Já faz certo tempo desde que escrevi a parte I, esperava lançar a parte II no máximo em duas semanas, mas fui atropelado não só pelos afazeres diários, mas por muitas outras notícias interessantes e que julguei serem mais rápidas, ou que necessitavam de divulgação quase imediata. Entre essas notícias algumas surpreendentes, até mais do que a invenção do chip que deu origem a este tópico. A célula sintética, por exemplo, a criação de uma forma de vida artificial (apesar do uso de uma célula natural) foi algo que surpreendeu a todos e chamou bastante a atenção da mídia. Pretendo escrever sobre esse assunto em breve, agora voltemos à questão do cérebro eletrônico.
Na parte I mencionei a criação de um dispositivo eletrônico que parece imitar a forma de processamento do cérebro humano. Diferentemente dos circuitos digitais comuns que operam em série, esse dispositivo opera em paralelo, podendo com isso resolver vários problemas de uma só vez, assim como nosso cérebro. A questão que ficou em aberto é se esse invento vai permitir a criação da verdadeira IA (inteligência artificial).
Na edição de julho deste ano, a matéria de capa da revista Scientific Amererican Brasil traz o seguinte título: “Doze eventos que mudarão tudo”. Entre eventos prováveis, improváveis, e quase certos estão: Clonagem humana, criação da vida, derretimento das calotas polares, guerra nuclear entre outros. A criação de máquinas autoconscientes é um desses eventos e classificada pela revista como provável. Segundo Larry greenemeier (autor desta parte da matéria) “Pesquisadores de inteligência artificial (IA) não tem dúvidas de que o desenvolvimento de computadores e robôs altamente inteligentes que consigam se autorreplicar, ensinar uns aos outros e se adaptar a diferentes condições vai transformar o mundo. Quando isso vai acontecer, até que ponto chegará e o que deveremos fazer, entretanto, é motivo de debate.”
Uma questão que preocupa é a rapidez com a qual uma máquina pode se replicar, produzindo cópias melhoradas de si mesma. Em menos de uma geração humana, poderíamos ter uma população de máquinas com alguma forma de superinteligência habitando nosso mundo. Será isso ameaçador?
Não há consenso sobre isso. O psicólogo cognitivo Steven Pinker, autor do livro “Como a mente funciona” (já mencionado na primeira parte) ridiculariza essa fobia. Segundo ele, achar que os robôs se rebelariam contra os humanos, é projetar características humanas em algo não humano. Violência, raiva, ódio, amor, saudades, são sentimentos humanos e provavelmente uma máquina não os teria. Ele ainda completa ironizando, o que uma máquina iria exigir? Mais espaço de memória? Liberdade para sua impressora?
Concordo em partes com Pinker, temos a mania de projetar nossos sentimentos, defeitos e qualidades em outros seres. Basta assistir a qualquer programa sobre animais da Discovery Channel para perceber como eles são narrados, os tubarões são feras assassinas, máquinas de matar. Os predadores são espertos, inteligentes, e insensíveis. Alguns programas exageram tanto na humanização dos bichos que um documentário sobre o Pingüim Imperador acabou fazendo muito sucesso no cinema, pois o documentário acabou virando uma verdadeira novela, com narração e tudo.
Por que os robôs, ou máquinas inteligentes, se rebelariam contra os humanos? Por acaso nós nos rebelamos contra os macacos?
Não nos rebelamos contra eles, mas os pusemos em jaula, você poderia argumentar. Além disso, a inteligência de um primata não é suficiente a ponto de causarem uma competição conosco. Os robôs poderiam competir conosco por algo essencial, energia.
Além disso, o neurocientista Antônio Damásio, defende uma idéia interessante em seu livro: “O erro de Descartes”. Analisando diversos casos clínicos de doenças neurológicas, ou de pessoas que sofreram acidentes no cérebro, ele propõe que os sentimentos possuem uma importância muito grande na inteligência humana. Pessoas que perderam, ou que tiveram seus sentimentos comprometidos, também perderam parte de seu raciocínio lógico.
Se Damásio estiver certo, os robôs inteligentes teriam que desenvolver uma espécie de sentimento e por que não a inveja, o ódio, a ganância?
O contra-argumento é óbvio. Por que desenvolveriam somente sentimentos “ruins”? A compaixão, a solidariedade, o amor, também são sentimentos humanos. Provavelmente teríamos robôs que iriam se opor a guerra e à servidão humana.
