Ver para crer? Ou ver e se iludir?

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Cine 3D; experiências fora do corpo e fantasmas da mente

Ontem (na verdade já faz tempo que comecei esse post) assisti ao último filme do Harry Potter (Harry Potter e as Relíquias da Morte- parte 2; Direção David Yates – 2011). Apesar de comprar com antecedência, acabei ficando muito próximo da tela, que era imensa. Como o filme era 3D, em vários momentos objetos “saltavam” da tela e eu tinha a certeza de que seria possível pegá-los, bastando para isso erguer o braço. Nessa hora pensei comigo: “eu sei que isso é apenas uma imagem e que ela está sendo formada lá na tela, mas meus olhos me dizem outra coisa. Como meu cérebro pode ser tão facilmente enganado?”

Os filmes 3D não são novidades, já na década de 70 várias pessoas usavam os óculos que forneciam a impressão da terceira dimensão. Mas eram tão toscos que não vingaram. As novas produções investiram em uma tecnologia muito mais impressionante, mas ainda acho que aqueles óculos são um incômodo. Acredito que essa volta ao 3D é somente para tentar diminuir a pirataria. Mas o que quero abordar é outra coisa: Como nós, seres humanos, confiamos tanto em nosso sentido da visão.

Uma vez ouvi, em um programa de rádio, uma especialista comentando que supervalorizamos a visão. Segundo ela imaginamos que um deficiente visual deve ter muita dificuldade em ser integrado na sociedade. Ela comentava que apesar das dificuldades, os deficientes auditivos possuem muito mais dificuldade de se integrarem na sociedade do que os visuais.

O grande matemático e filósofo Bertrand Russell, prêmio Nobel de literatura em 1950, em seu livro “O ABC da relatividade” nos intriga quando discute: “o que consideramos real? Aquilo que vemos? Tocamos? Ouvimos?” Mas e se alguma coisa pudesse enganar nossos sentidos, nos dando a impressão de que vimos, ouvimos ou tocamos em algo, mas que na verdade não existe?

Quando li esse trecho do livro de Russell, não se falava ainda em realidade virtual, nem existia cine 3D tão impressionante, mas pensei em um sonho. Muitas vezes durante o sonho não percebemos que estamos sonhando, acreditamos que aquilo realmente está acontecendo.

Nosso cérebro cria uma realidade que não necessariamente é o mundo real. Por isso muitas vezes somos enganados pelas imagens. As ilusões de óptica são um exemplo disso. Mas com o advento da realidade virtual, e com as novas pesquisas da neurologia, estamos entrando em uma nova era.

Os neurologistas Oliver Sacks e Miguel Nicolelis abordam em seus respectivos livros: “O homem que confundiu sua mulher com o chapéu” e “Muito além de nosso eu”, um triste sintoma de pessoas que tiveram partes de seu corpo amputadas, os chamados membros fantasmas.

Mesmo não possuindo mais o membro que foi amputado, várias pessoas relatam que sentem coceiras ou fortes dores nesses membros. Segundo Nicolelis uma forma de melhorar esses sintomas consiste em “iludir” o cérebro do paciente. Utilizando uma “caixa de espelhos”, criada por um pesquisador, os pacientes podem colocar seu braço (ou perna) que não foi amputado e visualizar pelo espelho uma imagem dele no local onde deveria estar o braço fantasma. Após alguns minutos de uso dessa caixa de espelhos, vários pacientes relataram uma melhora, ou até mesmo o sumiço dos sintomas do membro fantasma. A hipótese levantada é que o cérebro entende a imagem como se fosse a parte do corpo restabelecida.

Nicolelis defende a tese de que o cérebro cria a nossa imagem corporal, e é capaz até mesmo de incluir, como fazendo parte de nosso corpo, ferramentas e instrumentos, desde que esses sejam constantemente utilizados por uma pessoa. Por exemplo, uma raquete de tênis para um tenista, um violino para uma violinista, um carro de fórmula um para um piloto, uma bola para um jogador de futebol, fariam parte do corpo de cada uma dessas pessoas. Para o cérebro delas, seu corpo compreende o artefato constantemente utilizado.

Nicolelis discute ainda experimentos que ele chama de experiências fora do corpo. Sujeitos são instruídos a se sentar em uma cadeira e colocar seu braço esquerdo sobre uma mesa. Após impedir que esse braço seja visualizado (através de um painel opaco) é colocado na frente do sujeito um braço de plástico, na posição que deveria estar seu braço verdadeiro. Em seguida os dois braços, o verdadeiro e o de plástico, são estimulados simultaneamente, mas a pessoa só consegue ver o estímulo no braço de plástico. O resultado é que após algum tempo, a maioria das pessoas que passaram por isso dizem que sentiram o estímulo, como se ele tivesse partido do braço do manequim (de plástico). Quando se pede para os sujeitos fecharem os olhos, e tocarem com o dedo da mão direita no dedo da mão esquerda, eles levam o dedo da mão direita ao braço do manequim e não ao seu braço que está escondido.

A tese de Nicolelis é que o cérebro interpreta como seu, o braço do manequim, pois está recebendo dados, principalmente visuais, desse braço e não do braço verdadeiro.

Outros experimentos ainda mais intrigantes são abordados em seu livro. A questão interessante que fica é se não podemos ter certeza nem mesmo do que faz parte de nosso corpo, como podemos ter certeza do que vemos?

Ilusão de óptica, hologramas, realidade virtual, cine 3D e experimentos neurológicos estão nos mostrando que devemos duvidar até mesmo de nossos sentidos. Claro que isso não é nenhuma novidade para quem trabalha com mágica. Os ilusionistas são mestres em nos enganar.

Mas se não podemos confiar nem em nossos sentidos o que devemos fazer?

Talvez o que já fazemos (ou pelo menos devíamos estar fazendo) com as informações:  Consultar sempre mais de uma fonte.

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