
O noticiário já diminuiu bastante o tempo destinado a cobrir a tragédia causada pelas chuvas no Rio de Janeiro. Agora vez ou outra aparece uma chamada contabilizando o número de mortos e desaparecidos, até hoje foram 872 mortos e 294 desaparecidos (http://www.band.com.br/jornalismo/cidades/conteudo.asp? ID=100000396052). O país todo se comoveu e durante semanas era o assunto nas rodas de conversa. Uma mobilização importante aconteceu para minimizar o sofrimento daqueles que perderam suas casas, como sempre acontece nesses casos.
A solidariedade, quando uma tragédia dessa proporção acontece, é comum em nós seres humanos. Comovemo-nos, mas também nos indignamos com as autoridades que não impediram o ocorrido, com a ação humana sobre a natureza, com a mídia que explora o ocorrido e alguns ficam indignados até com as próprias vitimas, como se elas estivessem desafiando o perigo por vontade própria.
Talvez a psicologia possa explicar o porquê de tragédias como essa, mexerem tanto com nossas emoções. Não pode ser pelo número de mortos, pois outros tipos de acidentes matam muito mais gente, os acidentes de trânsito, por exemplo.
A revista Scientific American Brasil deste mês traz uma matéria importante sobre saúde pública. Brianna Rego, uma pesquisadora da Guatemala, acusa a indústria do tabaco de não se importar em remover elementos radioativos contidos na fumaça do cigarro.
Segundo a pesquisa, a mais de 50 anos a indústria do tabaco sabe da presença do polônio (elemento altamente radioativo, ver texto logo abaixo) e investiu em pesquisa para tentar retirá-lo. Essas pesquisas, feitas pelos cientistas da indústria tabagista, nunca foram publicadas, mas na década de 90, devido a vários processos provocados por 46 estados americanos, a indústria tabagista teve que admitir que o fumo é perigoso para a saúde e que causa dependência. Isso resultou na liberação de milhões de documentos internos.
A contaminação pelo polônio-210 ocorre de duas formas diferentes: O urânio, elemento naturalmente radioativo está presente normalmente em areias e terras do meio ambiente, mas sua concentração é maior em rochas de fosfatos, usadas na produção de fertilizantes. Ao se desintegrar ele se transforma em outro elemento químico também radioativo, e esse em outro sucessivamente até que se torne um elemento estável, é o que chamamos de família radioativa, no caso do urânio o ultimo elemento da família é o chumbo. Um desses elementos da família é o gás, radônio, número atômico 222, esse gás se deposita nas folhas da planta do tabaco e parte é depositada no chão. O radônio se transforma em chumbo-210 (que não é o chumbo estável, esse possui massa atômica 207 e não 210) e depois é convertido em polônio-210. Temos então duas vias de contaminação, pelas folhas e pelas raízes da planta.
O polônio-210 é um emissor de partículas alfa, que é uma partícula ionizante, isto é, provoca ionizações quebrando a molécula de água produzindo radicais livres, além de provocarem alterações no DNA das células, que pode levar à morte celular ou mutações.
Na ficção, as mutações são as responsáveis por produzir super heróis como, o quarteto fantástico, X-man e as tartarugas ninjas. Mas na vida real essas mutações são geralmente tumores malignos.

