Quando pensamos em uma máquina do tempo logo nos vem à mente a possibilidade de consertar erros do passado ou de fazermos escolhas diferentes. A grande questão (que já foi mencionada nos outros posts sobre o assunto) é sobre a possibilidade, ou não, de alterar o passado.
Mas podemos pensar em outra possibilidade, em que os paradoxos não precisam acontecer: uma viagem ao passado sem interferência, apenas de observação.
Existem momentos vividos por mim que eu gostaria de reviver, ou de pelo menos passar novamente pela experiência. Nossa memória é impressionante, mas não é perfeita, não consegue reter a experiência com exatidão (nem poderia, esquecer é algo essencial), além disso, podemos ter recordações que não são reais, que foram distorcidas ou confundidas por sonhos ou relatos de outras pessoas.
Mesmo que a lembrança pudesse estar intacta, ainda assim gostaria de vivenciá-las novamente, só recordar não basta.
Imagine uma máquina do tempo que pudesse nos levar para um momento passado como observador, como se estivéssemos vendo um filme, mas o nosso filme, sendo visto de dentro. Reviver emoções incríveis, que lembramos com saudades, ou até mesmo aquelas que não recordamos mais, como o momento de nosso nascimento, nossos primeiros passos, o sorriso de nossos pais quando dissemos: mamãe ou papai, o primeiro beijo.
No filme de ação: Déjà Vu ( 2006 ) com Denzel Washington e Paula Carlin e direção de Tony Scott, a ideia inicial é justamente uma máquina que permite ver o que aconteceu no passado. Uma espécie de máquina do tempo só de observação, mas entre a ficção científica e o filme de ação, a opção foi a segunda e o filme acabou se transformando em apenas mais um filme de entretenimento, uma boa ideia que foi desperdiçada.
Nos dois primeiros posts sobre viagem no tempo comecei a abordar, pelo lado da física, a possibilidade teórica de se viajar no tempo. Nenhum físico pode ainda provar que uma máquina do tempo pode ser construída, assim como nenhum físico pode ainda provar que ela não possa ser construída.
Mas o tipo de viagem no tempo que mencionei no começo deste post pode ser possível, não através de uma máquina do tempo, mas de outra forma, tão surpreendente quanto esta, típica das histórias de ficção científica, mas tecnicamente possível em um futuro não muito distante.
O neurocirurgião brasileiro Miguel Nicolelis que, segundo a prestigiada revista Scientific American, é um dos vinte maiores cientistas da atualidade, nos conta logo no primeiro capítulo do seu mais recente livro: Muito além do nosso eu – Companhia das Letras, como esse tipo de experiência que eu relatei poderia se tornar realidade.
Nicolelis lidera um grupo de neuroengenharia na Universidade Duke na Carolina do Norte (EUA). Suas pesquisas ganharam fama mundial e ele já foi cotado várias vezes ao prêmio Nobel de medicina. Entre seus feitos estão o desenvolvimento de uma cirurgia que minimiza os efeitos do mal de Parkinson e dispositivos intracranianos, que implantados no cérebro de uma macaca, fizeram a mesma mover um braço robótico apenas com a “força” do pensamento.
Grosseiramente falando, a técnica de Nicolelis consiste em conseguir, através de dispositivos que ele chama de interfaces cérebro-máquina (ICM), fazer uma “leitura” dos sinais nervosos enviados pelo cérebro. Em seguida, esses sinais são convertidos em sinais elétricos, através de um software, que comandam um sistema robótico. O sonho de Nicolelis é conseguir fazer com que paraplégicos possam usar essa tecnologia para mover uma espécie de exoesqueleto robótico e dessa forma voltar a andar. E num futuro próximo comandar diretamente, através do pensamento, próteses biônicas.
