Na primeira parte deste post procurei focar minha opinião com respeito a viagem no tempo e seus paradoxos abordando-os através do olhar da Física. No entanto não forneci minha opinião sobre o que eu acho da série.
Nessa segunda parte procurarei fazer uma crítica da série mas deixando claro de que se trata de uma opinião pessoal e relembrando que não tenho competência na área artística, nem muito menos no que se refere ao cinema e a TV. Trata-se apenas de considerações pessoais de um apaixonado por ficção científica e procurei fazer isso antes de ler os diversos sites que “explicam” ou comentam sobre a série, dessa forma espero não estar muito contaminado.
Quando comecei a assistir à primeira temporada não me empolguei muito com Dark. Isso porque quando assisto a uma série gosto de ter pelo menos um(a) personagem com o qual eu me identifique, aquele(a) por quem você vai torcer ou sentir que ele(a) poderia “ser seu(sua) amigo(a)”. Não senti que Dark tenha isso, talvez nos episódios finais da terceira temporada apenas.
Também não é uma série muito dinâmica, cheia de ações e emoções, ao contrário trata-se de uma série, como o próprio nome já sugere, sombria e até meio depressiva. Que passa em um ritmo um pouco mais lento do que as séries de aventura ou ficção científica costumam ser.
Mas evidentemente que a série é intrigante e não se torna cansativa, apesar de dar um pouco de sono por conta da fotografia escura, mas que tem a ver com o clima de mistério que se pretende. Além da fotografia escura não podemos esquecer da chuva quase incessante ao longo de todas temporadas, motivo até de comentários engraçados como esse feito na foto de Louis Hofmann no Instagran de Netflix (e respondido por eles).
Para quem como eu está tão acostumado com o padrão hollywoodiano é muito bom ver uma série alemã. Claro que o fato da produção ser da Netflix, uma companhia americana, talvez invalide esse meu apontamento. Ainda assim só a questão da língua já traz uma boa novidade e o fato dos criadores, da série Jantje Friese e Baran bo Odar serem alemães ( Baran nasceu na Suíça, mas tem nacionalidade alemã) também é um argumento a favor desse ritmo um pouco diferente.
Dark é muito bem construída para ser uma série de sucesso. Não é apenas a riqueza da sua complexidade e trama difícil. Isso alias poderia afugentar o grande público. O mero fato de ter suspense e ficção científica e abordar viagens no tempo não é suficiente para prender a atenção. Esse tema está sendo amplamente usado em diferentes obras e muitas vezes é um desastre.
Percebe-se o cuidado com o qual ela foi realizada desde a abertura (cujo entendimento ficará melhor explicado após a terceira temporada) e cuja música é primorosa (me lembra o tema de abertura da série Vikings): “Goodbye”, do projeto Apparat do músico alemão Sascha Ring com participação do Soap & Skin. A trilha sonora é bem cuidada e a sonoplastia para causar suspense me lembra bastante outra série de enorme sucesso: Lost, transmitida de 2004 a 2010 produzida pela ABC Studios e transmitida pela Walt Disney Studios.
Podemos fazer outras comparações de Dark e Lost, pois ambas souberam prender a atenção do público introduzindo um mistério atrás do outro antes de começar a solucioná-los. E aí está um ponto a favor de Dark em relação a Lost. A antiga série que se passa em uma ilha misteriosa deixou a desejar por prometer e não solucionar a maioria dos mistérios, enquanto que em Dark não há exatamente um mistério mas sim uma trama muito bem feita a partir do entrelaçamento das árvores genealógicas. Lost também usa vários conceitos de Física, inclusive viagens no tempo e foi mestre em abusar do recurso de retrospectivas pessoais, através dos flashbacks, flashforwards e flash-sideways. Dessa forma além da história que se desenvolvia na ilha, histórias paralelas surgiam no passado (ou no futuro) dos personagens.
Dark usa a mesma estratégia, mas as histórias não são exatamente paralelas, são intrincadas histórias de vida de seus personagens que se cruzam e se misturam. Passado, presente e futuro estão interconectados não apenas com seus personagens mas também com os objetos e a história da própria cidade onde eles vivem. Estamos acostumados a ver o passado influenciando o futuro, mas em Dark o futuro interfere no presente e até no passado como em um conto de Jorge Luis Borges, escritor argentino mestre em brincar com o tempo e com o infinito.
