Posts Tagged ‘armagedon; fim do mundo; apocalipse; maias; 2012;’

Interestelar, há muito tempo não víamos um filme assim.

maio 3, 2015

Demorou. Como demorou. Mas um filme assim merecia um post bem feito. Não podia ser às pressas. Se ficou bem feito, não sei. Não queria que fosse tão longo, me perdoem. Procurei fazer em tópicos, dessa forma vocês podem ler aos poucos já que estou demorando tanto para atualizar o blog.

interestelar21

Referências:

Mesmo que alguns achem um absurdo a comparação,é inevitável não se lembrar de 2001 Uma Odisseia no Espaço ao se assistir a Interestelar. O absurdo se deve ao fato de que Christopher Nolan está longe de ser o genial Stanley Kubrick.

O filme foi escrito por Jonathan Nolan e inicialmente seria dirigido por Steven Spielberg, mas acabou sendo dirigido pelo irmão de Jonathan, Christopher Nolan que acabou participando também do roteiro. Christopher dirigiu a trilogia Batman (o cavaleiro das trevas), o excelente Amnésia (Memento) e o intrigante A Origem, que já comentei aqui no post: A origem: cinema e tecnologia, imaginação e arte, subconsciente e geometria, efeitos especiais e inteligência.

https://12dimensao.wordpress.com/2010/08/18/a-origem-cinema-e-tecnologia-imaginacao-e-arte-subconsciente-e-geometria-efeitos-especiais-e-inteligencia/

Nolan não escondeu as referências nas quais se baseou para a direção de Interestelar: 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), Guerra nas Estrelas (1977), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Alien, o Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner, o Caçador de Androides (1982).

O filme já está disponível para aluguel em várias mídias e para quem não assistiu, mas pretende assistir, avisarei quando for contar alguma coisa que possa estragar uma eventual surpresa (spoiler). As poucas críticas desfavoráveis que ouvi a respeito do filme podem ser resumidas em duas palavras: “cansativo” e “difícil de entender”. Ao meu ver essas são suas maiores qualidades, não exatamente isso, mas explicarei.

Geralmente filmes de ficção científica recorrem a muitos efeitos especiais, muita ação e pouco enredo ou um enredo com pouca profundidade. Interestelar, ao contrário, é longo, tem pouca ação em comparação com a maioria dos filmes do gênero. O filme tem longos diálogos e um enredo complexo que exige certo conhecimento de física, apesar das breves explicações, feitas pelos personagens do filme.

Ficção versus ciência

A dificuldade existe porque o filme aborda os efeitos da Teoria da Relatividade de Einstein e mesmo para quem já ouviu falar, não é um tema tão fácil de digerir. Ainda que você preste bastante atenção, o filme parece dar um nó em nossa cabeça. O diretor não optou pela saída fácil: simplificar demais e distorcer os conceitos para que ficassem mais compreensíveis. Preferiu deixar os conceitos o mais próximo do que a física acredita hoje, correndo o risco de que com isso o filme ficasse “mais difícil”.

Assim como no filme 2001 Uma odisseia no espaço , Interestelar contou com a consultoria de um físico. O filme de Kubrick foi baseado no livro de Arthur C. Clarke que além de escritor era físico e matemático. Clarke participou também do roteiro junto com Kubrick. Já em Interestelar a participação veio com a consultoria do famoso físico teórico Kip Thorne, especialista em buracos negros e gravitação. Thorne já havia contribuído no livro e no filme Contato de Carl Sagan, mas em Interestelar teve uma atuação mais direta, chegando a propor que o filme não tivesse nenhum erro conceitual de física e que a ficção fosse explorada naquilo que a ciência ainda não tem resposta. Thorne participou também da produção do filme.

O que acontece no interior de um buraco negro?  É possível enviar mensagens através da gravidade? É possível juntar a mecânica quântica e a teoria da relatividade obtendo uma Teoria mais geral que permita entender melhor a gravidade?

Esses são alguns dos temas explorados pelo filme de forma excelente e com um rigor científico cuidadoso. Vale a pena ressaltar que nenhum filme tem a obrigação de ser coerente fisicamente. Filmes são obras de arte e nesse sentido o roteirista e/ou diretor não precisa, de forma alguma, se preocupar com as Leis da Física, Star Wars que o diga (basta apenas que a história, seja ela qual for, seja convincente ao espectador, caso contrário estaremos diante de uma comédia, ou de um péssimo filme).

No que se refere a essa fidelidade com a ciência, Kip Thorne só não gostou das nuvens de gelo que aparecem em um determinado planeta do filme, segundo ele, seria impossível tal sustentação. Há também alguns exageros, perfeitamente perdoáveis, para manter certo suspense.