Mas Nicolelis pensa muito mais longe, acreditando que isso é só o começo de uma grande revolução. Num futuro um pouco mais distante será possível, segundo ele, dispensar o mouse, o teclado ou qualquer outro dispositivo de comando para se acessar o computador, poderemos inclusive acessar a internet apenas pensando, o que ele chama de “brainet” (brain = cérebro, em inglês). Nas palavras de Nicolelis:
Se esse exemplo não é suficientemente sedutor, imagine se você de repente pudesse experimentar toda gama de sensações despertadas por um simples toque na superfície arenosa de um outro planeta, milhões e milhões de quilômetros distante daqui, sem ao menos sair de sua sala de estar. Ou ainda melhor, como você se sentiria caso lhe fosse dado acesso a um banco de memórias de seus ancestrais remotos, de modo que pudesse, num mero instante, recuperar os pensamentos, emoções e recordações de cada um desses seus entes queridos, criando assim, por meio de impressões e sensações vividas, um encontro de gerações que jamais seria possível de outra forma? 1
Veja que não está se falando de simplesmente ter acesso a essas emoções como se fosse um filme. Essas emoções e pensamentos, registrados na forma de sinais elétricos, poderiam ser gravados e depois enviados aos nossos cérebros, de tal maneira que teríamos a exata sensação de estar vivendo aquilo, como acontece em um sonho.
A base da tecnologia já existe. Em seus experimentos Nicolelis mostrou que o cérebro da macaca reconheceu o movimento do braço mecânico, enviado através de sinais elétricos por eletrodos implantados no cérebro, como se fosse ela mesma que estivesse movendo diretamente com seu braço. No início, a macaca fazia o movimento através de um joystick, mas depois percebeu que não era preciso realizar o movimento, bastava pensar.
Infelizmente, mesmo que essa espécie de viagem no tempo venha a se tornar realidade, ela não me permitirá reviver minhas emoções de criança, simplesmente porque eu não as gravei nesse banco de memórias. A menos que seja possível, e aí já é viagem minha, recuperar essas memórias de algum jeito, mas a forma como o cérebro armazena nossas memórias ainda é um mistério.
Mais uma vez parece que a vida imita a arte. Se você não viu, veja o excelente filme “Vanilla Sky” de 2001 de Cameron Crowe, estrelado por Tom Cruise, Cameron Dias e Penélope Cruz. Esse filme é na verdade uma refilmagem do também excelente “Abre los ojos” (1997) de Alejandro Amenábar e Mateo Gil, estrelado por Eduardo Noriega e a mesma Penélope Cruz. Após assisti-lo você entenderá onde estou querendo chegar.
Referência Bibliográfica:
1 – Nicolelis, Miguel – Muito além do nosso eu – Companhia da Letras – 2011 – páginas 25 e 26.
Tags: cérebro, Ciência e Tecnologia, Física e cinema, Informática, mente, neurociência, relatividade
julho 24, 2011 às 3:01 pm |
Caro Jacó Izidro,
Sabe que sou uma aficionada do tema TEMPO, com destaque especial para o meu maior sonho de criança: viajar no tempo! E ler os seus posts, pelo embasamento científico e pelos exemplos práticos (e reais), traz a boa sensação de plausibilidade à minha antiga fantasia. Fico extremamente empolgada por avanços na ciência como os do genial Miguel Nicolelis!
Fugindo – ou melhor, voltando – às minhas divagações (mais fantasiosas) sobre a temática, lembro aqui – e recomendo, claro! – o recente filme “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen, em que o protagonista consegue voltar ao passado de seus ideais (seu par romântico idealizado no filme também: ele retorna à dourada Paris dos Anos XX; ela, que era dessa época, volta ao seu “sonho de consumo temporal” centrado na Belle Époque). Neste caso, tudo se torna possível graças ao poder e à magia do desejo, tão-somente. O que, de certa forma, não é dessemelhante à proposta do Dr. Nicolelis. E é dessa mistura de ficção e realidade que se alimenta o meu sonho da tal viagem!…
Falando ainda de ficção, acerca do filme Déjà Vu, creio que a tecnologia da trama não fosse apenas uma “máquina do tempo só de observação”, já que o protagonista atravessou, de fato, a linha temporal, incorrendo ainda na concomitância de duas esferas dimensionais. Não lhe pareceu isso? Os outros personagens visualizavam a incursão do policial Doug Carlin no universo passado de não mutas horas anteriores. Mas o fato (ficcional.. rs) é que ele volta a um passado recente, não é mesmo? Daí todo o fascinante processo de um déjà vu que ultrapassa as raias simples de uma espiritualidade concebida, e alcança, ainda que superficialmente, o terreno da ciência. Não lhe parece assim? Sei que você, como físico, pode possuir compreensões mais profundas – e concepções mais embasadas e elaboradas (a propósito, poderia falar um pouco mais a respeito daquilo que, cientificamente, a seu ver o roteiro desperdiçou?). Porque essa é apenas a minha opinião de “poeta leiga e amiga do imaginário” (risos divagadores)…
No fim de contas, sempre que passo por aqui apreendo infornações utilíssimas, informando-me sobre altas novidades reais, o que só colabora para as minhas “evasões de pretensa viajora entusiasta do tempo” tsc tsc tsc Tomara que um dia a ciência de Nicolelis ou a fantasia de Woody Allen me permitam fazê-lo… À moda de Allen, eu fiz anteriormente, no início deste ano, um passeio mental em meu blog: http://sayonarasalvioli.blogspot.com/2011/01/hoje-acordei-com-vontade-de-passear_22.html Se quiser passar por lá, será um prazer recebê-lo! 🙂
Obrigada por avisar-me da postagem e, principalmente, por munir os leitores de relevantes informações sobre o universo maravilhoso da ciência e suas possibilidades!