Confesso que estava com medo dos criadores de Dark se perderem no enredo como acho que aconteceu com os criadores de Lost. É muito grande o número de fãs da antiga série que diz que ela deveria ter terminado na quinta temporada, como estava previsto, mas uma sexta foi acrescentada e jogou um banho de água fria em toda excelente criação anterior.
Felizmente Dark não cometeu o mesmo erro, Jantje Friese e Baran bo Odar não se deixaram levar pela ganância e anunciaram que a série acaba mesmo em três temporadas. Uma continuação após a terceira me parece despropositada já que a história toda fez muito sentido no último episódio (se é que posso falar isso sobre uma história tão complexa).
Interestelar não faz uma trama tão intrincada como Dark, nem brinca com os parentescos dos personagens, mas assim como em Dark, ouvi muita gente falando: “Não entendi nada”, “Por que o personagem está mais novo que sua mãe?”, “O que é aquele cubo?” etc. Mas não acho possível comparar essas duas obras. Interestelar é um filme de 2 horas e 49 minutos e não uma série de 3 temporadas. Além disso Interestelar passou pela consultoria do físico teórico Kip Thorne, premio Nobel em 2017, sendo portanto uma obra de ficção científica que tem como pano de fundo exóticas, mas precisas hipóteses científicas, e que conta com um excelente enredo dos irmãos Jonathan e Christopher Nolan, com direção de Christopher, já consagrado por outros grandes sucessos como: Memento (2000) (Aminésia); Insônia (2002); Batman Begins (2005); O grande truque(2006); Batman The Dark Knight (2006); A origem (2010), etc.
Em Dark ouvimos o narrador falar sobre algumas teorias Físicas e conceitos como a Relatividade de Einstein, entrelaçamento quântico, gato de Schorodinger, Teoria dos muitos mundos. Mas a série usa esses conceitos de forma livre, sem muito compromisso com a fidelidade científica. Matéria escura, bóson de Higgs, radioatividade são mencionados totalmente fora do contexto físico, uma espécie de “licença poética”.
Já interestelar abusa da ficção apresentando tecnologias que não existem, como a criogenia de seres humanos, naves espaciais supertecnológicas e a manipulação da gravidade, mas isso tudo está baseado em hipóteses científicas que já existem ou que possam vir a existir algum dia.
Comparações a parte, Dark conquistou minha admiração. Meu interesse pela série foi aumentando a cada temporada e mesmo não sendo uma das mais querida considero uma grande obra de ficção científica e uma excelente trama, que dá um nó em nossas cabaças.
Caso você queira entender melhor a complicada árvore genealógica de Dark consulte o site: https://dark.netflix.io/pt . Ele permite que você diga em que episódio está para não receber spoilers.
Na parte 3 deste post pretendo falar mais um pouco sobre conceitos físicos já que na terceira temporada novos conceitos surgiram. Aguardo os comentários e dúvidas..
O programa de Física exigido pelos vestibulares das principais universidades públicas do país é insano. Para dar um exemplo a Fuvest em 2020 exige 59 tópicos distribuídos em 13 diferentes áreas da Física. Apesar de tanta exigência temas como Abordagens conceituais da Teoria da Relatividade e discussões sobre a natureza do tempo não fazem parte do programa. É fácil entender porque a maioria dos colégios particulares não incluem esses temas tão importantes e intrigantes, infelizmente se deixam levar pelas exigências dos vestibulares. Fica a critério dos professores de Física abrirem em suas aulas algum momento para que essas discussões, que sempre motivam a maioria dos alunos, sejam abordadas.
Do meu ponto de vista há uma inversão de valores. O atual BNCC (Base Nacional Comum Curricular) permite, e mesmo o anterior PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) também permitia, a inclusão dos temas referentes a Física Moderna como a discussão sobre a natureza do tempo. Mas as escolas preferem seguir a exigência do vestibular quando deveria ser o contrário, os vestibulares é que deveriam cobrar o que as escolas estão trabalhando.
Felizmente trabalho há mais de 20 anos em uma escola que permite essa abordagem, como parte do programa e não apenas em algumas aulas. Faço isso em uma disciplina eletiva e até mesmo no Plano de Ensino do Curso de Física. No último trimestre do 3 ano do ensino médio discutimos as mudanças conceituais trazidas pela Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica. Como a discussão é feita apenas de forma conceitual, sem a matemática envolvida nessas novas teorias, faço uso de vários textos, livros, filmes e séries.
