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Vida diferente da nossa II – A NASA precipitou-se novamente?

janeiro 29, 2011

No post anterior (Vida diferente da nossa) abordei a descoberta da NASA de que uma determinada bactéria (GFAJ-1) parecia ter trocado o átomo de fósforo pelo arsênico na sua estrutura do DNA. O verbo parecer foi usado por mim porque no próprio artigo os autores mencionam a necessidade de confirmações dos seus trabalhos. Após o pronunciamento vários pesquisadores criticaram, não apenas os resultados do trabalho, como a forma de divulgação.

Na revista Scientific American Brasil do mês de fevereiro de 2011 saiu um excelente artigo do professor titular do Departamento de Biofísica do Instituto de Biociências da UFRGS, Jorge Alberto Quillfeldt, coordenador, desde 2003, da primeira disciplina regular de exo/astrobiologia em uma universidade pública brasileira. Neste artigo ele discute as controvérsias em torno da descoberta da NASA.

A principal critica feita à NASA foi sua divulgação pública, antes da aceitação da publicação em uma revista especializada, no caso a prestigiosa revista Science. Não se trata apenas de furo de reportagem. As revistas especializadas, do porte da Science, são extremamente exigentes com os artigos que são publicados. Quando recebem qualquer artigo, ele é enviado a um especialista da área para seu parecer, este especialista pode recomendar que o artigo seja publicado, pode sugerir alterações, ou até mesmo recomendar a não publicação do artigo. Esse trâmite todo é demorado e quando se trata de um assunto polêmico alguns pesquisadores divulgam simultaneamente na mídia em geral. Isso não é visto com bons olhos no meio científico, pois é como se os pesquisadores estivessem fugindo de um pré-julgamento. O artigo vai ser avaliado por todos antes do primeiro revisor.

Várias são as histórias de publicações bombásticas, divulgadas na mídia em geral, cujos trabalhos foram recusados pelas revistas especializadas posteriormente, ou que tiveram seus resultados contestados. Em 1989 os pesquisadores  Martin Fleischmann e Stanley Pons na  Universidade de Utah chocaram o mundo quando anunciaram uma forma simples de produzir enormes quantidades de energia, a fusão nuclear a frio (em breve vou produzir um post detalhando essa história) fato esse que não foi verificado posteriormente. O livro “A impostura científica em dez lições” de Michel de Pracontal editora UNESP, traz diversos casos de erro ou fraude na ciência.

Por que então, uma agência tão importante quanto a NASA, iria usar um artifício desse e colocar sua reputação em risco?

Na verdade não é a primeira vez que ela faz isso. Em 1996, a NASA enviou um artigo à Science, mas antes de sua aceitação foi a público divulgar que “aparentemente” tinham encontrado evidências fósseis de vida extraterrestre, em um meteorito que veio de Marte, encontrado na Antártida, o famoso meteorito ALH84001. Até hoje os trabalhos se mostram inconclusivos, não é possível afirmar se os fósseis são realmente marcianos ou se foram contaminados ao entrar em nossa atmosfera.

Segundo Jorge Alberto a NASA faz essa divulgação com grande estardalhaço, para conseguir uma maior adesão popular, e dessa forma conseguir que o congresso americano libere mais verbas para suas pesquisas. Por exemplo, após o envio das sondas Viking em 1976, a NASA ficou por mais de 20 anos sem pesquisar Marte diretamente, e após a divulgação desse suposto meteorito várias missões à Marte foram enviadas, inclusive com o envio de robôs que puderam explorar o solo marciano.

É bem provável que esse anúncio do ano passado tenha tido o mesmo objetivo, já que a aposentadoria dos ônibus espaciais, principalmente por causa do enorme custo e dos terríveis acidentes, é um sinal de que houve um bom corte nos investimentos.

Jorge Alberto qualifica como inadequada cientificamente essa atitude da NASA, mas acredita que esse tipo de pressão popular é importante para contrabalançar os gastos com ciência, dos gastos com armamento militar, em suas palavras:

“(…) parece-nos bastante apropriado que se gaste mais com ciência e menos em armas e guerras, pois o benefício da ciência se estende a toda humanidade”.

Eu concordo com ele, mas trocaria a palavra estende por pode se estender, ainda estamos longe de ter essa consciência global, os benefícios da ciência estão normalmente associados àqueles que investiram nela (grandes empresas e corporações) e que buscam o retorno, geralmente com um fator multiplicador absurdo.