Atores e roteiro:

 

Matthew McConaghey e Anna Hathaway em cena do filme

O filme é estrelado pelos atores: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, John Lithgow, todos atores experientes e com excelente atuação. Uma adorável surpresa é a magnífica atuação da garotinha Mackenzie Foy

( no papel da joven  Murphy). Há ainda a participação de um grande ator cujo nome não aparece nos

créditos e que por isso não vou revelar quem é.

Normalmente um filme de ficção científica e/ou de ação não investe tanto no elenco, quando muito há um ou dois grandes atores. Mas esse não é o caso de Interestelar, pois ele é mais um filme de drama do que de ficção científica. A ciência serve como um pano de fundo para algo muito mais importante que se desenrola na história. Talvez por isso que algumas pessoas, que foram ao cinema esperando explosões, feixes de raios lasers e disputas entre o bem e o mal, se decepcionaram.

Não que o filme seja extremamente parado, pelo contrário, há até bastante agitação, mas não comparada aos atuais filmes de ação, em que mal conseguimos respirar de tantas imagens frenéticas. Apenas para citar um exemplo, o trailer de Interestelar deixava claro que se tratava de um filme futurista, com naves espaciais e viagens entre galáxias. No entanto, o começo do filme fica a primeira meia hora em uma fazenda que parece estar ambientada na década de 50.

Em vários momentos do filme eu fiquei com a sensação de que o diretor iria se render aos clichês e encontrar uma saída fácil ou previsível para o filme, mas felizmente foram apenas ameaças. Diferente do que ele mesmo tinha feito no filme anterior,  “A origem”, em que coloca uma ação excessiva e ao meu ver desnecessária, em Interestelar a dose de ação está na medida certa e é respaldada por um roteiro inteligente.

O tema central do filme é o amor, o amor entre pai e filha. As promessas feitas e quebradas (ou não), as escolhas, a salvação da espécie humana, tudo isso envolvido em viagens espaciais e os conflitos da relação entre o espaço e o tempo.

Para falar mais sobre isso preciso contar algumas coisas sobre o filme, então aconselho a quem não o viu que pare por aqui. Não que isso faça diferença, pois o filme não tem uma “grande surpresa” no final. Não pretendo explicar a física do filme, caso existam dúvidas peço que façam perguntas nos comentários. A ideia é apenas discutir um pouco a forma como o filme trabalha bem com a Teoria da relatividade.

Lá vem Spoiler

(se ainda não viu o filme, melhor assistir primeiro antes de ler o que segue abaixo)

 A Terra está condenada, podemos perceber uma crítica velada ao uso da monocultura e às alterações climáticas. Felizmente não há grandes explicações sobre qual é exatamente o problema que está destruindo as plantações de todos os grãos de nosso planeta. Além disso, tempestades de areia imensas, como as que acontecem atualmente em Marte, são comuns.

Quando tudo parecia perdido os cientistas encontram uma saída, literalmente falando. Uma saída, não apenas de nosso planeta mas de nossa galáxia. Um “wormhole” (buraco de verme) é descoberto nas vizinhanças do planeta Saturno e através dele podemos ter acesso a outra galáxia onde alguns planetas semelhantes à Terra podem ser descobertos.

Wormhole:

 

Um buraco de verme ou buraco de minhoca é uma passagem no espaço-tempo que conecta duas regiões do espaço, como se fosse um túnel que liga duas cidades ou dois países. A diferença é que enquanto o Eurotúnel liga a França e a Grã Bretanha sob o Canal da Mancha, um buraco de minhoca “não está sob nenhum lugar do espaço”, isto é, se pudéssemos entrar em um deles estaríamos “fora do espaço”, como se fosse outra dimensão.

O nome técnico do wormhole é ponte Einstein-Rosen. Esses dois físicos previram que o espaço-tempo pode ser curvado a tal ponto que duas partes do espaço podem se conectar, mesmo estando separadas por uma grande distância.

Vamos com calma, talvez você esteja se perguntado: Mas o que é espaço-tempo?

Segundo a teoria da relatividade nenhuma informação pode se propagar mais rápida que a velocidade da luz no vácuo. Essa aparentemente simples limitação da natureza traz consequências fantásticas, já discutidas nos posts:

Viagem no Tempo – Parte I                                                    

https://12dimensao.wordpress.com/2011/03/27/viagem-no-tempo-%E2%80%93-parte-i/

Viagem no tempo  – Parte II

https://12dimensao.wordpress.com/2011/04/15/viagem-no-tempo-%E2%80%93-parte-ii/

Viagem no tempo III e Cérebro eletrônico IV: Fazendo nossa mente viajar no tempo

https://12dimensao.wordpress.com/2011/07/19/viagem-no-tempo-iii-e-cerebro-eletronico-iv-fazendo-nossa-mente-viajar-no-tempo/

Uma delas é o fato do espaço e do tempo estarem conectados formando o que chamamos de espaço-tempo. Viajar muito rápido no espaço significa também viajar no tempo, o que faz com que o tempo passe de forma diferente para pessoas que estão em referenciais diferentes.

