Archive for the ‘Viagem no tempo’ Category

Dark – A opinião de um professor de Física – parte 1

julho 25, 2020

Aviso: Não contém spoilers

O programa de Física exigido pelos vestibulares das principais universidades públicas do país é insano. Para dar um exemplo a Fuvest em 2020 exige 59 tópicos distribuídos em 13 diferentes áreas da Física. Apesar de tanta exigência temas como Abordagens conceituais da Teoria da Relatividade e discussões sobre a natureza do tempo não fazem parte do programa. É fácil entender porque a maioria dos colégios particulares não incluem esses temas tão importantes e intrigantes, infelizmente se deixam levar pelas exigências dos vestibulares. Fica a critério dos professores de Física abrirem em suas aulas algum momento para que essas discussões, que sempre motivam a maioria dos alunos, sejam abordadas.

Do meu ponto de vista há uma inversão de valores. O atual BNCC (Base Nacional Comum Curricular) permite, e mesmo o anterior PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) também permitia, a inclusão dos temas referentes a Física Moderna como a discussão sobre a natureza do tempo. Mas as escolas preferem seguir a exigência do vestibular quando deveria ser o contrário, os vestibulares é que deveriam cobrar o que as escolas estão trabalhando.

Felizmente trabalho há mais de 20 anos em uma escola que permite essa abordagem, como parte do programa e não apenas em algumas aulas. Faço isso em uma disciplina eletiva e até mesmo no Plano de Ensino do Curso de Física. No último trimestre do 3 ano do ensino médio discutimos as mudanças conceituais trazidas pela Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica. Como a discussão é feita apenas de forma conceitual, sem a matemática envolvida nessas novas teorias, faço uso de vários textos, livros, filmes e séries.

E foi através de um aluno do ensino médio em 2018 (o querido Mathias) que fiquei conhecendo a série alemã: Dark criada por Baran bo Odar e Jantje Friese e transmitida pela Netflix. Assisti à primeira temporada em 2018 e tive que rever em 2019 antes de assistir à segunda temporada pois não me lembrava perfeitamente da trama e principalmente devido às complexas árvores genealógicas (a série me fez lembrar do livro: Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez, eu ficava perdido na árvore genealógica pois há vários Antônios em uma mesma família). A Wikipédia classifica Dark como uma série de drama, suspense e ficção científica, classificação essa que não quer dizer muita coisa.

Vou dividir esse post em mais de uma parte pois ainda não acabei de assistir à terceira temporada (por favor não dê spoilers nos comentários), peço então um pouco de paciência por isso, mas tem muita coisa a ser dita sobre a série não apenas sobre os conceitos físicos, mas também a relação com outras séries e filmes, como Lost, Interestelar, De volta para o futuro, Donnie Darko, etc. Vou começar pelas questões físicas da viagem no tempo, mas depois quero falar sobre os paralelos com essas obras.

Não vou me atrever a comentar os detalhes cinematográficos da série pois não tenho competência para isso e nem quero fazer julgamento de valor do ponto de vista científico (isso está errado, isto está certo) pois acredito que isso não se aplica a nenhuma obra artística. Acho incrível quando temas da Ciência e principalmente da Física são usados para obras artísticas, mas isso não quer dizer que elas tenham que ser exatas, servem geralmente como inspiração.

Há casos onde especialistas são chamados para uma consultoria ou até mesmo auxiliam na construção do roteiro. Nesse caso deseja-se uma maior fidelidade com os conceitos para que um maior realismo seja conseguido, mas não podemos esquecer que se trata de uma obra de ficção, e do meu ponto de vista a criatividade deve estar acima da exatidão, afinal de contas “o que é a Realidade?” , isso já dá uma boa discussão filosófica.

Minha intenção aqui é bater um papo com quem está acompanhando a série e aproveitar para falar um pouco sobre como a Física enxerga algumas questões apresentadas na série e mostrar como algumas coisas que aparentemente consideramos chatas quando estudamos na escola, podem ser incríveis ao serem vistas de outra forma.

Viagem no tempo

Diferente de muitas histórias onde ocorrem viagens no tempo para se mudar alguma coisa do passado ou para se saber algo do futuro, a história de Dark é toda construída sobre os laços temporais e as consequências de se viver em uma linha de mundo em looping.

