Archive for the ‘Física e cinema’ Category

Dark – A opinião de um professor de Física – Parte 2

julho 30, 2020

Aviso: Não contém Spoiler

Na primeira parte deste post procurei focar minha opinião com respeito a viagem no tempo e seus paradoxos abordando-os através do olhar da Física. No entanto não forneci minha opinião sobre o que eu acho da série.

Nessa segunda parte procurarei fazer uma crítica da série mas deixando claro de que se trata de uma opinião pessoal e relembrando que não tenho competência na área artística, nem muito menos no que se refere ao cinema e a TV. Trata-se apenas de considerações pessoais de um apaixonado por ficção científica e procurei fazer isso antes de ler os diversos sites que “explicam” ou comentam sobre a série, dessa forma espero não estar muito contaminado.

Quando comecei a assistir à primeira temporada não me empolguei muito com Dark. Isso porque quando assisto a uma série gosto de ter pelo menos um(a) personagem com o qual eu me identifique, aquele(a) por quem você vai torcer ou sentir que ele(a) poderia “ser seu(sua) amigo(a)”. Não senti que Dark tenha isso, talvez nos episódios finais da terceira temporada apenas.

Também não é uma série muito dinâmica, cheia de ações e emoções, ao contrário trata-se de uma série, como o próprio nome já sugere, sombria e até meio depressiva. Que passa em um ritmo um pouco mais lento do que as séries de aventura ou ficção científica costumam ser.

Mas evidentemente que a série é intrigante e não se torna cansativa, apesar de dar um pouco de sono por conta da fotografia escura, mas que tem a ver com o clima de mistério que se pretende. Além da fotografia escura não podemos esquecer da chuva quase incessante ao longo de todas temporadas, motivo até de comentários engraçados como esse feito na foto de Louis Hofmann no Instagran de Netflix (e respondido por eles).

Para quem como eu está tão acostumado com o padrão hollywoodiano é muito bom ver uma série alemã. Claro que o fato da produção ser da Netflix, uma companhia americana, talvez invalide esse meu apontamento. Ainda assim só a questão da língua já traz uma boa novidade e o fato dos criadores, da série Jantje Friese e Baran bo Odar serem alemães ( Baran nasceu na Suíça, mas tem nacionalidade alemã) também é um argumento a favor desse ritmo um pouco diferente.

Dark é muito bem construída para ser uma série de sucesso. Não é apenas a riqueza da sua complexidade e trama difícil. Isso alias poderia afugentar o grande público. O mero fato de ter suspense e ficção científica e abordar viagens no tempo não é suficiente para prender a atenção. Esse tema está sendo amplamente usado em diferentes obras e muitas vezes é um desastre.

Percebe-se o cuidado com o qual ela foi realizada desde a abertura (cujo entendimento ficará melhor explicado após a terceira temporada) e cuja música é primorosa (me lembra o tema de abertura da série Vikings): “Goodbye”, do projeto Apparat do músico alemão Sascha Ring com participação do Soap & Skin. A trilha sonora é bem cuidada e a sonoplastia para causar suspense me lembra bastante outra série de enorme sucesso: Lost, transmitida de 2004 a 2010 produzida pela ABC Studios e transmitida pela Walt Disney Studios.

Podemos fazer outras comparações de Dark e Lost, pois ambas souberam prender a atenção do público introduzindo um mistério atrás do outro antes de começar a solucioná-los. E aí está um ponto a favor de Dark em relação a Lost. A antiga série que se passa em uma ilha misteriosa deixou a desejar por prometer e não solucionar a maioria dos mistérios, enquanto que em Dark não há exatamente um mistério mas sim uma trama muito bem feita a partir do entrelaçamento das árvores genealógicas. Lost também usa vários conceitos de Física, inclusive viagens no tempo e foi mestre em abusar do recurso de retrospectivas pessoais, através dos flashbacks, flashforwards e flash-sideways. Dessa forma além da história que se desenvolvia na ilha, histórias paralelas surgiam no passado (ou no futuro) dos personagens.

Dark usa a mesma estratégia, mas as histórias não são exatamente paralelas, são intrincadas histórias de vida de seus personagens que se cruzam e se misturam. Passado, presente e futuro estão interconectados não apenas com seus personagens mas também com os objetos e a história da própria cidade onde eles vivem. Estamos acostumados a ver o passado influenciando o futuro, mas em Dark o futuro interfere no presente e até no passado como em um conto de Jorge Luis Borges, escritor argentino mestre em brincar com o tempo e com o infinito.

Confesso que estava com medo dos criadores de Dark se perderem no enredo como acho que aconteceu com os criadores de Lost. É muito grande o número de fãs da antiga série que diz que ela deveria ter terminado na quinta temporada, como estava previsto, mas uma sexta foi acrescentada e jogou um banho de água fria em toda excelente criação anterior.

Há dez anos fiz aqui nesse blog um post sobre Lost (clique no link para ler o post): https://12dimensao.wordpress.com/2010/04/06/lostquando-a-ficcao-encontra-a-fisica/. A série não tinha ainda sido finalizada e a espectativa era grande.

Felizmente Dark não cometeu o mesmo erro, Jantje Friese e Baran bo Odar não se deixaram levar pela ganância e anunciaram que a série acaba mesmo em três temporadas. Uma continuação após a terceira me parece despropositada já que a história toda fez muito sentido no último episódio (se é que posso falar isso sobre uma história tão complexa).

