Na semana passada a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a larc (Agência Internacional para Pesquisa em Câncer), mudaram a classificação do uso do telefone celular. A nova categoria agora é do tipo 2B, indica que há evidências limitadas para associação entre uso do telefone celular e câncer de cérebro. A categoria 2A sugere evidências mais fortes, indicando elementos provavelmente cancerígenos. Na categoria 1 os estudos apontam para elementos que possuem evidências suficientes para afirmar que eles são cancerígenos, como o tabaco e o amianto. Na categoria 2B, além dos celulares está o café.
As duas organizações fizeram uma analise nos estudos com dados até 2004, e segundo esses estudos, há um aumento de 40% no risco de gliomas (um tipo de câncer cerebral) entre usuários freqüentes, isto é, que utilizam em média 30 minutos por dia, em um período de dez anos.
Dita isoladamente, e sem explicação essa alta porcentagem assusta e pode gerar interpretações errôneas. Se é tão alta assim porque classificá-la como evidência limitada?
É aqui que muitos veículos de informação pecam. Matérias sensacionalistas chamam muito mais atenção do grande público, e parece que espalhar o terror ainda é preferível para esses veículos ditos de informação.
O que muitos jornais não fizeram foi explicar do que se trata exatamente o estudo. O trabalho aponta uma “associação positiva” ou correlação entre a exposição ao agente (uso do celular) e o câncer. Correlação é bem diferente de relação causa-efeito. Vamos a um exemplo: Suponha que um determinado estudo, feito com um número significativo de pessoas que tenham sinusite, aponte para o fato de que 60% delas bebam água com gás. Isso é uma correlação, não quer dizer, de forma nenhuma, que água com gás provoca sinusite.
A correlação é uma forma de tentar isolar as variáveis para daí então verificar se existe de fato uma relação de causa efeito. Por exemplo: No exemplo esdrúxulo, os cientistas fariam estudos em laboratório tentando descobrir que tipo de efeito a água com gás poderia causar na região dos seios da face. Vários testes seriam necessários, e uma abordagem teórica consistente teria que ser formulada para comprovar a relação causa-efeito.
O que os estudos apontaram, portanto, foi que do total de pessoas pesquisadas, portadoras desse tipo de câncer, 40% delas utilizavam o celular por mais de dez anos, numa média de 30 minutos por dia. O próprio anúncio da OMS e da larc afirmam que não podem excluir outros fatores no desenvolvimento desse tumor.
Além disso, os estudos são inconclusivos, pois estão baseados na informação dada pelas próprias pessoas, e fica difícil quantificar o real tempo de uso do aparelho.
Antes desse anuncio, os celulares estavam na categoria 3, que significa que nenhuma correlação podia ser associada, entre câncer e uso do celular. Com a nova classificação, significa que a comunidade cientifica, deve ficar alerta e realizar mais testes, mais pesquisas. Enquanto isso devemos moderar o uso, da mesma forma que devemos moderar nossa exposição ao Sol. Quase ninguém deixa de ir à praia porque os raios solares podem provocar câncer de pele, e essa evidência já está comprovada.
Os raios solares emitem toda a gama do espectro de ondas eletromagnéticas, desde as de baixa energia, formada pelas ondas de rádio e infravermelho, passando pela luz visível, que possui uma energia intermediária, até as de alta energia, como o ultravioleta, raio x e raio gama.
Os aparelhos celulares só emitem radiação de baixa energia, ondas com freqüências que estão abaixo da luz visível, e acima das freqüências de transmissão de FM. Essas radiações interagem com a matéria gerando, em sua maioria, o aquecimento da mesma. As radiações de alta energia, como o ultravioleta e raio x, são ionizantes, isto é, conseguem arrancar elétrons dos átomos e por isso podem causar danos as células.
Portanto se há algum efeito provocado pelos celulares ele deve ser devido ao aumento de temperatura na região da cabeça, e isso vem sendo estudado há anos, sem nenhum resultado conclusivo. Mas ainda é cedo para afirmar alguma coisa, pois se constatar uma relação de causa efeito é difícil, dado o número de variáveis, comprovar que NÃO HÁ relação é praticamente impossível, pois exigiria um número infinito de experimentos.
As variáveis para um estudo de causa-efeito são muitas. Mudam com o tempo de exposição, com a potência do aparelho, com a proximidade do aparelho, além de ser muito difícil isolar as outras possíveis fontes que poderiam gerar o tumor.
Espero que vocês não achem que esse é um post para defender as companhias de celulares, afinal elas nem precisam disso, possuem poderosos advogados para isso. Esse é um post para criticar a forma como o jornalismo científico é tratado. Excetuando-se, alguns poucos casos de boa cobertura, normalmente é feita uma chamada bem sensacionalista (“Celular dá câncer”, diz OMS), uma apresentação rápida da matéria, e um especialista fazendo um comentário, sempre pessoal, pior ainda, o comentário do especialista é sempre editado de forma grosseira, geralmente corta-se o que ele está dizendo no meio, sem que a frase seja completada.