Em filmes como “O exterminador do futuro” e Matrix as máquinas se rebelaram contra os humanos e nenhuma ficou do nosso lado. Na versão II do exterminador do futuro, há uma do nosso lado, mas porque foi reprogramada para isso, não foi iniciativa própria. Em “2001 uma odisséia no espaço”, do brilhante Stanley Kubrick e do físico Arthur C. Clarck, há um computador inteligente que se rebela contra os humanos, mas o roteiro é mais inteligente, HAL (o nome do computador, que alguns especularam que seria a sigla IBM subtraída uma casa na ordem do abecedário) volta-se contra os humanos, não por um sentimento ou competição, mas por analisar que essa seria a decisão mais correta para cumprir aquilo para o qual foi programado, chegar até Jupiter. Já no filme Cult “Blade Runner – O caçador de andróides” há uma discussão filosófica bem interessante. O filme se desenrola como um mero filme de ação, o robô parece estar lutando por sua preservação. Mas no final do filme (não vou contar o final pode ficar tranqüilo) somos surpreendidos por um discurso bem diferente, o robô é movido por um sentimento bem humano: a procura do sentido da vida.
O físico e escritor de ficção científica Isaac Asimov, famoso pelos contos e romances sobre robôs criou as conhecidas leis da robótica, que garantiriam a segurança dos humanos, pois seriam programadas em todos os robôs autoconscientes. São elas:
Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano, ou por omissão permitir que um ser humano sofra algum mal.
Segunda Lei: Um robô deve obedecer as ordens de um ser humano a não ser que o cumprimento dessa implique em violar a primeira lei.
Terceira Lei: Um robô deve proteger a si mesmo a menos que o cumprimento dessa lei implique em violar a primeira lei ou a segunda lei.
Alguns pesquisadores acham que um dispositivo desse tipo pode mesmo garantir nossa segurança, uma vez que ainda somos nós que programamos os computadores. Mas o próprio Asimov mostrou, em algumas histórias, que há formas de se violar as leis, além disso, sendo os robôs autoconscientes, que garantias teríamos que eles não poderiam se reprogramar?
Outra situação perigosa pode acontecer se a um robô inteligente forem adicionadas armas. Isto não é improvável, uma vez que as forças armadas sempre estão à procura de uma arma que forneça vantagem em relação ao inimigo. Aviões “invisíveis”, binóculos de visão noturna, coletes a prova de balas, “ mísseis “inteligentes”, armas nucleares. Muitos são os exemplos, e não é difícil que uma inteligência artificial surja inicialmente com fins militares, uma vez que muitos países investem pesado em novos armamentos.
Será que a humanidade seria tão idiota a ponto de criar um soldado robô? Ou pior um exército de soldados robôs? Que apesar de serem pré-programados poderiam tomar atitudes independentes? Que aprenderiam com os erros? Que evoluiriam?
As questões são muito especulativas e isso se deve ao fato de não termos nenhum critério de comparação, somos únicos no planeta. Mesmo sabendo que primatas podem aprender a linguagem dos sinais, que golfinhos possuem estratégia de caça muito inteligente e que um polvo pode prever com 100% de acerto os resultados dos jogos da Alemanha e o resultado da partida final da copa de 2010, ainda assim não há nada comparável a inteligência humana. Nenhum outro ser modificou, de forma consciente, o ambiente em que vive (infelizmente essa modificação as vezes é para pior). Nenhum outro ser criou a arte, a matemática, as ciências a tecnologia.
Não quero dizer que somos o suprasumo da evolução. Estamos ainda em fase de adaptação. Acabamos de chegar ao planeta. Não temos nem 200 mil anos de existência como espécie. O tubarão, o jacaré, as formigas e vários outros bichos estão há muito mais tempo no mundo, adaptados há milhões de anos como a mesma espécie.
E não somos, tão pouco, os seres dominantes do planeta. As bactérias são muito mais numerosas e estão praticamente em todo lugar. Se há uma espécie dominante no mundo eu não sei, mas as bactérias concorrem a esse posto, com certeza.
Não acredito numa revolução das máquinas, esse complexo de Frankstein é mais uma das neuroses humanas. Acho mais provável acontecer uma espécie de simbiose entre os humanos e as máquinas. A adaptação de máquinas no corpo humano está em um estágio muito avançado, e a conexão de chips e neurônios já existe. Ratos e insetos controlados de forma remota através de circuitos eletrônicos já são uma realidade. Será que teremos uma entrada USB em nossas cabeças? Esse é um assunto para Cérebro eletrônico parte III.
Referências Bibliográficas:
Massively parallel computing on an organic molecular layer
Anirban Bandyopadhyay, Ranjit Pati, Satyajit Sahu, Ferdinand Peper, Daisuke Fujita
Nature Physics
25 April 2010
Vol.: Published online before print
DOI: 10.1038/nphys1636
Site: Inovação Tecnológica – Tudo o que acontece na fronteira do conhecimento http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=processador-molecular-imita-cerebro-humano&id=010150100426 – Acesso em 26/04/2010
Pinker, S. “Como a mente funciona” – Companhia das Letras – 2001
Scientific American Brasil, no. 98, ano 8 – Julho 2010
Damásio, A. “O erro de Descartes” – Copanhia das Letras – 2001
Tags: cérebro, Ciência e Tecnologia, Computação, Informática, neurociência, Software
julho 15, 2014 às 6:50 pm |
[…] https://12dimensao.wordpress.com/2010/07/15/cerebro-eletronico-parte-ii/ […]