Seria possível fazer comparações com outros filmes, séries e episódios de “Além da imaginação” ou “Doctor Who”, mas isso deixaria o post muito extenso e repetitivo. Vou apenas fazer mais alguns comentários sobre o filme Interestelar que também já analisei aqui no blog: https://12dimensao.wordpress.com/2015/05/03/interestelar-ha-muito-tempo-nao-viamos-um-filme-assim-2/

Interestelar não faz uma trama tão intrincada como Dark, nem brinca com os parentescos dos personagens, mas assim como em Dark, ouvi muita gente falando: “Não entendi nada”, “Por que o personagem está mais novo que sua mãe?”, “O que é aquele cubo?” etc. Mas não acho possível comparar essas duas obras. Interestelar é um filme de 2 horas e 49 minutos e não uma série de 3 temporadas. Além disso Interestelar passou pela consultoria do físico teórico Kip Thorne, premio Nobel em 2017, sendo portanto uma obra de ficção científica que tem como pano de fundo exóticas, mas precisas hipóteses científicas, e que conta com um excelente enredo dos irmãos Jonathan e Christopher Nolan, com direção de Christopher, já consagrado por outros grandes sucessos como: Memento (2000) (Aminésia); Insônia (2002); Batman Begins (2005); O grande truque(2006); Batman The Dark Knight (2006); A origem (2010), etc.

Em Dark ouvimos o narrador falar sobre algumas teorias Físicas e conceitos como a Relatividade de Einstein, entrelaçamento quântico, gato de Schorodinger, Teoria dos muitos mundos. Mas a série usa esses conceitos de forma livre, sem muito compromisso com a fidelidade científica. Matéria escura, bóson de Higgs, radioatividade são mencionados totalmente fora do contexto físico, uma espécie de “licença poética”.

Já interestelar abusa da ficção apresentando tecnologias que não existem, como a criogenia de seres humanos, naves espaciais supertecnológicas e a manipulação da gravidade, mas isso tudo está baseado em hipóteses científicas que já existem ou que possam vir a existir algum dia.

Comparações a parte, Dark conquistou minha admiração. Meu interesse pela série foi aumentando a cada temporada e mesmo não sendo uma das mais querida considero uma grande obra de ficção científica e uma excelente trama, que dá um nó em nossas cabaças.

Caso você queira entender melhor a complicada árvore genealógica de Dark consulte o site: https://dark.netflix.io/pt . Ele permite que você diga em que episódio está para não receber spoilers.

Na parte 3 deste post pretendo falar mais um pouco sobre conceitos físicos já que na terceira temporada novos conceitos surgiram. Aguardo os comentários e dúvidas..

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Dark – A opinião de um professor de Física – parte 1

julho 25, 2020

Aviso: Não contém spoilers

O programa de Física exigido pelos vestibulares das principais universidades públicas do país é insano. Para dar um exemplo a Fuvest em 2020 exige 59 tópicos distribuídos em 13 diferentes áreas da Física. Apesar de tanta exigência temas como Abordagens conceituais da Teoria da Relatividade e discussões sobre a natureza do tempo não fazem parte do programa. É fácil entender porque a maioria dos colégios particulares não incluem esses temas tão importantes e intrigantes, infelizmente se deixam levar pelas exigências dos vestibulares. Fica a critério dos professores de Física abrirem em suas aulas algum momento para que essas discussões, que sempre motivam a maioria dos alunos, sejam abordadas.

Do meu ponto de vista há uma inversão de valores. O atual BNCC (Base Nacional Comum Curricular) permite, e mesmo o anterior PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) também permitia, a inclusão dos temas referentes a Física Moderna como a discussão sobre a natureza do tempo. Mas as escolas preferem seguir a exigência do vestibular quando deveria ser o contrário, os vestibulares é que deveriam cobrar o que as escolas estão trabalhando.

Felizmente trabalho há mais de 20 anos em uma escola que permite essa abordagem, como parte do programa e não apenas em algumas aulas. Faço isso em uma disciplina eletiva e até mesmo no Plano de Ensino do Curso de Física. No último trimestre do 3 ano do ensino médio discutimos as mudanças conceituais trazidas pela Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica. Como a discussão é feita apenas de forma conceitual, sem a matemática envolvida nessas novas teorias, faço uso de vários textos, livros, filmes e séries.

E foi através de um aluno do ensino médio em 2018 (o querido Mathias) que fiquei conhecendo a série alemã: Dark criada por Baran bo Odar e Jantje Friese e transmitida pela Netflix. Assisti à primeira temporada em 2018 e tive que rever em 2019 antes de assistir à segunda temporada pois não me lembrava perfeitamente da trama e principalmente devido às complexas árvores genealógicas (a série me fez lembrar do livro: Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez, eu ficava perdido na árvore genealógica pois há vários Antônios em uma mesma família). A Wikipédia classifica Dark como uma série de drama, suspense e ficção científica, classificação essa que não quer dizer muita coisa.

Vou dividir esse post em mais de uma parte pois ainda não acabei de assistir à terceira temporada (por favor não dê spoilers nos comentários), peço então um pouco de paciência por isso, mas tem muita coisa a ser dita sobre a série não apenas sobre os conceitos físicos, mas também a relação com outras séries e filmes, como Lost, Interestelar, De volta para o futuro, Donnie Darko, etc. Vou começar pelas questões físicas da viagem no tempo, mas depois quero falar sobre os paralelos com essas obras.

Não vou me atrever a comentar os detalhes cinematográficos da série pois não tenho competência para isso e nem quero fazer julgamento de valor do ponto de vista científico (isso está errado, isto está certo) pois acredito que isso não se aplica a nenhuma obra artística. Acho incrível quando temas da Ciência e principalmente da Física são usados para obras artísticas, mas isso não quer dizer que elas tenham que ser exatas, servem geralmente como inspiração.

Há casos onde especialistas são chamados para uma consultoria ou até mesmo auxiliam na construção do roteiro. Nesse caso deseja-se uma maior fidelidade com os conceitos para que um maior realismo seja conseguido, mas não podemos esquecer que se trata de uma obra de ficção, e do meu ponto de vista a criatividade deve estar acima da exatidão, afinal de contas “o que é a Realidade?” , isso já dá uma boa discussão filosófica.

Minha intenção aqui é bater um papo com quem está acompanhando a série e aproveitar para falar um pouco sobre como a Física enxerga algumas questões apresentadas na série e mostrar como algumas coisas que aparentemente consideramos chatas quando estudamos na escola, podem ser incríveis ao serem vistas de outra forma.

Viagem no tempo

Diferente de muitas histórias onde ocorrem viagens no tempo para se mudar alguma coisa do passado ou para se saber algo do futuro, a história de Dark é toda construída sobre os laços temporais e as consequências de se viver em uma linha de mundo em looping.