Imagine que o universo possa ser representado por uma bexiga cheia. Dois pontos que estejam em lados opostos da bexiga estariam bem longe um do outro. Então a luz emitida por uma galáxia numa extremidade da bexiga teria que percorrer toda a superfície da bexiga até chegar do outro lado. Agora imagine que alguma coisa aperte a bexiga até que as duas extremidades se grudem por dentro da bexiga. Essa seria a ponte Einstein-Rose. Então, em teoria seria possível ir dessa galáxia a outra instantaneamente, pois dentro do womhole o tempo não passa.

Não se iludam achando que entenderam, nem se desesperem por imaginar que só vocês não conseguem compreender isso. Por mais computação gráfica que os vídeos do “Discovery Channel” usem, por mais convincentes que os cientistas sejam, ninguém consegue enxergar essa deformação do espaço.

O exemplo da bexiga (ou da cama elástica, muito usado em livros de divulgação) são apenas analogias grosseiras para nos ajudar a entender isso. Somos seres que vivem em três dimensões de espaço, não conseguimos enxergar outras dimensões por mais inteligentes que sejamos. O exemplo da bexiga é falho porque a superfície da bexiga possui duas dimensões, quando apertamos a bexiga ela se deforma na terceira dimensão, a qual podemos perceber. Um buraco de minhoca possui três dimensões e provoca uma deformação que somente seria visível a nós se fôssemos seres que vivem em quatro dimensões. Apesar de não ser possível enxergar essa deformação, a matemática fornece a certeza de que isso faz sentido.

Mesmo com a comprovação matemática, não sabemos se os wormholes realmente existem. São apenas especulações matemáticas. Além disso, a previsão é que mesmo que eles existam são microscópicos e instáveis (desaparecem em menos de um segundo).

O wormhole que aparece no filme é um tipo de wormhole calculado por Kip Thorne a pedido de Carl Sagan para o livro Contato. Aquele tipo de wormhole é ainda mais difícil de existir, ele requer condições muito especiais, mas esse é o campo da ficção e isso foi muito bem explorado.

 

Dilatação temporal.

Talvez a parte mais legal do filme Interestelar  seja aquela em que o personagem principal consegue finalmente reencontrar sua filha, mas ela está um pouco diferente. Está bem mais velha do que ele. Ao longo do filme ela deixa de ser uma garotinha para se tornar um mulher. Mas no reencontro deles, ela está com mais de cem anos e o personagem com praticamente a mesma idade. Como isso é possível?

Novamente a resposta está na Teoria de Einstein. Para viajar em alta velocidade (não estou falando aqui de meros 300 km/h de um fórmula-1, ou da “ridícula” velocidade de um caça supersônico, mas de estar próximo da velocidade da luz no vácuo, cerca de 1,08 bilhões de km/h) precisamos de grandes acelerações. Essas acelerações provocarão alterações no ritmo de passagem do tempo. Por exemplo: Quando partículas subatômicas são aceleradas em um acelerador de partículas a 87% da velocidade da luz no vácuo, o tempo de vida delas, medido por nós dobra. Isto é, algumas dessas partículas são instáveis e se desintegram (uma espécie de “morte”), dizemos então que essas partículas possuem uma vida média de “tantos” segundos. Mas ao atingirem 87% da velocidade da luz, esse tempo de vida médio dobra.

Caso as partículas consigam atingir 99,97% da velocidade da luz, seu tempo de vida médio aumenta um fator 40. Se pudéssemos atingir essa velocidade em nossos foguetes um astronauta poderia viver até 400 anos. E se a aceleração fosse ainda maior e ele atingisse 99,997% da velocidade da luz no vácuo, poderia viver mais de 1200 anos.  O mais bizarro desse efeito é que para ele o tempo estaria passando normalmente, ele sentiria a passagem de “apenas” 100 anos (tempo médio de vida que estou considerando ). Ao retornar ao nosso planeta depois de passar um ano à velocidade de 99,97% da velocidade da luz, um astronauta de 40 anos estaria com 41 anos, mas aqui na Terra teriam se passado 40 anos (Caso ele tivesse um irmão gêmeo, este estaria com 80 anos).

Isso não é “apenas teoria” como alguns gostam de falar. Isso é um fato. Há diversas comprovações de que a Teoria da Relatividade prediz de forma consistente essas dilatações temporais. Felizmente vivemos em referenciais de baixa velocidade e por isso ninguém tinha percebido esse efeito até que Einstein resolvesse publicar seus artigos em 1905.

