Em uma conversa durante um almoço, meu amigo e professor de biologia José Manoel, mencionou um artigo muito interessante que ele havia lido. Convidei-o então a escrever um post aqui no 12a. Dimensão, uma vez que ele é leitor assíduo e contribui bastante com seus comentários. Pra ser sincero achei que ele iria aguardar as férias mas para minha grata surpresa ele me enviou em alguns dias esse escrito que reproduzo abaixo. Espero que gostem assim como eu gostei. Obrigado Zé. Abraço
Jacó
Por: José Manoel Martins
Mestre em Zoologia e Doutor em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da USP, professor de Biologia no EnsinoMédio do Colégio Oswald de Andrade e autor de Ciências do Ensino Fundamental II (Editora Saraiva) e do Sistema Anglo de Ensino e pH Sistema de Ensino
O título desse texto, uma alusão a Hamlet, de Shakespeare (que espero que me perdoe de seu túmulo), me veio à mente após a leitura do artigo da revista Carta Capital de 29 de agosto de 2012, pp:54-59 (www.cartacapital.com.br), intitulado Nós e as bactérias, uma tradução feita do artigo original publicado pela revista The economist (www.economist.com), que traz uma visão pouco comum em relação às bactérias que habitam o nosso organismo. O artigo completo pode ser encontrado em: http://www.abradilan.com.br/noticias_detalhe.asp?noticia=11913.
Uma das reflexões que o artigo traz e que me chamou mais a atenção foi a de que “O óvulo e o esperma [do ser humano] fornecem cerca de 23 mil genes diferentes. O microbioma, como são chamadas coletivamente as bactérias comensais do corpo, teria cerca de 3 milhões.” Isso é fantástico! Pensar que além dos nossos próprios genes, também contamos com uma gama de genes de bactérias que vivem em simbiose com nosso organismo, nos faz pensar sobre o nosso conceito de organismo – seríamos apenas o conjunto de nossas células, provenientes do ovo gerado pelos óculo óvulo e espermatozoide de nossos pais, ou seríamos esse pequeno ecossistema formado também pelos nossos simbiontes?
Várias substâncias que ingerimos, não são digeridas por nosso conjunto enzimático (produto de nossos genomas), mas sim por enzimas produzidas por bactérias simbiontes de nossos intestinos. É o caso, por exemplo, dos glicanos, açúcares comuns no leite mas que são apenas digeridos por enzimas bacterianas – e não é à toa que essas bactérias estão em nosso intestino num perfeito exemplo de coevolução homem-bactéria.
Essa ajuda mútua entre bactérias e homem em processos de digestão não é uma exclusividade desses seres vivos, bactérias que vivem em estômagos de animais herbívoros, como vacas, cavalos ou veados, também realizam importante papel na digestão, entre outras substâncias, do carboidrato celulose, de onde esses animais vão obter compostos importantes para seus processos metabólicos.
Mas voltando às bactérias e seres humanos, o artigo relata uma série de substâncias que são eliminadas pelas bactérias em sua digestão e que são absorvidas pelo homem, como “pequenas moléculas de ácido graxo, especialmente ácido fórmico, ácido acético e ácido butírico, que podem atravessar as paredes do trato digestivo e entrar na corrente sanguínea, de onde são inseridas nos caminhos bioquímicos que ou liberam energia delas (10% a 15% da energia usada por um adulto médio são gerados dessa maneira), ou as depositam como gordura.”
Descobertas recentes, como indica o artigo, já relacionam a fauna microbiana com várias doenças, entre elas a obesidade e a desnutrição. Os resultados apontam para a presença de microbiomas diferentes em pessoas obesas e magras e também que as bactérias “realmente participam do processo de emagrecimento, suprimindo a produção de um hormônio que facilita o armazenamento de gordura, e de uma enzima que impede a queima da gordura.”
No caso da desnutrição, os cientistas, estudando grupos de gêmeos fraternos e idênticos, encontraram microbiomas diferentes entre indivíduos bem alimentados e malnutridos, isto é, “ter o tipo errado de bactéria pode causar desnutrição.“ Esta é causada, principalmente, pela ausência de uma dieta adequada, mas também parece que as bactérias têm um papel importante nessa condição. Tratar pessoas desnutridas com uma “dose” de certas bactérias poderá ser um caminho para a cura.
O artigo da Carta Capital ainda aponta para a relação microbiana com doenças cardíacas, diabetes, esclerose múltipla e vários outros distúrbios:
Doença cardíaca I – quanto maior a quantidade encontrada na urina humana de ácido fórmico, produzido pelo microbioma intestinal, menor a pressão sanguínea e portanto, menor também a chance de doenças cardíacas.
Doença cardíaca II – experimentos em ratos especialmente criados para ser suscetíveis ao endurecimento das artérias mostram que a morte do seu microbioma (por meio de antibióticos), reduz “significativamente sua aterosclerose, embora o motivo disso permaneça obscuro.”
Diabetes – pessoas com obesidade mórbida, quase sempre diabéticas Tipo 2 (em que as células do corpo se tornam insensíveis à insulina), e que são submetidas a “um procedimento conhecido como Rouxen-Y, que cria um desvio (bypass) no intestino delgado e assim reduz a quantidade de alimento que o corpo pode absorver”, acabam por emagrecer e praticamente a “zerar” sua diabetes. Isso está sendo explicado pela alteração na composição do microbioma intestinal, resultante da intervenção cirúrgica e que de alguma forma faz com que a diabetes desapareça.