A Teoria da Relatividade Restrita que Albert Einstein publicou em 1905 já deixa claro que o tempo não passa igual para todo mundo. Observadores que estão em diferentes referenciais sentirão diferentemente a passagem do tempo. Mas para que a percepção seja significativa, seria necessário que um dos observadores estivesse viajando a velocidades ainda inimagináveis para corpos do tamanho do nosso. Algo em torno de 10% da velocidade da luz no vácuo (cerca de 30 mil km/s ou 108.000.000 km/h). Além disso trata-se de uma viagem apenas para o futuro, sem a possibilidade de ir ao passado, seria como se alguém que está em altíssima velocidade ficasse quase congelado, o tempo passa devagar se comparado com alguém que está em repouso na Terra.

Mas em 1916 Einstein publica a Teoria da Relatividade Geral. Essa teoria consegue incorporar a gravidade em seu escopo e com isso generaliza as alterações no espaço-tempo. Assim estar próximos de corpos extremamente massivos (como buracos negros) também provoca uma redução no ritmo de passagem do tempo. Além disso a teoria permite, ainda que seja apenas matematicamente, a existência de uma espécie de portais para outras posições no espaço e também no tempo, os chamados vulgarmente de buracos de minhoca (wormhole) ou mais tecnicamente: ponte Einstein-Rosen. Não sabemos ainda se esses buracos no tecido do espaço-tempo são reais ou apenas especulações matemáticas, mas os buracos negros também eram apenas especulações e hoje sabemos que eles são objetos cósmicos reais.

Supondo que a ponte Einstein-Rosen exista e que ela permita a passagem de um ser humano (o que é mais uma especulação matemática) este poderia, em princípio, viajar ao futuro ou ao passado.

Alguns físicos argumentam que a viagem ao passado é proibida pela Segunda Lei da Termodinâmica. Essa lei pode ser enunciada de várias formas diferentes e envolve conceitos não muito simples como a Entropia. Mas falando de forma grosseira podemos dizer que é essa lei que apresenta a seta temporal, isto é, uma direção e um sentido para o tempo.

As Leis da Mecânica são perfeitamente reversíveis no tempo, elas exigem que exista um tempo pois sem ele não haveria sentido falar em movimento, mas para a Mecânica o tempo pode ir para frente ou para trás. A equação que descreve o movimento de um pêndulo é a mesma quando ele desce e quando ele sobe. Já na Termodinâmica não é assim, um sistema termodinâmico evolui num único sentido temporal: você está acostumado a ver uma xícara de chá quente esfriar naturalmente. Mas não vê um copo de água fria repentinamente ferver sem uma fonte de calor. A Segunda lei da Termodinâmica proíbe essa transformação afirmando: “O calor sempre vai, de forma natural, dos corpos quentes para os corpos frios”. ou “É proibido que o calor saia de uma fonte fria e vá para uma fonte quente sem a injeção de energia”.

Assim poderíamos dizer que a Segunda Lei da Termodinâmica proíbe a viagem ao passado?

O grande físico austríaco Boltzmann fez uma abordagem diferente da Termodinâmica, introduzindo a Mecânica Estatística. Após essa nova interpretação não podemos mais dizer que é proibido que tal evento ocorra, mas sim que é extramente improvável.

Podemos então afirmar que as viagens ao passado são extremamente improváveis e que exigiria uma quantidade de energia absurda para acontecer, mas afirmar que elas são impossíveis talvez seja um erro.

Paradoxos

O problema de se viajar ao passado são os paradoxos que podem surgir se alguma alteração for feita. Um dos mais famosos é o paradoxo ontológico ou paradoxo “bootstrap”, em que alguma coisa existe sem ter sido efetivamente construído (efeito sem uma causa). Outro também famoso é o paradoxo do avô, em que você viaja ao passado e de alguma forma impede que seus pais se conheçam e dessa forma impede seu próprio nascimento (não há necessidade de matar o seu avô, mas é isso que dá nome ao paradoxo).

Na Ciência um paradoxo é geralmente sinal de que algo na teoria está errado, por isso a Ciência evita os paradoxos, ou tenta solucioná-los quando eles surgem.

A Física teórica geralmente usa duas formas diferentes de solução para evitar os paradoxos da viagem ao passado:

  • Negar o paradoxo através da extinção do livre arbítrio;
  • Usar uma possível interpretação da mecânica quântica chamada: interpretação dos muitos mundos.

Igor Novikov no excelente artigo: “Pode-se mudar o passado?” Publicado no livro: “O futuro do espaço tempo” (Cia das Letras, página 60) explica de forma brilhante que enxergar um paradoxo é na verdade um erro de lógica. Ele argumenta que o paradoxo só existe se a situação for discutida duas vezes, de duas maneiras diferentes. Na primeira sem a viagem ao passado e na segunda com a viagem que ocasiona uma mudança do primeiro evento. Por exemplo: seus pais se conheceram e depois você nasceu. Ao viajar ao passado e impedir esse encontro você não teria nascido, resultado: criamos um paradoxo pois como você pode ter nascido se seus pais não te conceberam?

Mas do ponto de vista de Novikov você pode até voltar ao passado mas não teria como impedir o encontro deles, pois o fato: “você ter nascido” já ocorreu, ainda que seja no futuro e ter ido ao passado não é uma “volta” porque você já estaria no passado desde a primeira vez, mesmo sem ter nascido ainda. Difícil de entender? Sim bastante, mas essa dificuldade é devida à complexidade das vontades humanas ao livre-arbítrio.

Vamos tentar com um exemplo mais fácil, sem a interação de um ser pensante: imagine que um cometa do futuro tenha entrado em um buraco de minhoca e aparecido no passado no planeta Terra e levado os dinossauros à extinção. Agora imagine que nesse ano a NASA nos dê uma terrível notícia: um cometa gigante está em rota de colisão com a Terra (nossa! Já não bastasse essa terrível pandemia). Quando todos já estavam desesperados com o fim do mundo o cometa misteriosamente desaparece. A NASA e outras agências espaciais então detectam estranhas perturbações gravitacionais, indicando a presença de um possível buraco de minhoca ou buraco negro.