E foi através de um aluno do ensino médio em 2018 (o querido Mathias) que fiquei conhecendo a série alemã: Dark criada por Baran bo Odar e Jantje Friese e transmitida pela Netflix. Assisti à primeira temporada em 2018 e tive que rever em 2019 antes de assistir à segunda temporada pois não me lembrava perfeitamente da trama e principalmente devido às complexas árvores genealógicas (a série me fez lembrar do livro: Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez, eu ficava perdido na árvore genealógica pois há vários Antônios em uma mesma família). A Wikipédia classifica Dark como uma série de drama, suspense e ficção científica, classificação essa que não quer dizer muita coisa.
Vou dividir esse post em mais de uma parte pois ainda não acabei de assistir à terceira temporada (por favor não dê spoilers nos comentários), peço então um pouco de paciência por isso, mas tem muita coisa a ser dita sobre a série não apenas sobre os conceitos físicos, mas também a relação com outras séries e filmes, como Lost, Interestelar, De volta para o futuro, Donnie Darko, etc. Vou começar pelas questões físicas da viagem no tempo, mas depois quero falar sobre os paralelos com essas obras.
Não vou me atrever a comentar os detalhes cinematográficos da série pois não tenho competência para isso e nem quero fazer julgamento de valor do ponto de vista científico (isso está errado, isto está certo) pois acredito que isso não se aplica a nenhuma obra artística. Acho incrível quando temas da Ciência e principalmente da Física são usados para obras artísticas, mas isso não quer dizer que elas tenham que ser exatas, servem geralmente como inspiração.
Há casos onde especialistas são chamados para uma consultoria ou até mesmo auxiliam na construção do roteiro. Nesse caso deseja-se uma maior fidelidade com os conceitos para que um maior realismo seja conseguido, mas não podemos esquecer que se trata de uma obra de ficção, e do meu ponto de vista a criatividade deve estar acima da exatidão, afinal de contas “o que é a Realidade?” , isso já dá uma boa discussão filosófica.
Minha intenção aqui é bater um papo com quem está acompanhando a série e aproveitar para falar um pouco sobre como a Física enxerga algumas questões apresentadas na série e mostrar como algumas coisas que aparentemente consideramos chatas quando estudamos na escola, podem ser incríveis ao serem vistas de outra forma.
Viagem no tempo
Diferente de muitas histórias onde ocorrem viagens no tempo para se mudar alguma coisa do passado ou para se saber algo do futuro, a história de Dark é toda construída sobre os laços temporais e as consequências de se viver em uma linha de mundo em looping.
A Teoria da Relatividade Restrita que Albert Einstein publicou em 1905 já deixa claro que o tempo não passa igual para todo mundo. Observadores que estão em diferentes referenciais sentirão diferentemente a passagem do tempo. Mas para que a percepção seja significativa, seria necessário que um dos observadores estivesse viajando a velocidades ainda inimagináveis para corpos do tamanho do nosso. Algo em torno de 10% da velocidade da luz no vácuo (cerca de 30 mil km/s ou 108.000.000 km/h). Além disso trata-se de uma viagem apenas para o futuro, sem a possibilidade de ir ao passado, seria como se alguém que está em altíssima velocidade ficasse quase congelado, o tempo passa devagar se comparado com alguém que está em repouso na Terra.
Mas em 1916 Einstein publica a Teoria da Relatividade Geral. Essa teoria consegue incorporar a gravidade em seu escopo e com isso generaliza as alterações no espaço-tempo. Assim estar próximos de corpos extremamente massivos (como buracos negros) também provoca uma redução no ritmo de passagem do tempo. Além disso a teoria permite, ainda que seja apenas matematicamente, a existência de uma espécie de portais para outras posições no espaço e também no tempo, os chamados vulgarmente de buracos de minhoca (wormhole) ou mais tecnicamente: ponte Einstein-Rosen. Não sabemos ainda se esses buracos no tecido do espaço-tempo são reais ou apenas especulações matemáticas, mas os buracos negros também eram apenas especulações e hoje sabemos que eles são objetos cósmicos reais.
