Archive for the ‘Energia Nuclear’ Category

Transformando Megatons em Megawatts

fevereiro 12, 2014

 

bomba-nucear

Matéria publicada no The New York Times no Caderno da Folha De São Paulo de hoje (11 de fevereiro de 2014) traz uma história interessante do físico Thomas Neff, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Com a dissolução da União Soviética e o fim da guerra fria um temor surgiu no fim da década de 80 e começo dos anos 90. O que aconteceria com parte do armamento nuclear da União Soviética? Conseguiria a Rússia manter e “proteger” suas ogivas?

Com a falência financeira do comunismo, havia o temor de que alguma ogiva pudesse ser vendida ou mesmo roubada por terroristas ou por alguns dos países menores que formavam a antiga URSS.

Thomas Neff teve então uma ideia que num primeiro momento pareceu absurda: a Rússia poderia vender, aos EUA, o urânio enriquecido, usado em suas armas “velhas”. Os americanos poderiam aproveitar esse urânio em suas usinas nucleares. Dessa forma os Estados Unidos conseguiriam uma forma de energia relativamente barata (enriquecer urânio1 é um processo caro) e a Rússia obteria um precioso dinheiro.

Com os seguidos tratados de desarmamento nuclear, a ideia de Neff se concretizou e possibilitou a redução em cerca de 20 mil ogivas russas, vendidas ao longo dos últimos 20 anos.

Para se fazer uma bomba nuclear o urânio precisa estar enriquecido acima de 90%, enquanto que em uma usina são utilizados de 5% a 6% de enriquecimento, dessa usina1forma muitas usinas puderam ser abastecidas com esse acordo e, o principal: o mundo conseguiu uma significativa redução de seu armamento nuclear (apesar dessa grande redução, ainda há uma quantidade absurda de armas nucleares, só os Estados Unidos e a Rússia possuem cerca de 10 mil ogivas cada um).

Neff não apenas deu a ideia da reciclagem atômica, mas foi um dos principais encarregados da mesma, acompanhando todo o processo ao longo desses vinte anos. Segundo a matéria do jornal ele é a prova viva de que um indivíduo pode fazer muito.

Enquanto alguns cientistas passam quase toda sua vida produtiva pensando em como fazer armas cada vez mais letais, outros como Neff lutam para reduzir seu número.

 

1 – Para saber mais sobre enriquecimento de urânio vá para o post Urânio Enriquecido:

https://12dimensao.wordpress.com/2010/05/19/uranio-enriquecido/

 

Publicidade

Radioatividade e Usinas Nucleares

maio 2, 2011

Na última quarta-feira, 27 de abril de 2011 dei uma palestra sobre radioatividade e Usinas nucleares.

Para aqueles que assistiram e desejam os slides, basta clicar no link abaixo para baixar os mesmos.

usinas nucleares 2011

Urânio Enriquecido

maio 19, 2010

                Nos últimos dias vários jornais estão comentando o papel do Brasil como mediador das negociações entre Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A questão é que a AIEA quer que o Irã pare de enriquecer urânio, com medo de que este seja usado para fabricação de bombas nucleares. Mas o que é urânio enriquecido?

            O urânio é um elemento químico de número atômico 92 (possui 92 prótons em seu núcleo) e número de massa 238 (soma do número de prótons com o número de nêutrons). Na verdade esse é o número de massa de seu isótopo mais abundante. Para quem não lembra, isótopo é o nome que damos para elementos químicos que possuem o mesmo número atômico, mas com diferente número de massa. No caso do urânio natural temos basicamente dois isótopos: 238 e 235. Há ainda um terceiro (234), mas cuja porcentagem é muito pequena: 0,0054%. A porcentagem do urânio 238 é de aproximadamente 99,27% e do 235 é de 0,72%. Isso significa que para cada 1000 átomos de urânio encontrado na natureza, apenas 7, são de urânio 235. Portanto a diferença de massa entre esses dois isótopos está na quantidade de nêutrons. O urânio 238 tem três nêutrons a mais e isso muda muita coisa.