Nesse segundo exemplo não há paradoxo, pois a extinção dos dinossauros já aconteceu desde a primeira vez. Por mais difícil que seja aceitar essa visão ela não comete erros de lógica. Mas ela exige duas premissas que fogem do nosso censo comum: A não linearidade do tempo, isto é, o passado não ocorre antes do presente e do futuro. Segundo a física moderna, passado, presente e futuro podem estar acontecendo simultaneamente. Por isso você não surgiu no encontro de seus pais necessariamente antes de ter nascido ( no primeiro exemplo). A segunda premissa é a negação da existência do livre arbítrio: Como o futuro já está acontecendo junto com o presente e também com o passado, as escolhas são meras ilusões.

Outra saída para evitar o paradoxo da alteração do passado consiste em uma hipótese ainda mais difícil de ser aceita: A possibilidade da existência de outros mundos (uma espécie de multiversos, ou universos paralelos, mas esses nomes são usados para outras hipóteses físicas).

Em 1957 Hugh Everett III em sua tese de doutorado defende a IMM Interpretação de muitos mundos para a Física Quântica o que significa dizer , ainda que de uma forma sem muito rigor matemático, que para cada possibilidade de escolha que ocorre no universo, todas as possibilidades são verificadas, mas em diferentes mundos. Por exemplo: Um átomo de urânio é radioativo e se desintegrará emitindo uma partícula alfa e se transformando no elemento químico chamado tório. Na interpretação mais aceita da mecânica quântica (Interpretação de Copenhague) afirmasse que não é possível saber quando ocorrerá essa desintegração, podemos apenas calcular a probabilidade dela acontecer ou não. É por isso que trabalhamos com o conceito de meia vida para os elementos radioativos. Na interpretação de muitos mundos poderíamos afirmar que se em cada instante há 50% de chance do átomo desintegrar ou não, então ele estará desintegrando a todo instante porém em algum outro mundo.

Outro exemplo mais clássico é o lançamento de uma moeda. Se jogarmos uma moeda para cima e ao apanharmos ela deu cara, isso significa que um outro mundo idêntico ao nosso foi criado e nesse mundo o resultado foi coroa. Caso tivéssemos jogado um dado, seis novos mundos idênticos teriam sido criados.

Ao retornar ao passado, podemos alterar algum evento, mas um paradoxo não será criado porque essa volta ao passado ocorrerá em um outro mundo. No exemplo de impedir o encontro dos pais sua versão existirá, mas o evento que te deu origem não ocorrerá pois você não nascerá, já que nasceu em outro mundo e não poderá mais voltar a ele.

Dark e os paradoxos

Alerta de Spoiler 1: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos até o episódio 7 da primeira temporada.

Uma das coisas que mais gostei em Dark é o fato deles evitarem o paradoxo do avô através da negação do livre arbítrio. Não há paradoxo porque o desaparecimento de Mikkel Nielsen no ano de 2019 o leva para 1986 e lá ele cresce como Michael Kahnwald que então conhece Hannah e com ela se casa. Eles então tem um filho Jonas, que em 2019 é bem mais velho do que Mikkel (seu futuro pai). Não houve uma alteração do passado, Mikkel não impediu que Michael conhecesse Hannah, ele é o próprio Michael, eles são a mesma pessoa.

Alerta de Spoiler 2: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos a primeira e segunda temporada.

O tempo todo o paradoxo do avô é evitado através da primeira possibilidade explicada acima, as viagens no tempo geram um looping nas linhas de tempo.

Mas no último episódio da segunda temporada a série faz uso da segunda versão da fuga do paradoxo, usa-se a Interpretação dos muitos mundos. Uma outra Martha surge e ela deixa claro que não é a Martha “deles”: quando Jonas pergunta de que ano ela veio ela responde, não é “de quando”, mas “de onde”.

Já no início da terceira temporada Martha (que agora tem o cabelo mais escuro) deixa claro que veio de outro mundo.

Como parei no segundo episódio da terceira temporada vou parar por aqui as análises físicas e começar a falar sobre o que eu acho da série a partir de comparações com outras séries, mas isso em outro post pois esse já ficou muito longo.

Observações chatas:

Como disse antes não gosto de apontar falhas científicas ou “erros” conceituais em obras artísticas pois não há nenhuma obrigação de fidelidade, mas apenas para tentar evitar esse tipo de comentário e por uma necessidade didática (para que alunos não tenham uma compreensão errada de algumas coisas) vão algumas observações:

O bóson de Higgs (ou partícula de Deus como foi chamada por motivos comerciais pela mídia) não tem nada a ver com viagem no tempo, ele está relacionado com o campo de Higgs, que seria o responsável pela massa dos corpos.

Ele também não pode ser detectado em reatores atômicos, mas sim em aceleradores de partículas. E não é qualquer acelerador, demorou-se mais de 40 anos para se construir um acelerador capaz de produzir essa partícula (o LHC).

O bóson de Higgs é uma partícula subatômica portanto ela é invisível a olho nú.

Em um determinado episódio um personagem está sofrendo uma autópsia e o legista afirma que há um excesso de radioatividade no corpo da pessoa, que talvez ela tenha sofrido uma exagerada exposição a raio-X. O raio X não é emissão radioativa (apesar de ser radiação ionizante) e uma pessoa que foi exposta a radioatividade não se torna radioativa. A emissão de radioatividade só aconteceria se ela se contaminar ingerindo ou encostando em material radiativo que então grude no corpo dela.

Interestelar, há muito tempo não víamos um filme assim.

maio 3, 2015

Demorou. Como demorou. Mas um filme assim merecia um post bem feito. Não podia ser às pressas. Se ficou bem feito, não sei. Não queria que fosse tão longo, me perdoem. Procurei fazer em tópicos, dessa forma vocês podem ler aos poucos já que estou demorando tanto para atualizar o blog.