Supondo que a ponte Einstein-Rosen exista e que ela permita a passagem de um ser humano (o que é mais uma especulação matemática) este poderia, em princípio, viajar ao futuro ou ao passado.
Alguns físicos argumentam que a viagem ao passado é proibida pela Segunda Lei da Termodinâmica. Essa lei pode ser enunciada de várias formas diferentes e envolve conceitos não muito simples como a Entropia. Mas falando de forma grosseira podemos dizer que é essa lei que apresenta a seta temporal, isto é, uma direção e um sentido para o tempo.
As Leis da Mecânica são perfeitamente reversíveis no tempo, elas exigem que exista um tempo pois sem ele não haveria sentido falar em movimento, mas para a Mecânica o tempo pode ir para frente ou para trás. A equação que descreve o movimento de um pêndulo é a mesma quando ele desce e quando ele sobe. Já na Termodinâmica não é assim, um sistema termodinâmico evolui num único sentido temporal: você está acostumado a ver uma xícara de chá quente esfriar naturalmente. Mas não vê um copo de água fria repentinamente ferver sem uma fonte de calor. A Segunda lei da Termodinâmica proíbe essa transformação afirmando: “O calor sempre vai, de forma natural, dos corpos quentes para os corpos frios”. ou “É proibido que o calor saia de uma fonte fria e vá para uma fonte quente sem a injeção de energia”.
Assim poderíamos dizer que a Segunda Lei da Termodinâmica proíbe a viagem ao passado?
O grande físico austríaco Boltzmann fez uma abordagem diferente da Termodinâmica, introduzindo a Mecânica Estatística. Após essa nova interpretação não podemos mais dizer que é proibido que tal evento ocorra, mas sim que é extramente improvável.
Podemos então afirmar que as viagens ao passado são extremamente improváveis e que exigiria uma quantidade de energia absurda para acontecer, mas afirmar que elas são impossíveis talvez seja um erro.
Paradoxos
O problema de se viajar ao passado são os paradoxos que podem surgir se alguma alteração for feita. Um dos mais famosos é o paradoxo ontológico ou paradoxo “bootstrap”, em que alguma coisa existe sem ter sido efetivamente construído (efeito sem uma causa). Outro também famoso é o paradoxo do avô, em que você viaja ao passado e de alguma forma impede que seus pais se conheçam e dessa forma impede seu próprio nascimento (não há necessidade de matar o seu avô, mas é isso que dá nome ao paradoxo).
Na Ciência um paradoxo é geralmente sinal de que algo na teoria está errado, por isso a Ciência evita os paradoxos, ou tenta solucioná-los quando eles surgem.
A Física teórica geralmente usa duas formas diferentes de solução para evitar os paradoxos da viagem ao passado:
Negar o paradoxo através da extinção do livre arbítrio;
Usar uma possível interpretação da mecânica quântica chamada: interpretação dos muitos mundos.
Igor Novikov no excelente artigo: “Pode-se mudar o passado?” Publicado no livro: “O futuro do espaço tempo” (Cia das Letras, página 60) explica de forma brilhante que enxergar um paradoxo é na verdade um erro de lógica. Ele argumenta que o paradoxo só existe se a situação for discutida duas vezes, de duas maneiras diferentes. Na primeira sem a viagem ao passado e na segunda com a viagem que ocasiona uma mudança do primeiro evento. Por exemplo: seus pais se conheceram e depois você nasceu. Ao viajar ao passado e impedir esse encontro você não teria nascido, resultado: criamos um paradoxo pois como você pode ter nascido se seus pais não te conceberam?
Mas do ponto de vista de Novikov você pode até voltar ao passado mas não teria como impedir o encontro deles, pois o fato: “você ter nascido” já ocorreu, ainda que seja no futuro e ter ido ao passado não é uma “volta” porque você já estaria no passado desde a primeira vez, mesmo sem ter nascido ainda. Difícil de entender? Sim bastante, mas essa dificuldade é devida à complexidade das vontades humanas ao livre-arbítrio.
Vamos tentar com um exemplo mais fácil, sem a interação de um ser pensante: imagine que um cometa do futuro tenha entrado em um buraco de minhoca e aparecido no passado no planeta Terra e levado os dinossauros à extinção. Agora imagine que nesse ano a NASA nos dê uma terrível notícia: um cometa gigante está em rota de colisão com a Terra (nossa! Já não bastasse essa terrível pandemia). Quando todos já estavam desesperados com o fim do mundo o cometa misteriosamente desaparece. A NASA e outras agências espaciais então detectam estranhas perturbações gravitacionais, indicando a presença de um possível buraco de minhoca ou buraco negro.