Saudações atemporais 🙂
Sayonara.
julho 24, 2011 às 9:17 pm |
Querida Sayonara,
que bom receber uma resposta tão atenciosa e interessante. O filme do Woody Allen é realmente fantástico, foi um dos que eu mais gostei dele, uma delícia de viagem no tempo, não comentei sobre ele porque não quiz estragar a surpresa de quem ainda não viu o filme, mas quero mencioná-lo de certo.
Sobre o Déja Vu, concorco dom você, eles realmente conseguiram enviar um sinal para outro tempo e depois o agente conseguiu viajar através da máquina, mas é justamente isso que não gostei no filme, claro que isso torna o enredo mais instigante, mas essa ideia já tinha sido usada em diversos outros filmes e aquela primeria (apenas com a aobservação do passado) não. Por isso acho que eles desperdiçaram uma boa ideia, pois do ponto de vista cientifico seria mais plausível, só que aí iria requerer mais capacidade para desenvolver o roteiro. Ao optar pela interferência com o passado eles caíram no caso classico do paradoxo, e do meu ponto de vista ficou clichê, o agente volta no tempo e tem que salvar a garota por quem se apaixonou. Gostei do filme, mas acho que ele poderia ter sido melhor, pois teriam que criar um roteiro bem original para tornar o filme interessante, provavelmente não teria feito tanto sucesso, mas creio que seria mais original. Não sei se estou sendo claro, deixa eu dar outro exemplo, o filme Gataca (não é sobre viagem no tempo, mas é também de ficção cientifica) é um filme que não apela para a ação desvairada (eu gosto muito de filme de ação, mas quando a ideia é boa não há necessidade dela), a questão das experiencias geneticas, das questões éticas é mais importante e isso torna o filme, do meu ponto de vista, mais interessante). Outro filme em que eu acho que a ação excessiva poderia ter sido deixada de lado é no Interception (A origem), que já comentei em um post antigo. É muito legal a ideia de entrar no sonho , mas não precisava daqueles tiros todos e dos terroristas, etc.
Mas isso que é legal nos filmes, permitir o diálogo, diferentes pontos de vistas, se ouvesse concordância entre todos seria mais sem graça.
vou sim visitar seu blog, acho-o fantástico, você escreve muito bem, e é sempre uma delícia viajar em suas histórias.
beijo
jacó
agosto 8, 2011 às 6:56 pm |
Olá Meu sempre querido Professor Jacó
Adoro ler suas postagens, são muito ricas de informações. Ter a honra de ver á suas palestras então! Humm sensacionais! Os temas abordados e a forma com que você fala nos inspiram confiança, com certeza ao sair de suas palestras temos outra visão sendo conhecedor ou não do assunto.
Lembra quando comecei na faculdade como fiquei pirada…rs.