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Referências:

Mesmo que alguns achem um absurdo a comparação,é inevitável não se lembrar de 2001 Uma Odisseia no Espaço ao se assistir a Interestelar. O absurdo se deve ao fato de que Christopher Nolan está longe de ser o genial Stanley Kubrick.

O filme foi escrito por Jonathan Nolan e inicialmente seria dirigido por Steven Spielberg, mas acabou sendo dirigido pelo irmão de Jonathan, Christopher Nolan que acabou participando também do roteiro. Christopher dirigiu a trilogia Batman (o cavaleiro das trevas), o excelente Amnésia (Memento) e o intrigante A Origem, que já comentei aqui no post: A origem: cinema e tecnologia, imaginação e arte, subconsciente e geometria, efeitos especiais e inteligência.

https://12dimensao.wordpress.com/2010/08/18/a-origem-cinema-e-tecnologia-imaginacao-e-arte-subconsciente-e-geometria-efeitos-especiais-e-inteligencia/

Nolan não escondeu as referências nas quais se baseou para a direção de Interestelar: 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), Guerra nas Estrelas (1977), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Alien, o Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner, o Caçador de Androides (1982).

O filme já está disponível para aluguel em várias mídias e para quem não assistiu, mas pretende assistir, avisarei quando for contar alguma coisa que possa estragar uma eventual surpresa (spoiler). As poucas críticas desfavoráveis que ouvi a respeito do filme podem ser resumidas em duas palavras: “cansativo” e “difícil de entender”. Ao meu ver essas são suas maiores qualidades, não exatamente isso, mas explicarei.

Geralmente filmes de ficção científica recorrem a muitos efeitos especiais, muita ação e pouco enredo ou um enredo com pouca profundidade. Interestelar, ao contrário, é longo, tem pouca ação em comparação com a maioria dos filmes do gênero. O filme tem longos diálogos e um enredo complexo que exige certo conhecimento de física, apesar das breves explicações, feitas pelos personagens do filme.

Ficção versus ciência

A dificuldade existe porque o filme aborda os efeitos da Teoria da Relatividade de Einstein e mesmo para quem já ouviu falar, não é um tema tão fácil de digerir. Ainda que você preste bastante atenção, o filme parece dar um nó em nossa cabeça. O diretor não optou pela saída fácil: simplificar demais e distorcer os conceitos para que ficassem mais compreensíveis. Preferiu deixar os conceitos o mais próximo do que a física acredita hoje, correndo o risco de que com isso o filme ficasse “mais difícil”.

Assim como no filme 2001 Uma odisseia no espaço , Interestelar contou com a consultoria de um físico. O filme de Kubrick foi baseado no livro de Arthur C. Clarke que além de escritor era físico e matemático. Clarke participou também do roteiro junto com Kubrick. Já em Interestelar a participação veio com a consultoria do famoso físico teórico Kip Thorne, especialista em buracos negros e gravitação. Thorne já havia contribuído no livro e no filme Contato de Carl Sagan, mas em Interestelar teve uma atuação mais direta, chegando a propor que o filme não tivesse nenhum erro conceitual de física e que a ficção fosse explorada naquilo que a ciência ainda não tem resposta. Thorne participou também da produção do filme.

O que acontece no interior de um buraco negro?  É possível enviar mensagens através da gravidade? É possível juntar a mecânica quântica e a teoria da relatividade obtendo uma Teoria mais geral que permita entender melhor a gravidade?

Esses são alguns dos temas explorados pelo filme de forma excelente e com um rigor científico cuidadoso. Vale a pena ressaltar que nenhum filme tem a obrigação de ser coerente fisicamente. Filmes são obras de arte e nesse sentido o roteirista e/ou diretor não precisa, de forma alguma, se preocupar com as Leis da Física, Star Wars que o diga (basta apenas que a história, seja ela qual for, seja convincente ao espectador, caso contrário estaremos diante de uma comédia, ou de um péssimo filme).

No que se refere a essa fidelidade com a ciência, Kip Thorne só não gostou das nuvens de gelo que aparecem em um determinado planeta do filme, segundo ele, seria impossível tal sustentação. Há também alguns exageros, perfeitamente perdoáveis, para manter certo suspense.

Atores e roteiro:

 

Matthew McConaghey e Anna Hathaway em cena do filme

O filme é estrelado pelos atores: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, John Lithgow, todos atores experientes e com excelente atuação. Uma adorável surpresa é a magnífica atuação da garotinha Mackenzie Foy

( no papel da joven  Murphy). Há ainda a participação de um grande ator cujo nome não aparece nos

créditos e que por isso não vou revelar quem é.

Normalmente um filme de ficção científica e/ou de ação não investe tanto no elenco, quando muito há um ou dois grandes atores. Mas esse não é o caso de Interestelar, pois ele é mais um filme de drama do que de ficção científica. A ciência serve como um pano de fundo para algo muito mais importante que se desenrola na história. Talvez por isso que algumas pessoas, que foram ao cinema esperando explosões, feixes de raios lasers e disputas entre o bem e o mal, se decepcionaram.

Não que o filme seja extremamente parado, pelo contrário, há até bastante agitação, mas não comparada aos atuais filmes de ação, em que mal conseguimos respirar de tantas imagens frenéticas. Apenas para citar um exemplo, o trailer de Interestelar deixava claro que se tratava de um filme futurista, com naves espaciais e viagens entre galáxias. No entanto, o começo do filme fica a primeira meia hora em uma fazenda que parece estar ambientada na década de 50.

Em vários momentos do filme eu fiquei com a sensação de que o diretor iria se render aos clichês e encontrar uma saída fácil ou previsível para o filme, mas felizmente foram apenas ameaças. Diferente do que ele mesmo tinha feito no filme anterior,  “A origem”, em que coloca uma ação excessiva e ao meu ver desnecessária, em Interestelar a dose de ação está na medida certa e é respaldada por um roteiro inteligente.

O tema central do filme é o amor, o amor entre pai e filha. As promessas feitas e quebradas (ou não), as escolhas, a salvação da espécie humana, tudo isso envolvido em viagens espaciais e os conflitos da relação entre o espaço e o tempo.