Nesse segundo exemplo não há paradoxo, pois a extinção dos dinossauros já aconteceu desde a primeira vez. Por mais difícil que seja aceitar essa visão ela não comete erros de lógica. Mas ela exige duas premissas que fogem do nosso censo comum: A não linearidade do tempo, isto é, o passado não ocorre antes do presente e do futuro. Segundo a física moderna, passado, presente e futuro podem estar acontecendo simultaneamente. Por isso você não surgiu no encontro de seus pais necessariamente antes de ter nascido ( no primeiro exemplo). A segunda premissa é a negação da existência do livre arbítrio: Como o futuro já está acontecendo junto com o presente e também com o passado, as escolhas são meras ilusões.
Outra saída para evitar o paradoxo da alteração do passado consiste em uma hipótese ainda mais difícil de ser aceita: A possibilidade da existência de outros mundos (uma espécie de multiversos, ou universos paralelos, mas esses nomes são usados para outras hipóteses físicas).
Em 1957 Hugh Everett III em sua tese de doutorado defende a IMM Interpretação de muitos mundos para a Física Quântica o que significa dizer , ainda que de uma forma sem muito rigor matemático, que para cada possibilidade de escolha que ocorre no universo, todas as possibilidades são verificadas, mas em diferentes mundos. Por exemplo: Um átomo de urânio é radioativo e se desintegrará emitindo uma partícula alfa e se transformando no elemento químico chamado tório. Na interpretação mais aceita da mecânica quântica (Interpretação de Copenhague) afirmasse que não é possível saber quando ocorrerá essa desintegração, podemos apenas calcular a probabilidade dela acontecer ou não. É por isso que trabalhamos com o conceito de meia vida para os elementos radioativos. Na interpretação de muitos mundos poderíamos afirmar que se em cada instante há 50% de chance do átomo desintegrar ou não, então ele estará desintegrando a todo instante porém em algum outro mundo.
Outro exemplo mais clássico é o lançamento de uma moeda. Se jogarmos uma moeda para cima e ao apanharmos ela deu cara, isso significa que um outro mundo idêntico ao nosso foi criado e nesse mundo o resultado foi coroa. Caso tivéssemos jogado um dado, seis novos mundos idênticos teriam sido criados.
Ao retornar ao passado, podemos alterar algum evento, mas um paradoxo não será criado porque essa volta ao passado ocorrerá em um outro mundo. No exemplo de impedir o encontro dos pais sua versão existirá, mas o evento que te deu origem não ocorrerá pois você não nascerá, já que nasceu em outro mundo e não poderá mais voltar a ele.
Dark e os paradoxos
Alerta de Spoiler 1: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos até o episódio 7 da primeira temporada.
Uma das coisas que mais gostei em Dark é o fato deles evitarem o paradoxo do avô através da negação do livre arbítrio. Não há paradoxo porque o desaparecimento de Mikkel Nielsen no ano de 2019 o leva para 1986 e lá ele cresce como Michael Kahnwald que então conhece Hannah e com ela se casa. Eles então tem um filho Jonas, que em 2019 é bem mais velho do que Mikkel (seu futuro pai). Não houve uma alteração do passado, Mikkel não impediu que Michael conhecesse Hannah, ele é o próprio Michael, eles são a mesma pessoa.
Alerta de Spoiler 2: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos a primeira e segunda temporada.
O tempo todo o paradoxo do avô é evitado através da primeira possibilidade explicada acima, as viagens no tempo geram um looping nas linhas de tempo.
Mas no último episódio da segunda temporada a série faz uso da segunda versão da fuga do paradoxo, usa-se a Interpretação dos muitos mundos. Uma outra Martha surge e ela deixa claro que não é a Martha “deles”: quando Jonas pergunta de que ano ela veio ela responde, não é “de quando”, mas “de onde”.
Já no início da terceira temporada Martha (que agora tem o cabelo mais escuro) deixa claro que veio de outro mundo.
Como parei no segundo episódio da terceira temporada vou parar por aqui as análises físicas e começar a falar sobre o que eu acho da série a partir de comparações com outras séries, mas isso em outro post pois esse já ficou muito longo.