Mas voltando ao trabalho divulgado no ano passado, o que está sendo contestado?

A grande dúvida é se o elemento fósforo foi realmente trocado pelo arsênico na estrutura do DNA. Vários pesquisadores acham difícil que isso tenha realmente ocorrido, e alegam que os dados fornecidos não são conclusivos.

O fósforo ocupa um lugar central no esqueleto molecular da cadeia do DNA. Se esse lugar fosse ocupado pelo arsênico, ao invés do fósforo, ele não duraria muito tempo em contato com a água. Essa é uma evidência de que não houve substituição completa, alegam os críticos.

Tirando-se a questão da divulgação precipitada, não há nada de errado em divulgar um trabalho com essas questões duvidosas. É assim mesmo que se faz ciência e é por isso que existem as revistas especializadas. São meios de divulgação de estudos, onde os cientistas podem debater, discordar, concordar, aprimorar, corrigir. Não há verdades eternas, nem estudos 100% infalíveis.

A equipe da NASA fez uma importante descoberta, que pode enriquecer bastante a questão se estamos ou não, sozinhos no universo. Mas ela (NASA) é um instituto de pesquisa como outro qualquer. Diferentemente dos times de futebol milionários, dos programas de reality show, do mundo da moda, dos orçamentos militares, esses institutos de pesquisa trabalham com ciência, cujo retorno financeiro não é sempre certeiro e pior nem sempre é visto com bons olhos pela sociedade. Quantos de vocês já não ouviram:

“Mas também, que os cientistas têm que ficar querendo saber de tudo? Que interessa saber se tem vida lá fora? Não é melhor cuidar da vida aqui de dentro?”

Esse tipo de raciocínio estreito é muito comum infelizmente, não vou respondê-lo agora, ou melhor, segue outro tipo de resposta:

“… quando a ignorância é felicidade,

é loucura ser sábio.”

Thomas Gray

Bibliografia:

Quillfeld, J.A. Controvérsias em torno das bactérias arsênicas – Scientific American Brasil ano 9 n 105 – paginas: 64 a 69.

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Vida diferente da nossa

janeiro 17, 2011

Salvador Dalí - "Ovo Cósmico"

Começo 2011 com uma notícia já velha de 2010: A descoberta, feita pela NASA, de uma bactéria que usa o elemento químico arsênio (ou arsênico) no lugar do elemento fósforo, para sua sobrevivência.

Em 29 de novembro de 2010, a NASA anunciou que faria uma coletiva de imprensa para anunciar uma descoberta em astrobiologia. Evidentemente a especulação foi geral, seria a tão esperada comprovação de vida fora da Terra?

A decepção, para quem esperava algo assim foi grande, mas a descoberta anunciada é muito importante para a ciência. Felisa Wolfe-Simon e seus colegas descobriram uma bactéria, que foi chamada de GFAJ-1, em um lago da Califórnia (Lago Mono) que não só suporta quantidades grandes de arsênico (um veneno para quase todas outras formas de vida) como parece substituir o fósforo por esse elemento. Mas porque isso é tão importante?

Bactéria GFAJ-1

Um amigo meu, professor de biologia, ficava irritado quando os alunos o questionavam com a seguinte pergunta: “Mas e se descobrirmos uma forma de vida diferente da que temos aqui?” Ele ficava irritado porque passava várias aulas discutindo com eles o conceito do que é vida, e uma questão como essa colocava por terra toda a discussão. Deixa eu me explicar melhor.

Em ciência precisamos definir alguns conceitos para criar uma teoria. Há definições que são extremamente simples, algumas mais complexas e outras que nem conseguimos definir claramente, como o conceito de energia (alguns podem discordar dizendo que energia é a capacidade que um corpo tem de realizar trabalho, mas no meu entender essa é uma definição muito pobre) e o conceito de vida.