Para falar mais sobre isso preciso contar algumas coisas sobre o filme, então aconselho a quem não o viu que pare por aqui. Não que isso faça diferença, pois o filme não tem uma “grande surpresa” no final. Não pretendo explicar a física do filme, caso existam dúvidas peço que façam perguntas nos comentários. A ideia é apenas discutir um pouco a forma como o filme trabalha bem com a Teoria da relatividade.

Lá vem Spoiler

(se ainda não viu o filme, melhor assistir primeiro antes de ler o que segue abaixo)

 A Terra está condenada, podemos perceber uma crítica velada ao uso da monocultura e às alterações climáticas. Felizmente não há grandes explicações sobre qual é exatamente o problema que está destruindo as plantações de todos os grãos de nosso planeta. Além disso, tempestades de areia imensas, como as que acontecem atualmente em Marte, são comuns.

Quando tudo parecia perdido os cientistas encontram uma saída, literalmente falando. Uma saída, não apenas de nosso planeta mas de nossa galáxia. Um “wormhole” (buraco de verme) é descoberto nas vizinhanças do planeta Saturno e através dele podemos ter acesso a outra galáxia onde alguns planetas semelhantes à Terra podem ser descobertos.

Wormhole:

 

Um buraco de verme ou buraco de minhoca é uma passagem no espaço-tempo que conecta duas regiões do espaço, como se fosse um túnel que liga duas cidades ou dois países. A diferença é que enquanto o Eurotúnel liga a França e a Grã Bretanha sob o Canal da Mancha, um buraco de minhoca “não está sob nenhum lugar do espaço”, isto é, se pudéssemos entrar em um deles estaríamos “fora do espaço”, como se fosse outra dimensão.

O nome técnico do wormhole é ponte Einstein-Rosen. Esses dois físicos previram que o espaço-tempo pode ser curvado a tal ponto que duas partes do espaço podem se conectar, mesmo estando separadas por uma grande distância.

Vamos com calma, talvez você esteja se perguntado: Mas o que é espaço-tempo?

Segundo a teoria da relatividade nenhuma informação pode se propagar mais rápida que a velocidade da luz no vácuo. Essa aparentemente simples limitação da natureza traz consequências fantásticas, já discutidas nos posts:

Viagem no Tempo – Parte I                                                    

https://12dimensao.wordpress.com/2011/03/27/viagem-no-tempo-%E2%80%93-parte-i/

Viagem no tempo  – Parte II

https://12dimensao.wordpress.com/2011/04/15/viagem-no-tempo-%E2%80%93-parte-ii/

Viagem no tempo III e Cérebro eletrônico IV: Fazendo nossa mente viajar no tempo

https://12dimensao.wordpress.com/2011/07/19/viagem-no-tempo-iii-e-cerebro-eletronico-iv-fazendo-nossa-mente-viajar-no-tempo/

Uma delas é o fato do espaço e do tempo estarem conectados formando o que chamamos de espaço-tempo. Viajar muito rápido no espaço significa também viajar no tempo, o que faz com que o tempo passe de forma diferente para pessoas que estão em referenciais diferentes.

Imagine que o universo possa ser representado por uma bexiga cheia. Dois pontos que estejam em lados opostos da bexiga estariam bem longe um do outro. Então a luz emitida por uma galáxia numa extremidade da bexiga teria que percorrer toda a superfície da bexiga até chegar do outro lado. Agora imagine que alguma coisa aperte a bexiga até que as duas extremidades se grudem por dentro da bexiga. Essa seria a ponte Einstein-Rose. Então, em teoria seria possível ir dessa galáxia a outra instantaneamente, pois dentro do womhole o tempo não passa.

Não se iludam achando que entenderam, nem se desesperem por imaginar que só vocês não conseguem compreender isso. Por mais computação gráfica que os vídeos do “Discovery Channel” usem, por mais convincentes que os cientistas sejam, ninguém consegue enxergar essa deformação do espaço.

O exemplo da bexiga (ou da cama elástica, muito usado em livros de divulgação) são apenas analogias grosseiras para nos ajudar a entender isso. Somos seres que vivem em três dimensões de espaço, não conseguimos enxergar outras dimensões por mais inteligentes que sejamos. O exemplo da bexiga é falho porque a superfície da bexiga possui duas dimensões, quando apertamos a bexiga ela se deforma na terceira dimensão, a qual podemos perceber. Um buraco de minhoca possui três dimensões e provoca uma deformação que somente seria visível a nós se fôssemos seres que vivem em quatro dimensões. Apesar de não ser possível enxergar essa deformação, a matemática fornece a certeza de que isso faz sentido.

Mesmo com a comprovação matemática, não sabemos se os wormholes realmente existem. São apenas especulações matemáticas. Além disso, a previsão é que mesmo que eles existam são microscópicos e instáveis (desaparecem em menos de um segundo).

O wormhole que aparece no filme é um tipo de wormhole calculado por Kip Thorne a pedido de Carl Sagan para o livro Contato. Aquele tipo de wormhole é ainda mais difícil de existir, ele requer condições muito especiais, mas esse é o campo da ficção e isso foi muito bem explorado.

 

Dilatação temporal.

Talvez a parte mais legal do filme Interestelar  seja aquela em que o personagem principal consegue finalmente reencontrar sua filha, mas ela está um pouco diferente. Está bem mais velha do que ele. Ao longo do filme ela deixa de ser uma garotinha para se tornar um mulher. Mas no reencontro deles, ela está com mais de cem anos e o personagem com praticamente a mesma idade. Como isso é possível?

Novamente a resposta está na Teoria de Einstein. Para viajar em alta velocidade (não estou falando aqui de meros 300 km/h de um fórmula-1, ou da “ridícula” velocidade de um caça supersônico, mas de estar próximo da velocidade da luz no vácuo, cerca de 1,08 bilhões de km/h) precisamos de grandes acelerações. Essas acelerações provocarão alterações no ritmo de passagem do tempo. Por exemplo: Quando partículas subatômicas são aceleradas em um acelerador de partículas a 87% da velocidade da luz no vácuo, o tempo de vida delas, medido por nós dobra. Isto é, algumas dessas partículas são instáveis e se desintegram (uma espécie de “morte”), dizemos então que essas partículas possuem uma vida média de “tantos” segundos. Mas ao atingirem 87% da velocidade da luz, esse tempo de vida médio dobra.