Um bom cientista é, na maioria das vezes, muito contido e quase sempre faz ressalvas, do tipo: Mas o estudo não é conclusivo, ainda é preciso investigar mais, correlação não é relação de causa efeito, isso não significa… Essas afirmações parecem não agradar aos jornalistas, ou aos editores chefes, dá uma impressão de falta de confiança, e o jornal TEM QUE MOSTRAR CONFIANÇA, TEM QUE CONVENCER O LEITOR, OU TELEESPECTADOR. Isso pode ser verdade para noticiar fatos, mas não funciona assim para a ciência. A ciência não funciona assim, não há certezas incontestáveis, nem verdades absolutas.
Isso não significa que devemos nos render ao relativismo total, do tipo: Ah tudo dá câncer! Daqui a pouco vem alguém e diz que tava tudo errado. Etc. Mas isso é assunto para outro post sobre ciência e divulgação científica.
Referências Bibliográficas: (acessos em 04 de junho de 2011)
http://super.abril.com.br/saude/celular-pode-provocar-cancer-cerebral-ou-nao-580946.shtml
Tags: Boa ou má ciência, câncer, Ciência e Tecnologia, Divulgação científica; jornalismo científico
junho 7, 2011 às 2:35 pm |
Isto é assustador professor.Mas não existe uma prova clara, mesmo se existisse e não for proibido o uso, será como o cigarro que todos sabem que fumar causar câncer,porém a maioria continuam fumando mesmo sabendo dos riscos.Parabéns pela matéria ficou esclarecedora.Abraços.
junho 7, 2011 às 5:53 pm |
Oi Mari, valeu pelo coments, mas a intenção da matéria era justamente mostrar que isso não é tão assustador assim. beijo
junho 7, 2011 às 3:32 pm |
ótima a matéria!!! Não são poucas as vezes que o sensasionalismo toma conta!! Obrigada!!!
junho 7, 2011 às 5:55 pm |
OI Maricy, legal que vc gostou, vc que gosta tanto de sol sabe que o importante é saber dosar as coisas não é mesmo? beijo
junho 7, 2011 às 8:52 pm |
ficou ótima sua explicação, realmente o que “vende ” é isso assustar as pessoas e na verdade não informa nada apenas assusta , parabéns pela matéria.
junho 8, 2011 às 3:06 am |
Valeu maninha beijão.
junho 8, 2011 às 12:17 am |
Professor,para quem usa celular mas que dez minutos durante o dia é assustador…
junho 8, 2011 às 3:07 am |
Não é assusutador não…
junho 8, 2011 às 3:45 pm |
Jacó,
Muito bom esse seu artigo, esclarecedor, bem escrito, didático, parabéns. E sobre a divulgação científica, acho mesmo que merece maior discussão. Os transgênicos, por exemplo, são tratados de forma sensacionalista, por vezes, e mereciam uma ponderação melhor, mais “de mão dupla”. Abraço!
junho 8, 2011 às 6:50 pm |
Valeu zé, muito importante seu comentário e apreciação, você que de mané só tem o nome, que tal fazermos juntos um sobre transgênico? abraço
junho 8, 2011 às 9:45 pm |
Jacó, obrigado pela explicação. Quando li a materia em um site de noticias, tive certeza que vc comentaria, pois lembrei de uma aula sua sobre niveis de radiações, celulares, etc, etc…
Aqui onde trabalho algumas pessoas passaram a evitar o celular…
abcs!
junho 10, 2011 às 3:49 am |
Valeu Josinei, avise seus colegas que o cafézinho está na mesma lista do celular, e que mais de 10 minutos ao sol é bem pior que usar o celular por meia hora….mas por outro lado, diga pra eles que é bom mesmo evitar usar o celular, pois um efeito que está comprovado é que eles podem causar um pequeno desfalque em sua conta bancária.
junho 9, 2011 às 12:31 am |
Como sempre a imprensa sensacionalista joga uma informação sem realmente ter bases cientifícas, e nós ficamos mais uma vez sem saber para que lado correr.
Jacó muito bom para esclarecer nossas dúvidas.
Beijos
junho 10, 2011 às 3:51 am |
Oi Prima Edi, valeu pelo coments, espero poder ajudar, ainda que de forma modesta a esclarecer um pouco essas questões polêmicas. beijos
junho 18, 2011 às 12:17 pm |
Boa Jacó! Seria interessante dar um exemplo concreto do que é fazer ciência e o que é uma boa divulgação…os modelos ajudam…os alunos poderiam ajudar a selecionar e analisar bons e maus exemplos. Parabéns pelo post.
abração
Harlei
junho 20, 2011 às 3:35 am |
Boa ideia Harlei, vou pensar em algo como exemplo. abraço