            O interesse no urânio se deve ao fato dele ser um átomo instável, e por isso radioativo. Quando o urânio 235 absorve um nêutron, ele sofre fissão, partindo-se em dois outros elementos e liberando de dois a três nêutrons em média. Como entra um e saem dois (ou três) nêutrons, cada um desses nêutrons que saíram pode fissionar outros átomos de urânio, criando assim uma reação em cadeia. Mas para que isso aconteça, o urânio atingido deve ter número de massa 235 e não 238, pois esse último não é um elemento físsil, isto é, não sofre fissão. Quando absorve um nêutron, ele vira urânio 239.

            Enriquecer urânio, portanto, é aumentar a porcentagem de urânio 235 em relação ao urânio natural, 238. Para a produção de uma bomba nuclear faz-se necessário um enriquecimento acima de 90% de urânio 235. Já para um reator nuclear de uma usina termoelétrica, o enriquecimento não deve ultrapassar 20% de 235.

            A tecnologia necessária para enriquecer urânio é extremamente complicada e um segredo guardado a sete chaves, mesmo quando um país “compra” essa tecnologia de outro, como no acordo nuclear Brasil Alemanha, assinado em 1975 durante a ditadura militar. Esse acordo  envolvia a construção de oito usinas nucleares e a transferência da tecnologia de enriquecimento do urânio.

            Das oito usinas apenas uma foi construída, Angra II, Angra III ainda está na fundação e não sabemos se será construída algum dia. A transferência de tecnologia no enriquecimento utilizaria o enriquecimento de urânio usando uma técnica chamada de jatos centrífugos. Após obtenção do gás UF6 (hexafluoreto de urânio) faz-se este gás passar por paredes porosas e dessa forma o urânio 238 vai ficando para trás, enquanto o urânio 235 passaria. Essa técnica mostrou-se um verdadeiro fiasco e se dependêssemos dela para alimentar nossos reatores, eles já estariam parados.

            Mas o acordo também incluía cursos, ministrados por alemães, aqui no Brasil, e a visita de vários pesquisadores brasileiros na Alemanha. Com isso o Brasil acabou aprendendo outra técnica de enriquecimento. Nessa outra técnica, são utilizadas  ultracentrífugas. O hexafluoreto de urânio gira nessa ultracentrífuga a uma velocidade incrível, e por ser mais pesado, o 238 vai se acumulando nas extremidades, enquanto o 235 vai ficando no centro. Apesar de parecer um método simples, não podemos esquecer que a diferença de massa se dá em somente três nêutrons, portanto é algo extremamente complicado.

            Em 1993 o Brasil conseguiu enriquecer urânio pela primeira vez. Com isso passou a fazer parte do seleto grupo de países que domina todas as etapas de fabricação do “combustível nuclear” (coloquei as aspas em combustível nuclear porque, apesar de ser um termo muito utilizado, a reação que ocorre em um reator, ou em uma bomba nuclear, não é de combustão, mas de fissão nuclear).

            Enriquecer urânio é uma das principais etapas necessárias para a fabricação de uma bomba nuclear. E este é um dos motivos pelos quais países como, Estados Unidos e Inglaterra, não querem que o Irã dê continuidade ao seu programa nuclear.

            Assim como o Brasil, o Irã é signatário do tratado de não proliferação nuclear. Segundo este tratado os países que o assinam se comprometem, em não desenvolver, e não transferir armamentos nucleares, com exceção dos que já tinham: EUA, Reino Unido, URSS (hoje Rússia), França e China. O tratado não proíbe que se utilize a energia nuclear para fins pacíficos, mas nesse caso, os países devem submeter suas instalações à inspeção da AIEA. O Irã não está de acordo com todas essas inspeções, e por isso o impasse.

            O curioso deste acordo é que ele se baseia em uma desigualdade de direitos. Quem já possuía armas nucleares tem o direito de continuar tendo, mas quem não tinha fica proibido de construí-las. Nesse caso a igualdade de direito, poderia colocar em cheque nossa sobrevivência como espécie no planeta.  

            E você assinaria esse acordo?