Observações chatas:
Como disse antes não gosto de apontar falhas científicas ou “erros” conceituais em obras artísticas pois não há nenhuma obrigação de fidelidade, mas apenas para tentar evitar esse tipo de comentário e por uma necessidade didática (para que alunos não tenham uma compreensão errada de algumas coisas) vão algumas observações:
O bóson de Higgs (ou partícula de Deus como foi chamada por motivos comerciais pela mídia) não tem nada a ver com viagem no tempo, ele está relacionado com o campo de Higgs, que seria o responsável pela massa dos corpos.
Ele também não pode ser detectado em reatores atômicos, mas sim em aceleradores de partículas. E não é qualquer acelerador, demorou-se mais de 40 anos para se construir um acelerador capaz de produzir essa partícula (o LHC).
O bóson de Higgs é uma partícula subatômica portanto ela é invisível a olho nú.
Em um determinado episódio um personagem está sofrendo uma autópsia e o legista afirma que há um excesso de radioatividade no corpo da pessoa, que talvez ela tenha sofrido uma exagerada exposição a raio-X. O raio X não é emissão radioativa (apesar de ser radiação ionizante) e uma pessoa que foi exposta a radioatividade não se torna radioativa. A emissão de radioatividade só aconteceria se ela se contaminar ingerindo ou encostando em material radiativo que então grude no corpo dela.
Leitores queridos, mil desculpas por deixar o blog tanto tempo parado. Nesse ano novidades acontecerão: Trarei convidados para me ajudarem a manter o blog mais ativo.
Resolvi abrir o ano falando sobre essa série, que não posso considerar como a melhor série de todos os tempos porque seria uma tremenda injustiça com Game of Thrones.
Por que falar sobre séries em um blog de ciência e tecnologia?
Porque o tema de Black Mirror é justamente um olhar crítico sobre a tecnologia. É uma série que pode ser vista com calma (não há aquele risco de “não consigo parar de ver”), cada episódio é independente um do outro. Nem mesmo os atores são os mesmos. A única coisa que liga um episódio ao outro é a questão da tecnologia um pouco avançada (em alguns episódios talvez bastante avançada). Apesar de ser de ficção científica a série não é ambientada em um futuro muito distante.
A distopia está presente em praticamente todos episódios. Mais do que uma crítica, é uma espécie de alarme: “olhe onde podemos chegar”, “estamos caminhando para isso?”
Black Mirror foi criada pela TV britânica Zeppotron em 2011, por Charllie Brooker, que lançou duas temporadas, cada uma com apenas três episódios e então foi adquirida pela Netflix que produziu a terceira temporada com seis episódios.
Apesar de estar situada um pouco no futuro, com avanços tecnológicos que hoje ainda não existem, os episódios acertam em cheio em questões bem atuais e nos dramas que nossa sociedade enfrenta: superexposição, necessidade de aceitação, banalização dos direitos humanos, invasão de privacidade, os reality shows e as redes sociais.
Pensei em contar um pouco sobre alguns episódios, mas é impossível descrever o sentimento que nos toma após o término de cada episódio. Talvez por isso seja uma série pra se ver devagar, pensando sobre o que acabamos de ver, e que nos perturbou tanto. Não é uma perturbação por ser violenta ou por causar medo do sobrenatural, é uma incômoda porque nos reconhecemos naquelas atitudes, ou porque percebamos que nossa sociedade está caminhando para aquilo, uma caminhada bem preocupante.
Não é preciso dizer como o celular causou impacto em nossa sociedade. A série explora a possibilidade de outras tecnologias (algumas que até já existem) impactarem ainda mais. Muito difícil terminar de ver um episódio e não desejar discutir com alguém sobre aquilo.
Fica o convite para que você assista e volte aqui e deixe seu comentário. Diga qual episódio gostou mais. Podemos falar também sobre o quão distante está aquela tecnologia.
O episódio que eu mais tinha gostado foi justamente o primeiro que assisti: Episódio 3 da primeira temporada: “The entire history of you”: Toda sua história. Vi fora da ordem, não há nenhuma necessidade de ver na ordem.
Mas após assistir à terceira temporada completa, meu preferido se tornou o episódio 6 desta última: “Hated in the Nation”: Odiados pela nação.
