Vida diferente da nossa II – A NASA precipitou-se novamente?

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No post anterior (Vida diferente da nossa) abordei a descoberta da NASA de que uma determinada bactéria (GFAJ-1) parecia ter trocado o átomo de fósforo pelo arsênico na sua estrutura do DNA. O verbo parecer foi usado por mim porque no próprio artigo os autores mencionam a necessidade de confirmações dos seus trabalhos. Após o pronunciamento vários pesquisadores criticaram, não apenas os resultados do trabalho, como a forma de divulgação.

Na revista Scientific American Brasil do mês de fevereiro de 2011 saiu um excelente artigo do professor titular do Departamento de Biofísica do Instituto de Biociências da UFRGS, Jorge Alberto Quillfeldt, coordenador, desde 2003, da primeira disciplina regular de exo/astrobiologia em uma universidade pública brasileira. Neste artigo ele discute as controvérsias em torno da descoberta da NASA.

A principal critica feita à NASA foi sua divulgação pública, antes da aceitação da publicação em uma revista especializada, no caso a prestigiosa revista Science. Não se trata apenas de furo de reportagem. As revistas especializadas, do porte da Science, são extremamente exigentes com os artigos que são publicados. Quando recebem qualquer artigo, ele é enviado a um especialista da área para seu parecer, este especialista pode recomendar que o artigo seja publicado, pode sugerir alterações, ou até mesmo recomendar a não publicação do artigo. Esse trâmite todo é demorado e quando se trata de um assunto polêmico alguns pesquisadores divulgam simultaneamente na mídia em geral. Isso não é visto com bons olhos no meio científico, pois é como se os pesquisadores estivessem fugindo de um pré-julgamento. O artigo vai ser avaliado por todos antes do primeiro revisor.

Várias são as histórias de publicações bombásticas, divulgadas na mídia em geral, cujos trabalhos foram recusados pelas revistas especializadas posteriormente, ou que tiveram seus resultados contestados. Em 1989 os pesquisadores  Martin Fleischmann e Stanley Pons na  Universidade de Utah chocaram o mundo quando anunciaram uma forma simples de produzir enormes quantidades de energia, a fusão nuclear a frio (em breve vou produzir um post detalhando essa história) fato esse que não foi verificado posteriormente. O livro “A impostura científica em dez lições” de Michel de Pracontal editora UNESP, traz diversos casos de erro ou fraude na ciência.

Por que então, uma agência tão importante quanto a NASA, iria usar um artifício desse e colocar sua reputação em risco?

Na verdade não é a primeira vez que ela faz isso. Em 1996, a NASA enviou um artigo à Science, mas antes de sua aceitação foi a público divulgar que “aparentemente” tinham encontrado evidências fósseis de vida extraterrestre, em um meteorito que veio de Marte, encontrado na Antártida, o famoso meteorito ALH84001. Até hoje os trabalhos se mostram inconclusivos, não é possível afirmar se os fósseis são realmente marcianos ou se foram contaminados ao entrar em nossa atmosfera.

Segundo Jorge Alberto a NASA faz essa divulgação com grande estardalhaço, para conseguir uma maior adesão popular, e dessa forma conseguir que o congresso americano libere mais verbas para suas pesquisas. Por exemplo, após o envio das sondas Viking em 1976, a NASA ficou por mais de 20 anos sem pesquisar Marte diretamente, e após a divulgação desse suposto meteorito várias missões à Marte foram enviadas, inclusive com o envio de robôs que puderam explorar o solo marciano.

É bem provável que esse anúncio do ano passado tenha tido o mesmo objetivo, já que a aposentadoria dos ônibus espaciais, principalmente por causa do enorme custo e dos terríveis acidentes, é um sinal de que houve um bom corte nos investimentos.

Jorge Alberto qualifica como inadequada cientificamente essa atitude da NASA, mas acredita que esse tipo de pressão popular é importante para contrabalançar os gastos com ciência, dos gastos com armamento militar, em suas palavras:

“(…) parece-nos bastante apropriado que se gaste mais com ciência e menos em armas e guerras, pois o benefício da ciência se estende a toda humanidade”.

Eu concordo com ele, mas trocaria a palavra estende por pode se estender, ainda estamos longe de ter essa consciência global, os benefícios da ciência estão normalmente associados àqueles que investiram nela (grandes empresas e corporações) e que buscam o retorno, geralmente com um fator multiplicador absurdo.

Mas voltando ao trabalho divulgado no ano passado, o que está sendo contestado?

A grande dúvida é se o elemento fósforo foi realmente trocado pelo arsênico na estrutura do DNA. Vários pesquisadores acham difícil que isso tenha realmente ocorrido, e alegam que os dados fornecidos não são conclusivos.

O fósforo ocupa um lugar central no esqueleto molecular da cadeia do DNA. Se esse lugar fosse ocupado pelo arsênico, ao invés do fósforo, ele não duraria muito tempo em contato com a água. Essa é uma evidência de que não houve substituição completa, alegam os críticos.

Tirando-se a questão da divulgação precipitada, não há nada de errado em divulgar um trabalho com essas questões duvidosas. É assim mesmo que se faz ciência e é por isso que existem as revistas especializadas. São meios de divulgação de estudos, onde os cientistas podem debater, discordar, concordar, aprimorar, corrigir. Não há verdades eternas, nem estudos 100% infalíveis.

A equipe da NASA fez uma importante descoberta, que pode enriquecer bastante a questão se estamos ou não, sozinhos no universo. Mas ela (NASA) é um instituto de pesquisa como outro qualquer. Diferentemente dos times de futebol milionários, dos programas de reality show, do mundo da moda, dos orçamentos militares, esses institutos de pesquisa trabalham com ciência, cujo retorno financeiro não é sempre certeiro e pior nem sempre é visto com bons olhos pela sociedade. Quantos de vocês já não ouviram:

“Mas também, que os cientistas têm que ficar querendo saber de tudo? Que interessa saber se tem vida lá fora? Não é melhor cuidar da vida aqui de dentro?”

Esse tipo de raciocínio estreito é muito comum infelizmente, não vou respondê-lo agora, ou melhor, segue outro tipo de resposta:

“… quando a ignorância é felicidade,

é loucura ser sábio.”

Thomas Gray

Bibliografia:

Quillfeld, J.A. Controvérsias em torno das bactérias arsênicas – Scientific American Brasil ano 9 n 105 – paginas: 64 a 69.

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6 Respostas to “Vida diferente da nossa II – A NASA precipitou-se novamente?”

  1. Ivan Says:

    Belo artigo, Jacó. Sua prosa é envolvente, me fazendo lembrar de suas aulas.
    Acho uma pena não existirem tantos que enxergam a beleza do conhecimento pelo bem do conhecimento. Há sempre a espera de um retorno financeiro a curto prazo.

  2. Ronaldo Cesar Says:

    É novamente falo muito bom nos faz lembra mesmo de sua aula ate parece que estou ouvindo falar sobre o assunto; Otimo

  3. Theo Says:

    genial jacó! faço das palavras do ivan as minhas. abraço

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