A Teoria da Relatividade Restrita que Albert Einstein publicou em 1905 já deixa claro que o tempo não passa igual para todo mundo. Observadores que estão em diferentes referenciais sentirão diferentemente a passagem do tempo. Mas para que a percepção seja significativa, seria necessário que um dos observadores estivesse viajando a velocidades ainda inimagináveis para corpos do tamanho do nosso. Algo em torno de 10% da velocidade da luz no vácuo (cerca de 30 mil km/s ou 108.000.000 km/h). Além disso trata-se de uma viagem apenas para o futuro, sem a possibilidade de ir ao passado, seria como se alguém que está em altíssima velocidade ficasse quase congelado, o tempo passa devagar se comparado com alguém que está em repouso na Terra.

Mas em 1916 Einstein publica a Teoria da Relatividade Geral. Essa teoria consegue incorporar a gravidade em seu escopo e com isso generaliza as alterações no espaço-tempo. Assim estar próximos de corpos extremamente massivos (como buracos negros) também provoca uma redução no ritmo de passagem do tempo. Além disso a teoria permite, ainda que seja apenas matematicamente, a existência de uma espécie de portais para outras posições no espaço e também no tempo, os chamados vulgarmente de buracos de minhoca (wormhole) ou mais tecnicamente: ponte Einstein-Rosen. Não sabemos ainda se esses buracos no tecido do espaço-tempo são reais ou apenas especulações matemáticas, mas os buracos negros também eram apenas especulações e hoje sabemos que eles são objetos cósmicos reais.

Supondo que a ponte Einstein-Rosen exista e que ela permita a passagem de um ser humano (o que é mais uma especulação matemática) este poderia, em princípio, viajar ao futuro ou ao passado.

Alguns físicos argumentam que a viagem ao passado é proibida pela Segunda Lei da Termodinâmica. Essa lei pode ser enunciada de várias formas diferentes e envolve conceitos não muito simples como a Entropia. Mas falando de forma grosseira podemos dizer que é essa lei que apresenta a seta temporal, isto é, uma direção e um sentido para o tempo.

As Leis da Mecânica são perfeitamente reversíveis no tempo, elas exigem que exista um tempo pois sem ele não haveria sentido falar em movimento, mas para a Mecânica o tempo pode ir para frente ou para trás. A equação que descreve o movimento de um pêndulo é a mesma quando ele desce e quando ele sobe. Já na Termodinâmica não é assim, um sistema termodinâmico evolui num único sentido temporal: você está acostumado a ver uma xícara de chá quente esfriar naturalmente. Mas não vê um copo de água fria repentinamente ferver sem uma fonte de calor. A Segunda lei da Termodinâmica proíbe essa transformação afirmando: “O calor sempre vai, de forma natural, dos corpos quentes para os corpos frios”. ou “É proibido que o calor saia de uma fonte fria e vá para uma fonte quente sem a injeção de energia”.

Assim poderíamos dizer que a Segunda Lei da Termodinâmica proíbe a viagem ao passado?

O grande físico austríaco Boltzmann fez uma abordagem diferente da Termodinâmica, introduzindo a Mecânica Estatística. Após essa nova interpretação não podemos mais dizer que é proibido que tal evento ocorra, mas sim que é extramente improvável.

Podemos então afirmar que as viagens ao passado são extremamente improváveis e que exigiria uma quantidade de energia absurda para acontecer, mas afirmar que elas são impossíveis talvez seja um erro.

Paradoxos

O problema de se viajar ao passado são os paradoxos que podem surgir se alguma alteração for feita. Um dos mais famosos é o paradoxo ontológico ou paradoxo “bootstrap”, em que alguma coisa existe sem ter sido efetivamente construído (efeito sem uma causa). Outro também famoso é o paradoxo do avô, em que você viaja ao passado e de alguma forma impede que seus pais se conheçam e dessa forma impede seu próprio nascimento (não há necessidade de matar o seu avô, mas é isso que dá nome ao paradoxo).

Na Ciência um paradoxo é geralmente sinal de que algo na teoria está errado, por isso a Ciência evita os paradoxos, ou tenta solucioná-los quando eles surgem.

A Física teórica geralmente usa duas formas diferentes de solução para evitar os paradoxos da viagem ao passado:

  • Negar o paradoxo através da extinção do livre arbítrio;
  • Usar uma possível interpretação da mecânica quântica chamada: interpretação dos muitos mundos.