Só não parei nos 1º dias de aula graças á conversa que tive com você☺
Assisti aos filmes que nos indicava, adoro filmes “loucos” que nos fazem sair de nossa realidade, sair e voltar com muitas reflexões rsss
Aproveitando o que você tem a dizer do filme Efeito Borboleta, Quem somos nós e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças?
Beijos
PS: sou sua fã
agosto 9, 2011 às 4:27 am |
OI Ilca,
primeiramente muito obrigado pelo post e elogios. Fiquei até encabulado.
sobre os filmes que você mencionou, vamos lá: efeito borboleta, as continuações não merecem comentários, mas o primeiro é mujito bom, principalmente porque ele deixa campos em aberto, onde o personagem não se lembra do que aconteceu e são nesses momentos que ele viaja e altera o curso dos acontecimentos, misturando, viagem no tempo com teoria do caos. Muito legal mesmo, claro que usando cliches para tornar o filme comercial.
Quem somos nós , eu não gosto, digo mais, detesto. Pois passa uma visão completamente distorcida da física quantica. Cheio de conceitos errados, e pior, não se decidiram entre fazer um filme de ficção ou um documentário, acabou não virando nem uma coisa nem outra. Roteiro péssimo, atuações péssimas, e aquelas afirmações de “especialistas” que não sabemos quem são, e no final aparecem como especialistas. Enfim, não recomendo!
Já Brilho eterno de uma mente sem lembranças é fantástico, é de um roteirista bem pirado, mas muito bom, Como roteirista Charles Kaufman. NOrmalmente os filmes estão centrados no diretor, mas kaufman é tão bom que se torna a principal figura de seus filmes., Ele cria histórias bem originais e diferentes. Eu já vi (e recomendo) os seguintes:
* Being John Malkovich (Quero ser John Malkovich ) (1999)
* Human Nature (A Natureza Quase Humana) (2001)
* Adaptation (Adaptação) (2002)
* Confessions of a Dangerous Mind (Confissões de uma Mente Perigosa) (2002) – (esse eu achei chato)
* Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças) (2004)
desses o que mais gosto é justamente brilho eterno, excelente atuação dos atores e ideia bem legal. Bom teria muito mais a falar desses filmes, mas não quero estragar para quem não viu.
beijos
julho 22, 2012 às 9:10 pm |
Olá,
Vim parar em seu blog pesquisando sobre o filme Feitiço do Tempo. Apenas gostaria de parabenizá-lo por seu trabalho, seus textos e pelas indicações de filmes… Condizem totalmente com o assunto. Com certeza voltarei aqui mais vezes!!!
julho 23, 2012 às 4:12 pm |
Oi Barbara, que bom que gostou do blog, e melhor ainda que deixou um coments pra eu ficar sabendo. Gosto muito do filme feitiço do tempo, já vi várias vezes.Aguardarei novas visitas suas. abraço.
Jacó
julho 15, 2014 às 6:50 pm |
[…] https://12dimensao.wordpress.com/2011/07/19/viagem-no-tempo-iii-e-cerebro-eletronico-iv-fazendo-nossa… […]
maio 3, 2015 às 7:30 pm |
[…] https://12dimensao.wordpress.com/2011/07/19/viagem-no-tempo-iii-e-cerebro-eletronico-iv-fazendo-noss… […]
maio 7, 2017 às 3:25 pm |
muito bom o tema ! caso ainda tenha interesse de mais conteudo recomente entender um pouco da historia do game assassin’s creed e sua maquina ficticia Animus , ela descreve sua teoria muito bem
agosto 17, 2018 às 2:56 pm |
Valeu Leonardo, muito obrigado pela dica. abraço
maio 8, 2017 às 6:57 pm |
Olá,
Estou elaborando um trabalho/ apresentação de ensino médio a respeito da viagem no tempo, falando sobre viagem pelo buraco de minhoca e buraco negro, os três tipos de linhas temporais, os universos paralelos e a realidade alternativa, sempre fazendo referencia à ciência e à filmes de ficção científica. Gostaria que, caso pudesse, mandar algumas dicas sobre esses assuntos, dicas de filmes e também algumas teorias de filmes sobre essa área.
Desde já, grata.
agosto 17, 2018 às 2:56 pm |
Oi vitória, enviei um email para você com algumas dicas. muito obrigado pela presença.