Caso as partículas consigam atingir 99,97% da velocidade da luz, seu tempo de vida médio aumenta um fator 40. Se pudéssemos atingir essa velocidade em nossos foguetes um astronauta poderia viver até 400 anos. E se a aceleração fosse ainda maior e ele atingisse 99,997% da velocidade da luz no vácuo, poderia viver mais de 1200 anos.  O mais bizarro desse efeito é que para ele o tempo estaria passando normalmente, ele sentiria a passagem de “apenas” 100 anos (tempo médio de vida que estou considerando ). Ao retornar ao nosso planeta depois de passar um ano à velocidade de 99,97% da velocidade da luz, um astronauta de 40 anos estaria com 41 anos, mas aqui na Terra teriam se passado 40 anos (Caso ele tivesse um irmão gêmeo, este estaria com 80 anos).

Isso não é “apenas teoria” como alguns gostam de falar. Isso é um fato. Há diversas comprovações de que a Teoria da Relatividade prediz de forma consistente essas dilatações temporais. Felizmente vivemos em referenciais de baixa velocidade e por isso ninguém tinha percebido esse efeito até que Einstein resolvesse publicar seus artigos em 1905.

No filme, a dilatação temporal não acontece por causa das acelerações, mas sim devido a outro efeito previsto por Einstein na sua Teoria da Relatividade Geral de 1915. Nela, ele percebe que acelerar e sofrer fortes atrações gravitacionais, são equivalentes. Nas vizinhanças de um buraco negro há um forte campo gravitacional e isso distorce o espaço-tempo da mesma forma que grandes acelerações.

 

Buraco negro

Assim como os wormholes são apenas especulações matemáticas, os buracos negros também eram até meados da década de 80. Hoje em dia a existência desses corpos celestes é quase certa, e inúmeras provas indiretas de sua existência já foram detectadas.

Antes mesmo que Einstein tivesse nascido, o genial Pierre Simon Marques de Laplace já havia pensado na possibilidade da existência de uma estrela com gravidade tão forte que nenhum corpo conseguiria sair de sua órbita, nem mesmo a luz.

Essa ideia está ligada ao conceito de velocidade de escape. Sabemos que ao jogar um objeto para cima ele retorna após certo tempo, devido à força da gravidade. Quanto mais velocidade colocarmos na saída mais tempo o objeto demorará em voltar. No entanto a força da gravidade diminui quando nos afastamos do centro do planeta. Quanto maior for a altura, menor será a força. Conclusão: se conseguirmos atingir uma tal velocidade, que o objeto consiga atingir uma determinada altura onde a força seja pequena, ele poderá escapar da gravidade do planeta. Essa é a velocidade de escape.

No caso da Terra essa velocidade é de cerca de 11 km/s, aproximadamente 40.000 km/h. Essa é a velocidade que os satélites artificiais precisam atingir para entrarem em órbita em torno da Terra. Aumentando-se a velocidade, aumentamos o raio da órbita até conseguirmos escapar totalmente da gravidade do planeta.

Laplace calculou que se uma estrela tivesse certa quantidade de matéria concentrada em certo volume, teria uma velocidade de escape maior que a velocidade da luz e assim nem a luz conseguiria escapar dessa estrela.

Concepção artística de um buraco negro

Após a Teoria da Relatividade foi possível entender como uma estrela é formada e como se dá sua “morte”. Entre alguns fins possíveis está a formação de um buraco negro. Após uma violenta explosão, o resto de matéria da estrela poderia ficar confinado em um raio tão pequeno que a gravidade dobraria o espaço sobre si mesmo, criando um buraco negro.

O próprio Einstein achou que isso provavelmente não seria possível. Mas em 1987 o astrônomo Ian Shelton e o astrônomo amador Albert Jones descobriram a primeira explosão Supernova , dando credibilidade aos modelos estelares propostos (obs.: haviam registros históricos do aparecimento de estrelas chamadas de novas ou supernovas em séculos anteriores).

Com o aperfeiçoamento dos telescópios e principalmente após o lançamento do telescópio espacial Hubble várias imagens reforçaram a certeza de que buracos negros realmente existem. No entanto como eles não permitem que a luz escape deles, não podemos detectá-los com imagens visíveis aos nossos olhos. Mas podemos perceber estrelas orbitando regiões “escuras” ou ainda percebemos a emissão intensa de raio- x , que ocorrem devido a forte atração de matéria para dentro do buraco negro.

Uma imagem ilustrativa de um buraco negro

Voltando ao filme, Gargantua é um buraco negro em rotação, que está próximo de um dos planetas a serem averiguados pelos personagens do filme. Como a gravidade próximo a um buraco negro é imensa, rodeá-lo significa ficar sujeito a acelerações monstruosas, e dessa forma sujeitos a uma dilatação temporal enorme.

Rodear o buraco negro daria a nave energia suficiente, mas causaria esse efeito indesejado, por isso essa ideia foi descartada de inicio. Mesmo assim ao entrarem no planeta que estava próximo de Gargantua, sofreram esse efeito, pois cada hora no planeta custou 7 anos da Terra. Quando retornaram a nave mãe, o cientista que havia ficado nela estava 21 anos mais velho que eles.

Após todo o problema que o ator misterioso causa, o personagem principal se vê na obrigação de orbitar Gargantua, e isso custou a ele mais várias dezenas de anos terrestres.

Ondas gigantes

Da mesma forma que a Lua cria o efeito das marés em nosso planeta, Gargantua cria marés imensas naquele planeta, o que causa ondas gigantes que proporcionam uma das cenas mais impressionantes do filme.