Igor Novikov no excelente artigo: “Pode-se mudar o passado?” Publicado no livro: “O futuro do espaço tempo” (Cia das Letras, página 60) explica de forma brilhante que enxergar um paradoxo é na verdade um erro de lógica. Ele argumenta que o paradoxo só existe se a situação for discutida duas vezes, de duas maneiras diferentes. Na primeira sem a viagem ao passado e na segunda com a viagem que ocasiona uma mudança do primeiro evento. Por exemplo: seus pais se conheceram e depois você nasceu. Ao viajar ao passado e impedir esse encontro você não teria nascido, resultado: criamos um paradoxo pois como você pode ter nascido se seus pais não te conceberam?

Mas do ponto de vista de Novikov você pode até voltar ao passado mas não teria como impedir o encontro deles, pois o fato: “você ter nascido” já ocorreu, ainda que seja no futuro e ter ido ao passado não é uma “volta” porque você já estaria no passado desde a primeira vez, mesmo sem ter nascido ainda. Difícil de entender? Sim bastante, mas essa dificuldade é devida à complexidade das vontades humanas ao livre-arbítrio.

Vamos tentar com um exemplo mais fácil, sem a interação de um ser pensante: imagine que um cometa do futuro tenha entrado em um buraco de minhoca e aparecido no passado no planeta Terra e levado os dinossauros à extinção. Agora imagine que nesse ano a NASA nos dê uma terrível notícia: um cometa gigante está em rota de colisão com a Terra (nossa! Já não bastasse essa terrível pandemia). Quando todos já estavam desesperados com o fim do mundo o cometa misteriosamente desaparece. A NASA e outras agências espaciais então detectam estranhas perturbações gravitacionais, indicando a presença de um possível buraco de minhoca ou buraco negro.

Nesse segundo exemplo não há paradoxo, pois a extinção dos dinossauros já aconteceu desde a primeira vez. Por mais difícil que seja aceitar essa visão ela não comete erros de lógica. Mas ela exige duas premissas que fogem do nosso censo comum: A não linearidade do tempo, isto é, o passado não ocorre antes do presente e do futuro. Segundo a física moderna, passado, presente e futuro podem estar acontecendo simultaneamente. Por isso você não surgiu no encontro de seus pais necessariamente antes de ter nascido ( no primeiro exemplo). A segunda premissa é a negação da existência do livre arbítrio: Como o futuro já está acontecendo junto com o presente e também com o passado, as escolhas são meras ilusões.

Outra saída para evitar o paradoxo da alteração do passado consiste em uma hipótese ainda mais difícil de ser aceita: A possibilidade da existência de outros mundos (uma espécie de multiversos, ou universos paralelos, mas esses nomes são usados para outras hipóteses físicas).

Em 1957 Hugh Everett III em sua tese de doutorado defende a IMM Interpretação de muitos mundos para a Física Quântica o que significa dizer , ainda que de uma forma sem muito rigor matemático, que para cada possibilidade de escolha que ocorre no universo, todas as possibilidades são verificadas, mas em diferentes mundos. Por exemplo: Um átomo de urânio é radioativo e se desintegrará emitindo uma partícula alfa e se transformando no elemento químico chamado tório. Na interpretação mais aceita da mecânica quântica (Interpretação de Copenhague) afirmasse que não é possível saber quando ocorrerá essa desintegração, podemos apenas calcular a probabilidade dela acontecer ou não. É por isso que trabalhamos com o conceito de meia vida para os elementos radioativos. Na interpretação de muitos mundos poderíamos afirmar que se em cada instante há 50% de chance do átomo desintegrar ou não, então ele estará desintegrando a todo instante porém em algum outro mundo.

Outro exemplo mais clássico é o lançamento de uma moeda. Se jogarmos uma moeda para cima e ao apanharmos ela deu cara, isso significa que um outro mundo idêntico ao nosso foi criado e nesse mundo o resultado foi coroa. Caso tivéssemos jogado um dado, seis novos mundos idênticos teriam sido criados.

Ao retornar ao passado, podemos alterar algum evento, mas um paradoxo não será criado porque essa volta ao passado ocorrerá em um outro mundo. No exemplo de impedir o encontro dos pais sua versão existirá, mas o evento que te deu origem não ocorrerá pois você não nascerá, já que nasceu em outro mundo e não poderá mais voltar a ele.