Quarteto fantástico - Supor poderes adquiridos após exposição à radiação
A fumaça do cigarro contém, além do polônio-210, várias substâncias carcinogênicas, como o mitroso nornicotina, monóxido de carbono, acroleína, benzeno, tolueno, cresol, fenol, cloreto de vinila, benzoantraceno, benzopireno, etc. Essas substâncias foram detectadas no tabaco através de análises químicas conduzidas pelos pesquisadores Hoffmann e Brunnemann, em 1976/77.
Apesar do polônio-210 não ser o principal carcinógeno (elemento que pode provocar câncer) presente na fumaça do cigarro, Brianna Rego afirma que milhares de mortes poderiam ser evitadas com sua eliminação. Só no Brasil as mortes por tabagismo somam 552 vítimas por dia.
O revoltante é que há muito tempo as indústrias do fumo sabem como eliminar o polônio-210 da fumaça do cigarro, vejam um trecho da matéria de Brianna:
“Em 1975, o cientista do FDA T.C. Tso estimou que entre 30% e 50% do polônio poderia ser facilmente removido do fertilizante e que a lavagem eliminaria mais 25%. Adicionando-se a isso os efeitos de um filtro, o polônio do tabaco poderia ter sido quase completamente eliminado. Mas, como dizia um memorando de R. J. Reynolds, “a remoção desses materiais não traria vantagens comerciais””.
Fiquei muito tempo pensando em como terminar esse post, mas resolvi deixar para vocês os comentários sobre esse memorando. Quero apenas fazer um comentário sobre outra coisa, leis que proíbem o fumo em locais fechados como a que está vigorando em São Paulo diminuem a exposição dos não fumantes a fumaça do cigarro, beneficiando, principalmente às pessoas que trabalham nesses ambientes. Mas durante décadas a sociedade foi exposta a uma propaganda maciça, que incentivava as pessoas a fumarem. Durante décadas as indústrias tabagistas lucraram horrores e esconderam dados importantes sobre os males do cigarro, negando-se até mesmo a diminuir sua periculosidade por não trazer vantagens comerciais, e agora o governo tenta resolver o problema colocando os fumantes para fora dos ambientes? É muita hipocrisia. Porque não obrigar as indústrias a procurarem uma forma de minimizar o problema? Porque não responsabilizá-las pelo tratamento dos que adquiriram doenças provocadas pelo cigarro? É sempre mais fácil agir sobre o indivíduo né?
Bibliografia:
Rego, Brianna – Fumaça radioativa – Scientific American Brasil – Número 9, ano 105 – fevereiro 2011 – páginas 34 a 37
RADIOATIVIDADE

Simbolo de emissão radioativa
Chamamos de radiação toda emissão de partículas ou ondas, seja ela luz visível, ondas de rádio, raios-X, microondas ou som. Radioatividade é a emissão de radiação oriunda do núcleo de um átomo, portanto o raio-X não é uma emissão radioativa, apesar de ser uma radiação de alta energia e, portanto ionizante.
A radioatividade natural pode ser de três tipos:

emissões radioativas - a radiação gama não é desviada por campo elétrico, pois não possui carga elétrica
Radiação alfa: formada por partículas que possuem dois prótons e dois nêutrons, portanto possui carga elétrica positiva (o que aumenta a chance de provocar ionização). Como tem uma massa grande, em relação às outras radiações, é extremamente energética (muito prejudicial se absorvida pelo organismo), mas ao mesmo tempo, tem pouca penetração na matéria, sendo barrada por alguns metros de ar, ou por uma folha de papel.
Radiação beta: formada por uma partícula que possui a mesma massa e a mesma carga elétrica do elétron. É menos energética que a alfa, mas por ser extremamente leve em relação a ela, tem maior poder de penetração. Provoca ionização por onde passa e é mais difícil de barrar do que a partícula alfa.
Radiação gama: não é formada por partícula material, trata-se de radiação eletromagnética da mesma natureza da luz, mas sua freqüência é bem maior e com isso é muito mais energética do que ela. Apesar de não possuir carga elétrica, sua energia é suficiente para provocar ionização. Por não ter massa, como a partícula alfa, é normalmente menos energética que ela, mas seu poder de penetração é enorme, por isso é considerada a mais perigosa das três.
O polônio-210, assim como o urânio e o rádio, é um emissor de partículas alfa. Mas o rádio é milhares de vezes mais ativo que o urânio (emite muito mais partícula) e o polônio muito mais ativo que o rádio. Um miligrama de polônio emite o equivalente a 5 gramas de rádio.
Apesar de a partícula alfa ter baixa penetração, elementos que emitem alfa são muito perigosos se forem inalados, pois nesse caso a absorção é imediata (praticamente não há absorção no ar). Como a fumaça do cigarro é inalada pelo fumante o estrago está feito.

partícula alfa - formada por dois prótons e dois nêutrons (núcleo do hélio)