Hipercubo e as outras dimensões

Essa é a parte mais ficcional do filme, após ser tragado pelo buraco negro, nosso “herói” consegue sobreviver sem ser esmagado. Apesar disso ser pouco provável, Kip Thorne se baseou na mesma ideia que tinha usado para o wormhole, um tipo especial de buraco negro cuja força gravitacional atuaria somente em algumas direções, permitindo sua entrada sem o famoso efeito espaguete ( a gravidade de um buraco negro é tão forte que se nos aproximássemos dele mergulhando de cabeça, a diferença de força entre nossa cabeça e nosso pés seria tão grande que nos esticaria até nos despedaçar completamente).

A física ainda não tem resposta (e talvez nunca venha a ter) sobre o que acontece no interior de um buraco negro. A Relatividade e a Física Quântica dão respostas contraditórias sobre o que ocorre lá dentro.

Uma teoria que consiga unir esses dois pilares ainda não existe (é o que a filha de nosso herói consegue) e com isso o roteirista pôde brincar com algumas especulações matemáticas interessantes.

No filme o personagem vai parar no interior de um hipercubo. Um hipercubo é uma figura geométrica de n-dimensões. Se n = 2 temos um quadrado, n=3 um cubo, n= 4 um tesseracto, e assim por diante. Menciona-se que naquele local existem cinco dimensões, mas não dizem se isso significa 4 dimensões de espaço e uma de tempo ou cinco dimensões de espaço.

A tentativa de representar em uma tela bidimensional algo que tem cinco dimensões ficou, a meu ver, incrível. A ideia é que estando em outras dimensões podemos visualizar ao mesmo tempo vários ângulos e várias cenas.

Além disso, na teoria das supercordas (uma tentativa de unir a relatividade e quântica) acredita-se que a gravidade seja a única força física que possa transitar entre as várias dimensões. Dessa forma o personagem consegue passar uma mensagem para ele mesmo e depois para a filha só que em um tempo passado. Algo muito difícil de conceber mas que possui respaldo nas mais novas teorias científicas. A passagem linear do tempo pode ser apenas uma ilusão nossa. Talvez passado presente e futuro possam coexistir em algum “lugar”.

Finalizando?

A ideia não era explicar a física do filme. Acho que me empolguei demais e acabou ficando um texto muito longo para os dias de hoje. Mas se você conseguiu chegar até aqui agradeço a consideração e aceito de bom grado criticas e sugestões.

Espero que tenham gostado, ou que gostem do filme como eu gostei. É muito bacana quando conseguimos unir duas coisas que aparentemente parecem tão diferentes: a ciência e a arte. O pensamento racional e a imaginação.

Essas separações bobas que fazemos, acabam virando “verdades” e muitas vezes nos impedem de ir mais longe. Vamos quebrar essas amarras.

PS.: ainda poderia discutir o enredo do filme como um todo, não do ponto de vista da ciência. Mas isso é melhor quando feito em mais pessoas, fica então o poema, citado por um dos personagens, escrito pelo poeta Gales Dylan Thomas. (Obrigado Lauren).

Dylan Thomas

Dylan Thomas

Referências:

 AdoroCinema http://www.adorocinema.com/filmes/filme-114782/

Para saber mais sobre buracos negros, viagens no tempo, relatividade :

O futuro do espaço-tempo ( Stephen Hawking; kip S. Thorne; Igor Novikov; Timothy Ferris; Alan Lightman; Richard Price – Cia das Letras)

O tecido do cosmo – O espaço, o tempo e a textura da realidade (Brian Greene – cia das letras)

Contato com seres extraterrestres. Por enquanto só na ficção.

outubro 1, 2011

Ontem na aula do terceiro ano falei novamente no  livro: Contato (1997 – Cia das Letras)  de Carl Sagan e do filme de mesmo nome:
Título no Brasil:  Contato
Título Original:  Contact
País de Origem:  EUA
Gênero:  Ficção
Tempo de Duração: 150 minutos
Ano de Lançamento:  1997
Site Oficial:
Estúdio/Distrib.:  Warner Home Video
Direção:  Robert Zemeckis

Sinopse:

Durante muito tempo, Elie Arroway (Jodie Foster) tentou manter contato com vidas extraterrestres inteligentes. Deixou de lado sua vida particular e até mesmo o amor do teólogo Palmer Joss (Matthew McConaughey). Depois de anos seu sonho se tornou realidade. Com origem na distante estrela Vega, chega a Terra uma informação cifrada e Ellie é primeira pessoa a captá-la e a única disposta a seguir cegamente a mensagem alienígena. Esta é a sua grande chance de fazer contato, mesmo que para isso tenha que correr risco de vida. Emocionante, fascinante e envolvente… prepare-se para fazer CONTATO.

http://interfilmes.com/filme_12962_Contato-%28Contact%29.html

(acesso em 01/10/2011)

Sou um fã inveterado de Carl Sagan, difícil encontrar um físico que não seja, e mesmo fora do círculos dos cientistas, Sagan foi um ser humano admirado. Não vou falar mais dele aqui, pois ele merece um post a parte que estará pronto logo mais. Quero recomendar essa obra, o filme, cujo roteiro é dele e de sua esposa, e mais ainda o livro.

Como o filme foi lançado por uma grande distribuidora (Warner) ele tornou-se excessivamente comercial e muito do charme que existia no livro se perdeu. Além disso, o filme termina (não vou contar o filme, pode ficar calmo) bem antes do livro. Fica uma impressão de estar faltando algo, e está mesmo!

A história é sobre uma cientista apaixonada por seu trabalho (busca de vida inteligente extraterrestre, através de ondas de rádio). Há algo de biográfico aí, Sagan foi um grande defensor dessa pesquisa e sofreu por isso, muito desdém de outros pesquisadores. Mas a história fala também de dramas pessoais, e do grande debate, ciência e religião. Fé e racionalismo e apesar de ter sido pensada por um cientista traz uma grande reviravolta nesse debate.

Aguardo o comentário daqueles que leram o livro e/ou viram o filme.

Segue o link para o começo do filme, se quiser assistir por pelo You Tube é possível, mas tem que ser  em 15 partes, de dez em dez minutos. Recomendo que aluguem o DVD, principalmente por que tem umas imagens lindas. Ah uma provocação: Vocês entenderam esse comecinho?