Vejamos por exemplo a definição de água: Substância formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Uma definição bem simples não? Mas e se tivermos um átomo de oxigênio a mais? H2O2 seria ainda água? A resposta é não, pois a definição foi clara, dois átomos de hidrogênio e somente um de oxigênio. No caso essa substância é um peróxido, a água oxigenada. Para complicar mais um pouco esse mesmo exemplo, suponha que tenhamos os átomos de hidrogênio trocados pelo seu isótopo o deutério (isótopo é um elemento químico que tem o mesmo número atômico mas diferente numero de massa). Teremos então a substância d2O que é chamada água pesada. Ela tem esse nome porque o hidrogênio é o único elemento que não tem nêutron em seu núcleo, ele é formado apenas por um próton e um elétron, o deutério possui no núcleo, um próton e um nêutron, dessa forma sua massa atômica é o dobro da massa do hidrogênio, por isso a substância é chamada de água pesada ou óxido de deutério, e suas propriedades não são iguais a da água, apesar dela existir junto com a água (estima-se que para cada 1 litro de água exista uma molécula de água pesada).

A definição do que é vida é bem mais complicada do que a definição do que é água. Na verdade não há um consenso entre os biólogos sobre o que é vida. Por esse motivo o professor de biologia que eu mencionei ficava várias aulas discutindo sobre esse assunto. Quando os alunos perguntavam “Mas e se for encontrado uma forma de vida completamente diferente da existente na Terra?” Significava que eles não tinham entendido que vida é uma definição. Se for encontrado algo completamente diferente, então não será vida, será outra coisa. Ou o conceito de vida terá que ser ampliado para acrescentar essa outra forma.

Uma característica interessante sobre os seres vivos é que todos eles possuem em sua constituição os mesmo elementos químicos básicos: carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), normalmente nos referimos a esses elementos como CHONPS. Obvio que esses não são os únicos elementos presentes nos seres vivos, mas nenhum ser vivo conhecido prescinde desses elementos (isso até a entrevista da NASA).

A bactéria GFAJ-1 encontrada no lago Mono parece conseguir trocar o elemento fósforo pelo arsênio. Digo parece porque os próprios pesquisadores mencionaram a necessidade de novos experimentos para comprovar os primeiros estudos. Além disso, a substituição total do fósforo pelo arsênio foi feita em laboratório, o que não descarta o fato de que ela talvez exista na natureza, mas também não confirma. Os pesquisadores foram reduzindo gradativamente a presença de fósforo e acrescentando arsênio, até que nenhum fósforo estivesse presente e a bactéria continuou se reproduzindo mesmo na ausência do fósforo. Usando técnicas de detecção, foi possível confirmar a presença de arsênio no DNA das bactérias.

Lago Mono

Dessa forma podemos dizer que o conceito de vida deverá ser ampliado. A busca por formas de vida fora de nosso planeta, não poderá descartar formas de vida que substitua algum elemento químico por outro semelhante. A troca do elemento carbono por silício já foi especulada há bastante tempo e já foi explorada na ficção científica, como no seriado “Star Trek” (Jornada nas estrelas).

Carl Sagan afirmava que a descoberta de que existe vida em outro lugar do universo, de que não estamos sozinhos, seria a maior descoberta científica de todos os tempos. O anuncio da NASA passou muito longe da descoberta que Sagan se referia, mas ainda assim foi uma descoberta de peso.

“Nossa descoberta é uma lembrança de que a vida como nós a conhecemos pode ser muito mais flexível do que nós geralmente assumimos ou mesmo que podemos imaginar,” afirmou a pesquisadora Wolfe-Simon.

“Esta história não é sobre arsênio ou sobre o Lago Mono,” diz ela. “Se alguma coisa aqui na Terra faz algo tão inesperado, o que poderá fazer a vida que nós ainda não conhecemos?”

Uma vez perguntaram ao grande físico experimental Michael Faraday “Para que serve essa sua invenção?” Ele respondeu: “Para que serve um bebê?” Com isso Faraday queria dizer que é impossível prever qual a utilidade de uma nova descoberta.

Ainda não podemos definir o que é vida, mas essa ignorância não nos impede de ir além.

 

Referência Bibliográfica:

A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus
Felisa Wolfe-Simon, Jodi Switzer Blum, Thomas R. Kulp, Gwyneth W. Gordon, Shelley E. Hoeft, Jennifer Pett-Ridge, John F. Stolz, Samuel M. Webb, Peter K. Weber, Paul C. W. Davies, Ariel D. Anbar, Ronald S. Oremland
Science
2 December 2010
Vol.: ScienceXpress
DOI: 10.1126/science.1197258