial das coisas. O modelo antigo explicava muito bem várias coisas. O modelo novo deve explicar essas mesmas coisas e mais aquilo que o antigo não conseguiu.

Também fiquei feliz em perceber que Dirac acertou mais uma vez. Em 1927 ele fez a proposta ousada da existência da antimatéria, e em 1932 foi descoberto o anti-elétron (pósitron), confirmando sua idéia original e ousada.

As possibilidades de aplicações tecnológicas que vão surgir com a existência dos monopolos magnéticos parecem enormes, mas para nós físicos, a mera existência deles já é uma grande surpresa.

Referências:

Measurement of the charge and current of magnetic monopoles in spin ice
S. T. Bramwell, S. R. Giblin, S. Calder, R. Aldus, D. Prabhakaran, T. Fennell
Nature
15 October 2009 – Vol.: 461, 956-959 – DOI: 10.1038/nature08500

Direct observation of magnetic monopole defects in an artificial spin-ice system
S. Ladak, D. E. Read, G. K. Perkins, L. F. Cohen, W. R. Branford
Nature Physics
11 April 2010 –  Vol.: Published online – DOI: 10.1038/nphys1628

 http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/vol03a15.pdf – Acesso em 24 de maio de 2010.

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4 Respostas to “Monopolo Magnético. Cadê meu norte?”

  1. chico oliva Says:

    Se preocupa não Jacó, isso aí ainda não é monopolo, é só um fenomeno de tubos de dirac que apresenta caracteristicas de monopolo sob determinadas condições mas não éééé o monopolo propriamente dito….a massa deles é mto grande pra ver, ainda…agora, vai saber o que vai sair de dentro do LHC…to montando um bolão do boson de higgs por aqui, acho que vo incluir os monopolos nessa!
    gde abraço unicampineiro!!

  2. Thiago Cuter Says:

    Jacó, uma pergunta que queria ter feito na aula, mas não tive coragem. Levando em consideração a movimentação dos polos magnéticos, e que não sabemos o que isso poderá mudar, poderia existir alguma anomalia no campo magnético, um exemplo, algum local (fora laboratório) onde uma bussola não funcionaria?

    • blogs oswald Says:

      OI Thiago, não sei se entendi sua pergunta, mas na linha do equador a bússola “não funciona” pois la o campo magnético é muito fraco, uma vez que está entre os dois polos.

  3. Física x Filosofia, conforme Weinberg | Questões Cosmológicas Says:

    […] parte da sabedoria aceita da física moderna de partículas elementares (assim como a ideia de monopolo magnético), mas isso não nos impede de descrever neutrons, prótons e mésons como compostos de […]

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