Dark e os paradoxos

Alerta de Spoiler 1: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos até o episódio 7 da primeira temporada.

Uma das coisas que mais gostei em Dark é o fato deles evitarem o paradoxo do avô através da negação do livre arbítrio. Não há paradoxo porque o desaparecimento de Mikkel Nielsen no ano de 2019 o leva para 1986 e lá ele cresce como Michael Kahnwald que então conhece Hannah e com ela se casa. Eles então tem um filho Jonas, que em 2019 é bem mais velho do que Mikkel (seu futuro pai). Não houve uma alteração do passado, Mikkel não impediu que Michael conhecesse Hannah, ele é o próprio Michael, eles são a mesma pessoa.

Alerta de Spoiler 2: Caso você não tenha assistido a nenhum episódio e deseja assistir sem spoiler, pare de ler e volte após ter assistido pelo menos a primeira e segunda temporada.

O tempo todo o paradoxo do avô é evitado através da primeira possibilidade explicada acima, as viagens no tempo geram um looping nas linhas de tempo.

Mas no último episódio da segunda temporada a série faz uso da segunda versão da fuga do paradoxo, usa-se a Interpretação dos muitos mundos. Uma outra Martha surge e ela deixa claro que não é a Martha “deles”: quando Jonas pergunta de que ano ela veio ela responde, não é “de quando”, mas “de onde”.

Já no início da terceira temporada Martha (que agora tem o cabelo mais escuro) deixa claro que veio de outro mundo.

Como parei no segundo episódio da terceira temporada vou parar por aqui as análises físicas e começar a falar sobre o que eu acho da série a partir de comparações com outras séries, mas isso em outro post pois esse já ficou muito longo.

Observações chatas:

Como disse antes não gosto de apontar falhas científicas ou “erros” conceituais em obras artísticas pois não há nenhuma obrigação de fidelidade, mas apenas para tentar evitar esse tipo de comentário e por uma necessidade didática (para que alunos não tenham uma compreensão errada de algumas coisas) vão algumas observações:

O bóson de Higgs (ou partícula de Deus como foi chamada por motivos comerciais pela mídia) não tem nada a ver com viagem no tempo, ele está relacionado com o campo de Higgs, que seria o responsável pela massa dos corpos.

Ele também não pode ser detectado em reatores atômicos, mas sim em aceleradores de partículas. E não é qualquer acelerador, demorou-se mais de 40 anos para se construir um acelerador capaz de produzir essa partícula (o LHC).

O bóson de Higgs é uma partícula subatômica portanto ela é invisível a olho nú.

Em um determinado episódio um personagem está sofrendo uma autópsia e o legista afirma que há um excesso de radioatividade no corpo da pessoa, que talvez ela tenha sofrido uma exagerada exposição a raio-X. O raio X não é emissão radioativa (apesar de ser radiação ionizante) e uma pessoa que foi exposta a radioatividade não se torna radioativa. A emissão de radioatividade só aconteceria se ela se contaminar ingerindo ou encostando em material radiativo que então grude no corpo dela.

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Viagem no tempo III e Cérebro eletrônico IV: Fazendo nossa mente viajar no tempo

julho 19, 2011


Quando pensamos em uma máquina do tempo logo nos vem à mente a possibilidade de consertar erros do passado ou de fazermos escolhas diferentes. A grande questão (que já foi mencionada nos outros posts sobre o assunto) é sobre a possibilidade, ou não, de alterar o passado.

Mas podemos pensar em outra possibilidade, em que os paradoxos não precisam acontecer: uma viagem ao passado sem interferência, apenas de observação.

Existem momentos vividos por mim que eu gostaria de reviver, ou de pelo menos passar novamente pela experiência. Nossa memória é impressionante, mas não é perfeita, não consegue reter a experiência com exatidão (nem poderia, esquecer é algo essencial), além disso, podemos ter recordações que não são reais, que foram distorcidas ou confundidas por sonhos ou relatos de outras pessoas.

Mesmo que a lembrança pudesse estar intacta, ainda assim gostaria de vivenciá-las novamente, só recordar não basta.