Se você gosta de um bom drama (não melodrama), gosta de tecnologia, ou não gosta de tecnologia. Então gostará de Black Mirror.
Há não muito tempo, ser um nerd, CDF, como se dizia, era sinônimo de ser um excluído socialmente, alguém não muito invejado e normalmente ridicularizado pelos “colegas” de escola.
Hoje a situação parece ter mudado, ou está mudando. Talvez pelo “sucesso profissional” de Bill Gates e Steve Jobs, ou porque se percebeu que os nerds costumam se “dar bem”, não sei. Só tenho certeza que não é por valorizar o conhecimento, o que em minha opinião seria o desejável.
A percepção dessa mudança surge do comportamento dos meus alunos e de filmes e seriados que assisto (não mencionarei filmes ou seriados de ficção cientifica, pelos motivos óbvios). Confiram comigo:
MacGyver – Profissão perigo: Este ainda é da década de 80, MacGyver era capaz de transformar um cactos numa antena parabólica transmissora e receptora de ondas de radio. Deter o vazamento de um galão enorme de ácido sulfúrico usando barras de chocolate, e muito mais. Quando comecei a fazer física ele era motivo de piada, pois os exageros eram medonhos. Mas ele era um diferencial numa época onde os mocinhos geralmente utilizavam os músculos ou artes marciais, MacGyver usava o cérebro.
Lost: Apesar de vários personagens carismáticos e todos muito importantes para a série, foi Jack (um médico) que a maioria dos sobreviventes do avião elegeu como líder.
Dexter: Um nerd de laboratório (perito policial, especialista em análise de sangue, não apenas na análise química, mas também em toda física do espalhamento, respingos, tipos etc) é o protagonista da série. Mesmo sendo um serial killer, Dexter nos cativa e torcemos por ele (a desculpa de que ele só mata outros assassinos não é uma boa justificativa).
Criminal Minds: Um bando de agentes do FBI, especialistas em comportamento humano, traça o perfil dos criminosos ajudando a polícia a capturá-los. Todos ali são nerds, mas o maior deles sem duvida é Reid, o cara é muito fera, verdadeira enciclopédia humana além de gênio em quase tudo. Portanto, um personagem de destaque.
Breaking Bad: Um professor de química é o protagonista dessa série. Pai de um filho adolescente deficiente e, com a casa hipotecada e ainda com a esposa grávida, descobre que está com câncer terminal e resolve ganhar muito dinheiro fabricando metanfetaminas.
The Big Bang Theory: o máximo da caricatura dos nerds. Quatro cientistas, três físicos e um engenheiro espacial convivendo com uma linda loura. Apesar dos exageros é muito inteligente e engraçado e pelo que vejo faz muito sucesso entre meus alunos.
Iron Man (Homem de ferro): O famoso herói é um dos mais carismáticos do gênero, talvez porque logo no primeiro filme já tira sua mascara e mostra a todos quem ele é (Tony Stark), um famoso milionário com Ph.D. em física e engenharia elétrica pelo MIT.
Homem aranha: É o típico nerd que sempre se dá mal, mas quando ganha seus super poderes consegue se tornar um herói bastante admirado pelas crianças (a maioria dos homens adultos não é muito fã do homem aranha).
Numb3rs: Mais uma série, nessa um matemático ajuda seu irmão, que é do FBI a resolver casos.
Fringe: Mais uma vez o FBI precisa da ajuda de um cientista que ajudá-los a desvendar os mistérios da série e é claro que o cientista acaba roubando a cena, ou melhor a série.
Com certeza a lista está incompleta, peço então a ajuda de vocês para aumentá-la.
Alguns dessa lista estão mais para anti-heróis do que para heróis, já que fazem contravenções, crimes, mas não acho que seja por isso que a visão do nerd está mudando. Talvez isso não passe de uma leve impressão minha. Talvez seja somente uma flutuação estatística e logo-logo a coisa volte ao que era antes. O que vocês acham? Por favor, nerds e não nerds manifestem-se
Em 1968 foi lançado o filme que no Brasil recebeu o nome de: O planeta dos macacos. Trata-se de um filme de ficção científica, baseado no romance de Pierre Boulle, La planète dês singes. Estrelado pelo famoso ator Charlton Heston e dirigido por Franklin J. Schaffner. O filme foi um grande sucesso, tanto que rendeu quatro sequências, mas nenhuma delas fez o mesmo sucesso do original. Além das sequências, foi criada uma série de TV nos anos 70. Em 2001 Tim Burton fez um remake do filme de 68, mas mudou alguns elementos.