Esclerose múltipla – é uma doença autoimune (distúrbio em que o sistema imunológico da pessoa se volta contra si mesmo), na qual ocorre a retirada de sua bainha de mielina das células nervosas, o que as tornam inviáveis para a condução do impulso. Foi demonstrado que em ratos as bactérias intestinais participam do início do processo de reconhecimento das células nervosas como “inimigas”.
O uso de iogurtes conhecidos como próbióticos (composto por vários tipos de bactérias do iogurte), no caso de pessoas com a síndrome do intestino irritável, realmente melhora suas condições clínicas. Essa seria uma espécie de troca de bactérias “doentes” por outras “saudáveis”, mas não se sabe se realmente isso acarreta algum benefício em pessoas sem a síndrome. Aliás, estudos mostram que em gêmeos o uso ou não do iogurte não modificou seus microbiomas.
Certos procedimentos podem até parecer escatológicos demais para serem “bons”, mas eles têm demonstrado bons resultados. Trata-se da transferência de microbiomas inteiros de um intestino sadio para um doente, isto é, um transplante fecal (eca!). Casos comuns em que esse procedimento está sendo empregado ocorre em infecções, geralmente hospitalares, pela bactéria Clostridium difficile, causador de diarreia severa. “Os novos micróbios multiplicam-se rapidamente e tomam conta do intestino grosso, expulsando a C. difficile.”
Doenças como o autismo também podem estar relacionadas com o microbioma intestinal. A competição que existe no ecossistema intestinal entre as bactérias presentes, pode levar à produção de substâncias como os fenóis (fabricadas por certas bactérias para matar eventuais competidoras) que, no entanto, também são tóxicas para as células humanas. Para neutralizar esses fenóis, nosso corpo produz substâncias à base de enxofre, que pode se tornar escasso devido à grande produção e, assim, prejudicar o desenvolvimento do cérebro que necessita muito desse elemento. E o que isso tem a ver com o autismo? Não se sabe ao certo se a relação é direta entre os resultados dessa competição microbiana e o autismo, mas indivíduos com essa doença costumam ter problemas com o metabolismo do enxofre.
Essa área da ciência, pela facilidade que as novas técnicas de estudo do DNA das bactérias permitem, está bem na moda. No entanto, como o artigo diz: “isto em si acarreta riscos.” Pode ser que toda essa importância para o microbioma que parece estar sendo cada vez mais aclamada seja inadequada, como também o foi a sua total negligência.
O fato é que o microbioma está relacionado com a nossa alimentação, com o funcionamento correto (ou não) de várias de nossas funções fisiológicas e que também pode explicar doenças aparentemente genéticas, mas que eram difíceis de identificar em nosso próprio genoma, por na verdade estarem ligadas ao genoma de nossos companheiros intestinais. Algumas dessas bactérias podem ser herdadas de mãe para filho no parto, mas outras chegam a nós diretamente pelo ambiente que nos cerca. De certa forma, podemos pensar que “herdamos” genes da mãe, sem ser propriamente dela e genes de seres que nem são da nossa espécie! Em contrapartida, poderemos tratar de doenças genéticas via o microbioma, na forma de transplantes ou de uso de antibióticos, por exemplo.
No final das contas, há cerca de 10 vezes mais células de microbianos em nosso corpo que as células propriamente nossas. Somos formados por muito mais que apenas a nossa herança biológica de nossos pais, somos um pequeno microcosmo de seres simbiontes que querem (ou preferem?) interagir de forma equilibrada conosco, mas eles precisam de nossa contribuição para isso. Certamente, no futuro, a abordagem dessa interação estará mais presente nos consultórios médicos. Talvez uma frase que venha a ser dita possa ser “Me diga que bactérias tens que te direi quem és”.
bibliografia:
http://www.abradilan.com.br/noticias_detalhe.asp?noticia=11913. Acesso em 05/09/2012
Tags: biologia, Ciência e Tecnologia
setembro 17, 2012 às 10:11 pm |
gostei bastante do post e eu não havia lido nada do genero no blog até hoje. Então achei legal que introduziu à ciencia, mas deu uma nova gama de assuntos ao blog além de fisica, engenharia e educação. Pode até ter havido outros, mas eu particulamente não li.
setembro 20, 2012 às 3:18 am |
Oi NIcholas, tem alguns que falam de biologia, como um sobre a introdução de cobras nos EUA, mas como sou formado em fisica fico mais a vontade para falar sobre isso. Esse ultimo post foi escrito por um amigo meu biólogo, como disse no começo. abraço
setembro 20, 2012 às 11:51 pm |
Tive um excelente professor na década de sessenta que introduziu minha turma nestes conhecimentos.. Naturalmente agora os tenho de forma mais complexa graças a vossa ajuda. Também através dela pude ler o texto integral de Carta Capital-The Economist. Fico-lhe imensamente grato pela oportunidade.
setembro 21, 2012 às 7:42 pm |
Oi Chalom, obrigado pelo comentário, transmitirei o recado ao José Manoel. abraço
outubro 11, 2012 às 9:11 pm |
Chalom, muito obrigado pelos comentários, abraço