No filme, a dilatação temporal não acontece por causa das acelerações, mas sim devido a outro efeito previsto por Einstein na sua Teoria da Relatividade Geral de 1915. Nela, ele percebe que acelerar e sofrer fortes atrações gravitacionais, são equivalentes. Nas vizinhanças de um buraco negro há um forte campo gravitacional e isso distorce o espaço-tempo da mesma forma que grandes acelerações.

 

Buraco negro

Assim como os wormholes são apenas especulações matemáticas, os buracos negros também eram até meados da década de 80. Hoje em dia a existência desses corpos celestes é quase certa, e inúmeras provas indiretas de sua existência já foram detectadas.

Antes mesmo que Einstein tivesse nascido, o genial Pierre Simon Marques de Laplace já havia pensado na possibilidade da existência de uma estrela com gravidade tão forte que nenhum corpo conseguiria sair de sua órbita, nem mesmo a luz.

Essa ideia está ligada ao conceito de velocidade de escape. Sabemos que ao jogar um objeto para cima ele retorna após certo tempo, devido à força da gravidade. Quanto mais velocidade colocarmos na saída mais tempo o objeto demorará em voltar. No entanto a força da gravidade diminui quando nos afastamos do centro do planeta. Quanto maior for a altura, menor será a força. Conclusão: se conseguirmos atingir uma tal velocidade, que o objeto consiga atingir uma determinada altura onde a força seja pequena, ele poderá escapar da gravidade do planeta. Essa é a velocidade de escape.

No caso da Terra essa velocidade é de cerca de 11 km/s, aproximadamente 40.000 km/h. Essa é a velocidade que os satélites artificiais precisam atingir para entrarem em órbita em torno da Terra. Aumentando-se a velocidade, aumentamos o raio da órbita até conseguirmos escapar totalmente da gravidade do planeta.

Laplace calculou que se uma estrela tivesse certa quantidade de matéria concentrada em certo volume, teria uma velocidade de escape maior que a velocidade da luz e assim nem a luz conseguiria escapar dessa estrela.

Concepção artística de um buraco negro

Após a Teoria da Relatividade foi possível entender como uma estrela é formada e como se dá sua “morte”. Entre alguns fins possíveis está a formação de um buraco negro. Após uma violenta explosão, o resto de matéria da estrela poderia ficar confinado em um raio tão pequeno que a gravidade dobraria o espaço sobre si mesmo, criando um buraco negro.

O próprio Einstein achou que isso provavelmente não seria possível. Mas em 1987 o astrônomo Ian Shelton e o astrônomo amador Albert Jones descobriram a primeira explosão Supernova , dando credibilidade aos modelos estelares propostos (obs.: haviam registros históricos do aparecimento de estrelas chamadas de novas ou supernovas em séculos anteriores).

Com o aperfeiçoamento dos telescópios e principalmente após o lançamento do telescópio espacial Hubble várias imagens reforçaram a certeza de que buracos negros realmente existem. No entanto como eles não permitem que a luz escape deles, não podemos detectá-los com imagens visíveis aos nossos olhos. Mas podemos perceber estrelas orbitando regiões “escuras” ou ainda percebemos a emissão intensa de raio- x , que ocorrem devido a forte atração de matéria para dentro do buraco negro.

Uma imagem ilustrativa de um buraco negro

Voltando ao filme, Gargantua é um buraco negro em rotação, que está próximo de um dos planetas a serem averiguados pelos personagens do filme. Como a gravidade próximo a um buraco negro é imensa, rodeá-lo significa ficar sujeito a acelerações monstruosas, e dessa forma sujeitos a uma dilatação temporal enorme.

Rodear o buraco negro daria a nave energia suficiente, mas causaria esse efeito indesejado, por isso essa ideia foi descartada de inicio. Mesmo assim ao entrarem no planeta que estava próximo de Gargantua, sofreram esse efeito, pois cada hora no planeta custou 7 anos da Terra. Quando retornaram a nave mãe, o cientista que havia ficado nela estava 21 anos mais velho que eles.

Após todo o problema que o ator misterioso causa, o personagem principal se vê na obrigação de orbitar Gargantua, e isso custou a ele mais várias dezenas de anos terrestres.

Ondas gigantes

Da mesma forma que a Lua cria o efeito das marés em nosso planeta, Gargantua cria marés imensas naquele planeta, o que causa ondas gigantes que proporcionam uma das cenas mais impressionantes do filme.