O filme de 68 retrata a história de quatro tripulantes que partem da Terra em uma espaçonave que se move à velocidades próximas a da luz, para comprovar que nessa alta velocidade o tempo para eles vai passar mais devagar do que na Terra.
A espaçonave acaba caindo em um planeta desconhecido e somente três tripulantes sobrevivem. Eles acabam encontrando seres humanos que habitam esse planeta, mas os mesmo não falam. Comunicam-se através de sinais somente. Para surpresa dos cientistas da espaçonave a raça dominante do planeta são macacos, que montam cavalos, escravizam os humanos e falam (inglês, diga-se de passagem).
A cena final do filme tornou-se um marco na história do cinema, e para quem não assistiu eu vou contar nesse parágrafo, se não quiser saber pule essa parte. Trata-se de uma cena antológica e surpreendente. Pois o filme inverte várias proposições. Após serem capturados, os novos humanos são estudados pelos macacos, e esses acreditam que os macacos são descendentes dos homens. Ao descobrirem que os novos humanos defendem que em seu planeta ocorre o contrário, fica óbvio que esses humanos são caçados até a morte. No final do filme o único sobrevivente da espaçonave está fugindo (com uma bela morena muda, na garupa de seu cavalo) quando encontra, na praia, as ruínas da estátua da liberdade, conclusão: eles estavam na própria Terra o tempo todo. Como na época em que o filme foi lançado se vivia em plena guerra fria, o filme foi tratado como um aviso ao perigo de uma guerra nuclear, que poderia extinguir os humanos ou levar-nos a uma nova época das cavernas.
Lembro de ter assistido ao filme muito novo (dez ou doze anos), mas que ele me impressionou muito. A maioria da minha geração costuma lembrar bastante da série de TV, os macacos metiam muito medo na gente.
A moda há algum tempo é pegar filmes clássicos e criar uma origem, contar como a história pode ter começado. Para alguns filmes isso funcionou bem, como o Batman Begins, Dragão vermelho e Hannibal – A origem do mal (história do famoso canibal Hannibal, do filme: O silêncio dos inocentes) e recentemente X-men first class. Mas em planetas dos macacos a decepção foi grande.
Pra falar a verdade não me decepcionei não, pois já esperava um filme ruim. Não conseguia imaginar como poderiam criar uma história que justificasse a ideia de macacos evoluírem, seguindo exatamente a mesma evolução pela qual passou o homo sapiens sapiens, que somos nós.
Existem histórias que não devem ser explicadas. Não importa o que causou ou gerou o fato, assume-se o fato e cria-se uma história em cima. A explicação, se não for muito boa, pode destruir a história principal. Foi o que aconteceu com Highlander, o guerreiro imortal, de 1986, com Christopher Lambert e Sean Connery. Um filme belíssimo, uma boa história, uma linda fotografia e uma excelente trilha sonora do Queen. O filme fez tanto sucesso que resolveram continuar, fazendo talvez a pior sequência de todos os tempos: uma trilha sonora horrível, uma fotografia escura e triste, e uma explicação de porque os guerreiros eram imortais. Conclusão, fracasso total.
Castelo do filme Highlander
Nesse quesito não é o que parece estar acontecendo com O Planeta dos macacos, que nos EUA ficou na liderança das vendagens de bilheteria. Talvez por causa dos efeitos especiais que são bons. Mas a meu ver nada excepcional. A história é muito fraca e não convence. Óbvio que a opção para o domínio dos macacos foi a engenharia genética, que tornou alguns macacos gênios, da noite para o dia, e pior esses macacos se rebelaram e com lanças arrancadas das grades do zoológico venceram homens armados com poderosas armas de fogo e helicópteros.
Enfim, se as grandes companhias cinematográficas investem tanto em propaganda para tornar o filme um sucesso de bilheteria, porque não gastar um pouquinho a mais e escolher um bom roteirista que consiga ao menos criar um boa história.
Formado em Física pela Universidade Mackenzie com mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo IPEN/USP. Professor de física e tecnologia moderna do Colégio Oswald de Andrade. Professor Adjunto da Unip nos cursos de engenharia.