Imagine uma máquina do tempo que pudesse nos levar para um momento passado como observador, como se estivéssemos vendo um filme, mas o nosso filme, sendo visto de dentro. Reviver emoções incríveis, que lembramos com saudades, ou até mesmo aquelas que não recordamos mais, como o momento de nosso nascimento, nossos primeiros passos, o sorriso de nossos pais quando dissemos: mamãe ou papai, o primeiro beijo.

No filme de ação: Déjà Vu ( 2006 ) com Denzel Washington e Paula Carlin e direção de Tony Scott, a ideia inicial é justamente uma máquina que permite ver o que aconteceu no passado. Uma espécie de máquina do tempo só de observação, mas entre a ficção científica e o filme de ação, a opção foi a segunda e o filme acabou se transformando em apenas mais um filme de entretenimento, uma boa ideia que foi desperdiçada.

Nos dois primeiros posts sobre viagem no tempo comecei a abordar, pelo lado da física, a possibilidade teórica de se viajar no tempo. Nenhum físico pode ainda provar que uma máquina do tempo pode ser construída, assim como nenhum físico pode ainda provar que ela não possa ser construída.

Mas o tipo de viagem no tempo que mencionei no começo deste post pode ser possível, não através de uma máquina do tempo, mas de outra forma, tão surpreendente quanto esta, típica das histórias de ficção científica, mas tecnicamente possível em um futuro não muito distante.

O neurocirurgião brasileiro Miguel Nicolelis que, segundo a prestigiada revista Scientific American, é um dos vinte maiores cientistas da atualidade, nos conta logo no primeiro capítulo do seu mais recente livro: Muito além do nosso eu – Companhia das Letras, como esse tipo de experiência que eu relatei poderia se tornar realidade.

Nicolelis lidera um grupo de neuroengenharia na Universidade Duke na Carolina do Norte (EUA). Suas pesquisas ganharam fama mundial e ele já foi cotado várias vezes ao prêmio Nobel de medicina. Entre seus feitos estão o desenvolvimento de uma cirurgia que minimiza os efeitos do mal de Parkinson e dispositivos intracranianos, que implantados no cérebro de uma macaca, fizeram a mesma mover um braço robótico apenas com a “força” do pensamento.

Grosseiramente falando, a técnica de Nicolelis consiste em conseguir, através de dispositivos que ele chama de interfaces cérebro-máquina (ICM), fazer uma “leitura” dos sinais nervosos enviados pelo cérebro. Em seguida, esses sinais são convertidos em sinais elétricos, através de um software, que comandam um sistema robótico. O sonho de Nicolelis é conseguir fazer com que paraplégicos possam usar essa tecnologia para mover uma espécie de exoesqueleto robótico e dessa forma voltar a andar. E num futuro próximo comandar diretamente, através do pensamento, próteses biônicas.

Mas Nicolelis pensa muito mais longe, acreditando que isso é só o começo de uma grande revolução. Num futuro um pouco mais distante será possível, segundo ele, dispensar o mouse, o teclado ou qualquer outro dispositivo de comando para se acessar o computador, poderemos inclusive acessar a internet apenas pensando, o que ele chama de “brainet” (brain = cérebro, em inglês). Nas palavras de Nicolelis:

Se esse exemplo não é suficientemente sedutor, imagine se você de repente pudesse experimentar toda gama de sensações despertadas por um simples toque na superfície arenosa de um outro planeta, milhões e milhões de quilômetros distante daqui, sem ao menos sair de sua sala de estar. Ou ainda melhor, como você se sentiria caso lhe fosse dado acesso a um banco de memórias de seus ancestrais remotos, de modo que pudesse, num mero instante, recuperar os pensamentos, emoções e recordações de cada um desses seus entes queridos, criando assim, por meio de impressões e sensações vividas, um encontro de gerações que jamais seria possível de outra forma? 1

Veja que não está se falando de simplesmente ter acesso a essas emoções como se fosse um filme. Essas emoções e pensamentos, registrados na forma de sinais elétricos, poderiam ser gravados e depois enviados aos nossos cérebros, de tal maneira que teríamos a exata sensação de estar vivendo aquilo, como acontece em um sonho.

A base da tecnologia já existe. Em seus experimentos Nicolelis mostrou que o cérebro da macaca reconheceu o movimento do braço mecânico, enviado através de sinais elétricos por eletrodos implantados no cérebro, como se fosse ela mesma que estivesse movendo diretamente com seu braço. No início, a macaca fazia o movimento através de um joystick, mas depois percebeu que não era preciso realizar o movimento, bastava pensar.

