Colar na prova?

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calvin ética

Hoje estou ganhando o “dinheiro fácil mais chato do mundo”, como dizem alguns professores: Tomar conta de prova. Ficamos literalmente sem fazer nada por horas e horas. Claro que há uma tarefa: vigiar. Vigiar os alunos para inibir a tentativa de cola.

Diferentemente de um policial ou de um segurança profissional, cuja missão (vigiar) está ligada diretamente com sua profissão e cujo ato pode garantir a sobrevivência dele ou de outra pessoa, para um professor, vigiar é uma parte muito pequena de seu trabalho e para a qual temos muito pouco prazer em realizar.

Essa incumbência é tão chata que infelizmente alguns professores acabam comprometendo seu trabalho, ou pior ainda, de seus colegas, ao serem permissivos demais nessa hora, fazendo “vista grossa” ao ato da cola. Assim como é de nossa responsabilidade preparar e corrigir avaliações, cuidar para que as mesmas sejam executadas seriamente, também faz parte de nossa incumbência.

Mas por que os alunos colam?

Não sou especialista no assunto, longe disso. Mas durante a atividade de hoje aproveitei as “horas livres” e fiquei pensando nisso.

Colar pode ser um ato de transgressão, de rebeldia, de mostrar descontentamento com essa obrigação que é o ensino formal (atualmente, no Brasil, são obrigatórios nove anos de ensino básico e a partir de 2016 aumentará para quatorze anos).

Colar pode ser uma forma de abreviar ou facilitar a obtenção de um diploma, não importando se o aprendizado ocorreu ou não.

Colar pode ser resultado do medo de ir mal, de demonstrar que não se preparou suficientemente, medo de decepcionar  alguém que apostava na sua capacidade.

Colar pode ser uma tentativa de se dar bem, de pular etapas árduas, ou um ato de desespero porque não teve tempo suficiente.

Colar ainda pode ser um ato feito sem pensar, um hábito desenvolvido dentro de um sistema, e como tantos outros, repetido sem reflexão.

Vamos então tentar refletir um pouco sobre ele:

A quem estamos enganando ao colar? Quem é o maior prejudicado? (Estou assumindo que se colar é proibido, deve haver um prejuízo nesse ato).

Uma sociedade que acredita na escola, que acredita na importância da educação, sabe que a avaliação é um processo necessário dentro de tantos outros. Sim, eu sei que não existe avaliação perfeita, que prova não mede conhecimento, mas ela faz parte do processo. Como seres humanos somos quase sempre seduzidos pela lei do mínimo esforço. Precisamos de cobrança, precisamos de um tutor, principalmente quando somos jovens.

A avaliação é um momento de teste, é a checagem de você para com você mesmo. É também momento de comparação com outros da mesma faixa de aprendizado. A avaliação também analisa o trabalho do próprio professor e da instituição a que ele serve.

Quantas vezes achamos que estamos preparados para determinada coisa e só percebemos quando somos colocados à prova? Quantas vezes achamos que somos melhores do que realmente somos? O contrário também acontece: Diminuímo-nos achando que não aprendemos nada e somos surpreendidos nos percebendo capazes de cumprir a tarefa que nos foi posta.

Fraudar uma avaliação consiste em corromper o sistema de educação. É se enganar. Não permitir ser avaliado, é como se recusar a ser educado.

Imagine um atleta que, para superar sua marca, alterasse a marcação do cronômetro (o exemplo parece bobo, mas a discussão pode ir longe se pensarmos no doping e tudo que envolve o mundo do esporte hoje).

Talvez você ache que o caso do atleta não seja uma boa comparação, não faz sentido alguém se iludir alterando o cronômetro, pois na hora da prova real ele não terá como fazer isso. Além disso, o atleta escolheu participar desse processo, seu treino é isolado. Já o ensino é algo coletivo e os alunos não tiveram muita escolha.

Mas se acreditamos na educação, ou no curso universitário que escolhemos, colar é sim uma forma de se iludir tanto quanto a do atleta (não aceito a desculpa: só colo porque sei que isso não é importante. O aluno não tem como saber a priori o que realmente é, ou será, significativo para ele).

Talvez devêssemos pensar melhor nesse ato que parece bobo, mas que não é.

“Quem não cola não sai da escola”

A cola muitas vezes é enaltecida e até incentivada, como nos mostra o viés dessa matéria, publicada no jornal Gazeta do Povo: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-universidade/conteudo.phtml?id=1304510&tit=Quem-cola-nao-sai-da-escola (acesso em 18/08/2013)

Deveríamos mudar essa cultura. Colar deveria ser um ato para se ter vergonha, não orgulho.

Da mesma forma que um atleta não precisa de um juiz quando treina, uma classe, ao ser avaliada, não deveria precisar sempre de um fiscal (sim, eu sei que há várias formas de se avaliar e que em muitas delas não há um fiscal, mas dificilmente uma prova escrita é feita sem ele).

Depois desse texto todo imagino que alguns gostariam de me perguntar: você nunca colou?

Não. Nunca colei. Não porque tivesse noção do que acabei de escrever. Não colava por uma questão de ser orgulhoso mesmo. Eu nunca fui muito bom no futebol, nem nos outros esportes da educação física, não estava entre os “mais populares” da escola. Mas eu gostava de estudar. Tirar boas notas era uma questão de honra para mim mesmo. Colar seria como trapacear em um jogo (truco não conta né?). A maior prova de que eu não tinha noção do que acabei de escrever é que eu passava cola, o que não é diferente de colar. Mas eu não tinha noção de nada disso. Sabia que colar era proibido, como todos sabem, mas não sabia que não colar é um valor, uma virtude.

Devemos começar com os pequenos, deixar claro para eles que a avalição não é uma punição, que eles não precisam criar mecanismos para fugir dela.

Claro que esta não é uma questão isolada, há vários valores que se perderam ou que mudaram profundamente. Uma sociedade que passa a valorizar o indivíduo acima do coletivo, que cultua o sucesso a qualquer preço não condenará o ato da cola. É isso que queremos?

PS.: Esse post iria se chamar “Colar ou não colar, eis a questão”, mas descobri que essa frase já foi muito usada e resolvi mudar. Durante o processo,  no entanto, acabei achando a tirinha do Calvin (usada no começo do post) no site : “NOVA ACRÓPOLE CUIABÁ. Filosofia que liberta, Cultura que aperfeiçoa, Voluntariado que une” disponível em :

http://novaacropolecuiaba.blogspot.com.br/2013/07/bom-dia-esse-calvin-sempre-nos-faz.html (acesso em 18/08/2013)

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4 Respostas to “Colar na prova?”

  1. blogs oswald Says:

    Jacó, adorei o post, e adoro essa discussão – renderá horas de conversa. Abração.

    Adriano.

  2. Willian Says:

    Gostei do texto e concordo com ele. Acho que a cola é apenas uma ponta dum iceberg, fico me perguntando como estaremos daqui uns dez anos e como estes profissionais que estão se formando apoiados por estas práticas (e na Unip há muitos) irão atuar no mercado de trabalho ou criar seus filhos.
    Como aluno acompanho isso de perto: no meu grupo de estudo habitual, uns 10 alunos, mais da metade utiliza ou tenta utilizar algum tipo de cola.

    • blogs oswald Says:

      Valeu Willian, estava (e ainda estou) preocupado com os poucos comentários que esse post gerou, esperava muito mais, não necessariamente que concordassem, mas esperava mais…sua participação foi importante. obrigado. abraço

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