Hipercubo e as outras dimensões

Essa é a parte mais ficcional do filme, após ser tragado pelo buraco negro, nosso “herói” consegue sobreviver sem ser esmagado. Apesar disso ser pouco provável, Kip Thorne se baseou na mesma ideia que tinha usado para o wormhole, um tipo especial de buraco negro cuja força gravitacional atuaria somente em algumas direções, permitindo sua entrada sem o famoso efeito espaguete ( a gravidade de um buraco negro é tão forte que se nos aproximássemos dele mergulhando de cabeça, a diferença de força entre nossa cabeça e nosso pés seria tão grande que nos esticaria até nos despedaçar completamente).

A física ainda não tem resposta (e talvez nunca venha a ter) sobre o que acontece no interior de um buraco negro. A Relatividade e a Física Quântica dão respostas contraditórias sobre o que ocorre lá dentro.

Uma teoria que consiga unir esses dois pilares ainda não existe (é o que a filha de nosso herói consegue) e com isso o roteirista pôde brincar com algumas especulações matemáticas interessantes.

No filme o personagem vai parar no interior de um hipercubo. Um hipercubo é uma figura geométrica de n-dimensões. Se n = 2 temos um quadrado, n=3 um cubo, n= 4 um tesseracto, e assim por diante. Menciona-se que naquele local existem cinco dimensões, mas não dizem se isso significa 4 dimensões de espaço e uma de tempo ou cinco dimensões de espaço.

A tentativa de representar em uma tela bidimensional algo que tem cinco dimensões ficou, a meu ver, incrível. A ideia é que estando em outras dimensões podemos visualizar ao mesmo tempo vários ângulos e várias cenas.

Além disso, na teoria das supercordas (uma tentativa de unir a relatividade e quântica) acredita-se que a gravidade seja a única força física que possa transitar entre as várias dimensões. Dessa forma o personagem consegue passar uma mensagem para ele mesmo e depois para a filha só que em um tempo passado. Algo muito difícil de conceber mas que possui respaldo nas mais novas teorias científicas. A passagem linear do tempo pode ser apenas uma ilusão nossa. Talvez passado presente e futuro possam coexistir em algum “lugar”.

Finalizando?

A ideia não era explicar a física do filme. Acho que me empolguei demais e acabou ficando um texto muito longo para os dias de hoje. Mas se você conseguiu chegar até aqui agradeço a consideração e aceito de bom grado criticas e sugestões.

Espero que tenham gostado, ou que gostem do filme como eu gostei. É muito bacana quando conseguimos unir duas coisas que aparentemente parecem tão diferentes: a ciência e a arte. O pensamento racional e a imaginação.

Essas separações bobas que fazemos, acabam virando “verdades” e muitas vezes nos impedem de ir mais longe. Vamos quebrar essas amarras.

PS.: ainda poderia discutir o enredo do filme como um todo, não do ponto de vista da ciência. Mas isso é melhor quando feito em mais pessoas, fica então o poema, citado por um dos personagens, escrito pelo poeta Gales Dylan Thomas. (Obrigado Lauren).

Dylan Thomas

Dylan Thomas

Referências:

 AdoroCinema http://www.adorocinema.com/filmes/filme-114782/

Para saber mais sobre buracos negros, viagens no tempo, relatividade :

O futuro do espaço-tempo ( Stephen Hawking; kip S. Thorne; Igor Novikov; Timothy Ferris; Alan Lightman; Richard Price – Cia das Letras)

O tecido do cosmo – O espaço, o tempo e a textura da realidade (Brian Greene – cia das letras)

Publicidade

Pousando em um cometa – A missão Rosetta

fevereiro 16, 2015

Imagem do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko

Após um longo e tenebroso inverno retorno às postagens do Décima Segunda Dimensão. Gostaria primeiramente de pedir desculpas aos fieis leitores deste blog que apesar da demora continuaram visitando, mesmo sem a devida atualização.

Minha inatividade no blog aconteceu por diversos motivos, desde problemas técnicos até problemas de mudança profissional e de ordem pessoal. Enfim, cá estou de volta esperando poder continuar postando, talvez não na frequência inicial de uma vez por semana, mas de pelo menos uma a cada mês e espero os ricos comentários de vocês.

Como retornar? Durante esse longo período de cinco meses tive várias ideias de posts, e foi difícil escolher uma para retomar. Acabei optando por um feito que julgo de suma importância para a tecnologia espacial e até mesmo para toda a sociedade. O pouso de um artefato humano em um cometa.

No dia dois de março de 2004 a ESA (Agência Espacial Europeia) lançou ao espaço a sonda espacial Rosetta (nome dado em homenagem à famosa pedra de roseta encontrada no Egito e que ajudou a decifrar os hieróglifos egípcios). A missão dessa sonda, também chamada de Rosetta, era encontrar e orbitar um cometa, para depois lançar um módulo que conseguisse pousar no mesmo.