Infelizmente, mesmo que essa espécie de viagem no tempo venha a se tornar realidade, ela não me permitirá reviver minhas emoções de criança, simplesmente porque eu não as gravei nesse banco de memórias. A menos que seja possível, e aí já é viagem minha, recuperar essas memórias de algum jeito, mas a forma como o cérebro armazena nossas memórias ainda é um mistério.

Mais uma vez parece que a vida imita a arte. Se você não viu, veja o excelente filme “Vanilla Sky” de 2001 de Cameron Crowe, estrelado por Tom Cruise, Cameron Dias e Penélope Cruz. Esse filme é na verdade uma refilmagem do também excelente “Abre los ojos” (1997) de Alejandro Amenábar e Mateo Gil, estrelado por Eduardo Noriega e a mesma Penélope Cruz. Após assisti-lo você entenderá onde estou querendo chegar.

Referência Bibliográfica:

1 – Nicolelis, Miguel  – Muito além do nosso eu – Companhia da Letras – 2011 – páginas 25 e 26.


Viagem no tempo – Parte II

abril 15, 2011

Estou agora coçando a cabeça e pensando: “Onde é que eu fui me meter…..” Na parte I deixei claro que sempre evitei escrever sobre viagens no temo, pois o assunto é complexo, e por não conseguir me livrar dessa mania de ser professor, quero explicar, ensinar, enfim dar uma aula sobre o tema. Mas aqui não é lugar para aulas. Nessa série de posts sobre viagens no tempo vou discutir aleatoriamente sobre teorias, livros, filmes, etc., sem uma preocupação em ser didático. Como se fosse um bate papo, uma conversa de botequim.

Para aqueles que quiserem saber mais vou indicar alguns livros e ou artigos interessantes. Por exemplo: indico fortemente o livro “O FUTURO DO ESPAÇO-TEMPO”, da Companhia das Letras. São seis artigos escritos pelos físicos: STEPHEN W. HAWKING, KIP S. THORNE, IGOR NOVIKOV, TIMOTHY FERRIS, ALAN LIGHTMAN E RICHARD PRICE.

Os artigos são ótimos, inclusive o do Stephen Hawking, bem melhor do que seus livros mais famosos. O do russo Igor Novikov propõe uma saída interessante para o famoso paradoxo de voltar ao passado e impedir que sua mãe encontre seu pai e dessa forma você não teria nascido, logo como poderia ter voltado ao passado? Esse tipo de paradoxo, explorado no clássico “De volta para o futuro”, um filme de ficção científica norte americano de 1985, dirigido por Robert Zemeckis. Segundo Novikov, o paradoxo só existe porque insistimos em achar que existem duas realidades, o passado inalterado (antes do viajante do futuro chegar) e o passado com a visita do viajante do futuro (como acontece no filme). Para Novikov a volta ao passado implica uma alteração já no passado inalterado, isto é, quando ele ainda era presente. Ta confuso né? Vou tentar melhorar com um exemplo:

Imagine um jogo de sinuca onde uma bola está indo para uma caçapa, mas ao entrar na caçapa ela volta no tempo e aparece, alguns segundos antes, da sua versão antiga entrar na caçapa, ela então colide com sua irmã gêmea impedindo que ela entre no buraco onde voltaria no tempo. Criamos então um paradoxo, a bola entrou ou não na caçapa?

O que Igor Novikov argumenta é que o paradoxo só existe porque imaginamos duas situações, a primeira onde só havia uma bola e a segunda onde temos duas bolas. Como ao entrar na caçapa a bola volta no tempo, ela então já aparece desde a primeira vez, teremos então duas bolas, e a segunda bola poderá até colidir com a primeira bola, mas não vai alterar significativamente a trajetória dela, de forma que seu destino está traçado, ela vai entrar na caçapa para então colidir com sua versão mais nova. Não há formas de evitar que a bola entre na caçapa, pois nesse caso teríamos o paradoxo. Se a bola voltou ao passado, então isso ocorreu, e pronto, não houve uma versão onde só havia uma única bola.