Após dez anos de navegação espacial, necessários para que a sonda conseguisse atingir a mesma velocidade do cometa, ela finalmente conseguiu encontrar o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko em 06 de agosto de 2014, um feito inédito em toda a história da exploração espacial. Ainda em novembro, no dia doze, outro feito ainda mais marcante ocorreu, o módulo Philae é lançado de Rosetta e pousa no cometa.

Por que esse é um feito tão importante?

Do meu ponto de vista tenho três motivos para considerar esse feito o mais surpreendente desde a chegada do homem à Lua, em se tratando de exploração do espaço. Eles justificam uma missão de 22 anos de preparação e execução, com um gasto de 1,4 bilhões de Euros (aproximadamente 4,45 bilhões de reais):

1) A enorme dificuldade técnica da missão.

2) As importantes descobertas que a missão poderá trazer sobre os primórdios da formação do nosso sistema solar e do possível papel que os cometas tiveram na formação da vida neste planeta.

3) A importância de testarmos possíveis alternativas para desvio de cometas e grandes meteoros que estejam em rota de colisão com a Terra.

Vamos analisar cada um desses motivos.

A primeira vista pode parecer fácil pousar em um cometa, uma vez que já pousamos na Lua e em Marte. Além disso, no espaço não existe resistência do ar, ventos contrários, nem semáforos, trânsito ou motoristas desatentos para atrapalhar sua direção.

Mas pousar um módulo do tamanho de uma máquina de lavar roupas, de aproximadamente 100 kg, em um cometa de 4 km de diâmetro, cuja superfície é totalmente irregular, cheio de vales, crateras, morros e pedregulhos não é tão fácil.

cronograma da missão

Não bastasse a dificuldade de encontrar uma superfície plana para o pouso temos ainda diversas complicações: o cometa não está parado, move-se a mais de 130 mil km por hora (isso mesmo) e gira em torno de si mesmo a aproximadamente 20 km/s (cerca de 72.000 km/h). O cometa não é um corpo estável como um enorme pedaço de rocha, ele possui gases em seu interior e conforme se aproxima do Sol, o calor aumenta e esses gases são ejetados a grande velocidade por alguns locais de sua superfície.

Como tem uma gravidade extremamente baixa, o módulo será atraído para ele lentamente e ao se chocar quicará e pode se perder pelo espaço se não for preso durante o choque.

Devemos lembrar ainda que todo o controle da missão é feito aqui da Terra e que o cometa estava a cerca de 500 milhões de km de distância. Tão longe, que cada informação demora aproximadamente meia hora para chegar lá. Caso acontecesse algo não previsto, os controladores receberiam a informação do problema com meia hora de atraso e teriam que agir o mais rápido possível, ainda assim a atitude tomada demoraria mais meia hora para ocorrer. Dessa forma é muito difícil saber com exatidão a posição da sonda antes e durante o lançamento do módulo.

O sucesso dessa missão servirá como um grande aprendizado de conhecimento científico e engenharia espacial.

O principal objetivo da missão é estudar os cometas, sua constituição físico- química, dinâmica de movimento e sua atividade interior. Também faz parte analisar as relações do cometa com o material interestelar e a importância na formação do sistema solar.

centro de controle da missão na ESA

Diferentemente dos planetas, os cometas sofreram pouca alteração desde sua criação há 4,5 bilhões de anos, dessa forma podem trazer informações importantes sobre a formação do sistema solar e possivelmente sobre o surgimento de vida em nosso planeta, uma vez que ele deve conter em seu interior material orgânico como os aminoácidos necessários para formação de proteínas, indispensáveis para formação da vida.

O módulo Philae  está equipado com diversos instrumentos que permitirão a análise do solo e dos gases do cometa, além de diversos outros registros como fotos e medidas de temperatura etc.

Pouco se tem falado (na verdade não vi nenhum comentário) sobre o último motivo que eu levantei. As imagens nos mostram os dados do cometa e uma comparação do seu tamanho em relação à cidade de Los Angeles. Uma colisão de um corpo celeste como esse e nosso planeta não está descartada, muito pelo contrário, sabemos que é só uma questão de tempo, uma vez que a história geológica da Terra e da Lua nos mostra que impactos dessa magnitude ocorrem com relativa frequência, a cada 100 milhões de anos. Pode parecer muito tempo, mas pensando-se na idade da Terra não é.

Comparação do tamanho do cometa 67P e a cidade de LA nos EUA

Já fiz alguns posts falando sobre essas possíveis colisões e um possível “fim do mundo”:Comet_vital_statistics1 67P CG

https://12dimensao.wordpress.com/2011/02/26/fim-do-mundo-so-em-2012/

https://12dimensao.wordpress.com/2012/01/20/2012-o-fim-do-mundo-chegou/

https://12dimensao.wordpress.com/2012/12/28/sobre-o-fim-do-mundo/

Em um deles (fim do mundo só em 2012) mencionei que há projetos das agencias espaciais e da comunidade científica para tentar impedir uma colisão desse tipo. Ao contrário do que imagina Hollywood, a melhor chance não é explodindo o cometa, mas sim tentando desviá-lo. Para isso pousar no cometa é um passo importantíssimo. A partir do pouso poderíamos tentar ejetar massa do cometa e graças à terceira Lei de Newton, ele pode mudar de rota.

Para que isso dê certo uma condição inicial é essencial, precisamos saber com bastante antecedência que um cometa, ou meteoro de grandes proporções está em nossa direção, e isso só é possível se nossa tecnologia espacial estiver muito bem desenvolvida.

Do meu ponto de vista esse terceiro motivo já é mais do que suficiente para justificar o gasto de tempo e dinheiro na missão Rosetta. Ou será que existe algo mais importante para nós do que nossa sobrevivência como espécie?

Sucesso da missão

A missão já é considerada um grande sucesso. Foi aclamada pela importante revista Science como o feito científico mais importante do ano de 2014.

Apesar do módulo Philae estar “hibernando” porque suas baterias acabaram, vários dados foram enviados durante as horas em que elas estavam operando. O módulo de pouso possui também painéis solares, mas como o pouso foi muito difícil, ele acabou ficando em uma região de sombra sem a possibilidade de recarga. Há, no entanto uma grande esperança de que com a aproximação do Sol elas possam ser reativadas e novos dados cheguem.

Além dos dados do módulo de pouso, diversas imagens estão sendo enviadas pela sonda Rosetta em sua viagem em órbita junto ao cometa. Atualmente o mesmo encontra-se em direção ao Sol, faltando 178 dias para aproximação máxima. Dessa forma a sonda poderá acompanhar a formação da famosa calda de um cometa e analisá-la como nenhuma outra sonda já conseguiu.

A missão está prevista para terminar em dezembro de 2015.

Seguem abaixo alguns links para sites e documentários sobre a missão.

 Fotos do cometa : https://

Imagens: https://

Blog do esa para a missão http://rosetta.esa.int/

Simulação da posição da nave roseta e do cometa : http://sci.esa.int/where_is_rosetta/

Reportagem g1 : http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/sonda-rosetta/infografico.html

documentário fox play (em português):  Documentário em portugues

redefinição do cometa: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rosetta-redefine-cometa

 Documentário em ingles (discovery)  

2012! O fim do mundo chegou,

janeiro 20, 2012

mas não se preocupem, ele vai passar logo. Após 21 de dezembro de 2012, ninguém vai mais falar da profecia Maia, e aguardaremos qual será a próxima data para esse evento tão dramático.  

Já fiz um post dizendo que não queria falar sobre isso, e acabei abordando uma possível forma de extinção do ser humano:

https://12dimensao.wordpress.com/2011/02/26/fim-do-mundo-so-em-2012/

Meu amigo Adriano (criador do Blog Prefácio Cultural, também do colégio Oswald:

http://prefaciocultural.wordpress.com/ )  insistiu para que eu falasse  alguma coisa sobre isso, e acabou me convencendo a pelo menos colocar os textos do Marcelo Gleiser sobre o tema.

Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia no DARTMOUTH COLLEGE, faculdade norte americana, e escreveu durante muitos anos no caderno Mais do jornal Folha de São Paulo, na coluna Micro Macro. Gleiser também é autor de diversos livros de divulgação científica e participou de programas televisivos, no Brasil e Estados Unidos.

Publico aqui, no Décima Segunda Dimensão, dois textos de Marcelo Gleiser abordando o tema do fim do mundo, supostamente previsto pela civilização Maia. Ele “disse” tudo que eu gostaria de dizer, de um jeito bem mais bacana.

Não sou um fã incondicional do Marcelo Gleiser, gosto de como ele aborda os temas e de como é claro ao explicar os conceitos. Mas reconheço que essa sua preocupação pela clareza e simplicidade acaba, em alguns momentos, sobrepujando o rigor e cometendo alguns deslizes (por exemplo, logo de cara ele vai afirmar que o Sol explodirá em 5 bilhões de anos e que isso é uma verdade. Isso é uma estimativa, uma previsão tomada com base em um modelo científico, não é uma verdade absoluta”).  Mas em um país tão carente por divulgação científica, julgo que seu trabalho tem muito mais valor do que os pequenos deslizes conceituais ou exageros, por isso sou sim um admirador do Marcelo Gleiser.