Nessa visão o livre arbítrio está condenado. Ele começa a discussão com bolas de bilhar, pois elas formam um sistema físico simples. Depois o russo passa para casos mais complexos, sempre argumentando da mesma forma. Mas bolas de bilhar não tem vontade própria. Fica difícil imaginar porque não poderíamos mudar uma decisão tomada anteriormente. Por exemplo: Digamos que você entre numa máquina do tempo. retornando em meados dos anos 90, e invista em uma empresa recém criada chamada Google. Em alguns anos você tornar-se-á um milionário, assim que as ações dessa empresa dispararem. Mas se Novikov estiver certo isso será impossível, se você não é um milionário hoje, então você não terá como se tornar um milionário no passado. Se era para acontecer já teria acontecido desde a primeira vez Mas o que poderia impedir você de comprar essas ações? Novikov argumenta que essa violação no livre arbítrio pode parecer estranha, mas não é impossível: assim como não podemos andar pelo teto, porque a lei da gravidade nos proíbe, não podemos alterar o passado.

Bem você acha que ele pode estar certo?

Será que outros físicos pensam de forma diferente? Aguardem viagem no tempo parte III.

Viagem no tempo – parte I

março 27, 2011

Gosto muito de falar sobre viagem no tempo, mas sempre evitei escrever aqui sobre isso. O motivo principal é que já é difícil falar disso em um curso inteiro de um semestre. Mais ainda numa palestra de uma hora e meia. Imagina então em poucas linhas. Mas duas coisas me fizeram mudar de ideia. A notícia veiculada no site Inovação tecnológica, cujo título é:

LHC pode se tornar a primeira máquina do tempo do mundo

(http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=lhc-maquina-do-tempo&id=010130110316&ebol=sim – Capturado em 21/03/2011)

Imagem do interior do LHC (maior acelerador de partículas do mundo)

e um curta metragem que me foi enviado na semana passada, cujo link estará logo abaixo, que aborda um cientista que fica preso num loop de tempo, como o Phil do filme Feitiço do tempo (Groundhog Day, 1993, Direção: Harold Ramis, roteiro: Danny Rubin), mas diferente da comédia americana, a história do curta brasileiro não é nada divertida, pois o cientista não tem tempo para aprender nada.

Decidi então começar uma série de post abordando o assunto Viagem no tempo, tema esse abordado em meu curso de Física e Tecnologia Moderna do 2º. ano do Ensino médio do Oswald de Andrade e no curso do 3º. ano na disciplina de física.

O Tema viagem no tempo aparece primeiramente na ficção científica, o grande clássico é A máquina do tempo de 1895, escrito por H.G. Wells. Dez anos depois a ciência chega junto da ficção. Uma teoria científica abala os alicerces da física e coloca a viagem no tempo para o futuro como uma possibilidade teórica, ainda que de uma forma “sem graça”. Estou falando da Teoria da Relatividade Restrita de Albert Einstein, que afirma que observadores em referenciais diferentes, irão medir diferentes unidades de tempo. Dessa forma dois irmãos gêmeos poderão, desde que tenhamos tecnologia para isso, ter idades bem diferentes.

Em 1916 Einstein publica a Teoria da Relatividade Geral. Nessa teoria, muitas ordens de grandeza mais complexa que a Restrita, viagens no tempo para o passado são possibilidades matemáticas, mas consideradas impossíveis por vários físicos, inclusive pelo próprio Einstein. Mas uma teoria científica não é como uma obra de arte, cujo autor tem plenos poderes sobre ela, ele decide quando ela está pronta ou não. Uma teoria científica é um modelo criado por alguém, ou por um grupo de pessoas, mas que ao ser publicado cai em domínio público. Os autores perdem o direito sobre sua teoria e novas opiniões e contribuições são feitas.

Vários cientistas estão fazendo trabalhos sérios sobre a possibilidade de viagens no tempo, não apenas para o futuro, mas também para o passado. Artigos publicados em revistas científicas e livros abordando possibilidades, ainda que somente teóricas, estão disponíveis e alguns viraram até Best Sellers, como Uma breve história do tempo e O universo numa casca de noz de Stephen Hawking. Mas nos próximos posts eu indicarei livros melhores do que esses, como por exemplo: O enigma do tempo de Paul Davies (confesso que não gosto de como Stephen Hawking  escreve).

Aguardem: Viagem no tempo parte II, enquanto isso leiam o artigo sobre o LHC e assistam ao curta Loop (são apenas 6 minutos).