 2012: O MUNDO NÃO VAI ACABAR

Por Marcelo Gleiser

O ataque é constante, um dilúvio de cataclismos horrendos que marcam o fim do mundo: tudo isso ocorrendo no dia 21 de dezembro de 2012 (ou será no dia 23?). Pelo mundo afora, milhões de pessoas escrevem em blogs, rezam, formam grupos e portais de “informação”, acreditando que essas previsões sejam diversas do “bug do milênio” (alguém se lembra?) ou de centenas de outras profecias apocalípticas que falharam e que as pessoas têm uma incrível habilidade de esquecer.

Gostaria de contra-atacar essa onda de medos apocalípticos usando, sim, a luz da ciência e da razão. Mesmo que muitas dessas previsões sejam supostamente baseadas em ciências, a verdade é que não são. Se fossem, deveríamos levá-las a sério (o Sol, é verdade, explodirá em 5 bilhões de anos).

1) Fim do calendário maia: Deixando de lado o fato de que os maias não tinham como prever o fim do mundo, vamos examinar a “evidência” que mostra a relação entre o fim do calendário deles e o fim do mundo.

Os especialistas Linda Schele e David Freidel encontraram referências a eventos ocorrendo muito após o fim do calendário. Outros afirmam que a noção judaico-cristã de apocalipse não fazia parte da cultura maia. A fonte da profecia vem de um local no México chamado Tortuguero. Especialistas mal conseguem decifrar os fragmentos encontrados lá: “O décimo terceiro [b’ak’tun] termina (no) 4 Ajaw, o 3º do Uniiw [3 K’ank’in]. Preto… ocorrerá. (Será) a queda (?) de Bolon Yookte’ K’uh ao grande (ou vermelho?)…” Desse fragmento a uma previsão do fim do mundo baseada no profundo conhecimento cósmico dos maias é um salto vergonhoso.

2) Alinhamento galáctico: Alguns afirmam que os maias sabiam do alinhamento periódico entre o Sol, a Terra e o centro da nossa galáxia. Afirmam também que esse alinhamento causará o fim do mundo. A verdade é que esse alinhamento aproximado ocorre todo mês de dezembro. E a Terra sobrevive há mais de 4 milhões[1] de anos! Mesmo que todos os planetas se alinhassem – o que não ocorrerá em 2012 ou nas próximas décadas -, o efeito sobre a Terra seria desprezível.

Lembre-se de que a força da gravidade cai em proporção ao quadrado da distância. Se somarmos todas as massas dos planetas, obtemos em torno de 450 massas da Terra. O Sol, sozinho, tem uma massa 332 mil vezes maior do que a da Terra! Ou seja, a perturbação causada pelos planetas ou pelo centro galáctico é irrelevante.

3) Planeta Nibiru (ou Planeta X): Supostamente, os sumérios sabiam de um planeta que vai colidir com a Terra em 2012. Acontece que esse planeta simplesmente não existe! Se existisse, teria já sido detectado por astrônomos. Se fosse colidir com a Terra em 2012, seria visível a olho nu. Um objeto dessa magnitude causaria (pequenas) perturbações em outros planetas e asteroides facilmente detectáveis.

4) Tempestade solar: O Sol tem um ciclo de atividade de 11 anos e o próximo máximo ocorre entre 2012 e 2014. Plasma lançado da sua superfície pode atingir a Terra, causando auroras em altas latitudes. Alguns distúrbios mais violentos podem danificar satélites e causar apagões. O Sol poderia nos causar problemas sérios, mas não há previsão de que isso vá ocorrer em 2012 ou nos próximos milhões de anos. Certamente, os maias não sabiam nada sobre a fusão nuclear.

Esse frenesí todo é irracional, promulgado por alguns setores dos meios de comunicação e oportunistas. Quem escolhe acreditar nisso está fechando os olhos para 400 anos de ciência, preferindo viver escravizado por meios que pertencem à Idade Média.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “Criação imperfeita”

Extraído da Folha de São Paulo, 21 de março de 2010 – http://acervo.folha.com.br/fsp/2010/03/21/72

O FIM NÃO ESTÁ PRÓXIMO

Por Marcelo Gleiser

“O pânico aumenta a cada dia. Na Internet, uma verdadeira proliferação de sites e blogs discutem o que, para muitos, é inevitável: segundo profecia maia, ‘observações’ astronômicas e conclusões de videntes espíritas, o ano de 2012 trará a destruição de nosso planeta. Se não do planeta inteiro, a de grande parte da vida nele. Os mais espertos, claro, comprarão os livros e os kits de sobrevivência disponíveis na Internet. Grupos cristãos falam do Armagedon, o encontro entre bem e o mal que marca o fim dos tempos. Blogs narram conspirações de governos e cientistas que escondem a verdade. Por quê? Para evitar o caos, a desintegração da sociedade. Se soubéssemos que o fim está chegando, nos autodestruiríamos. Ma é só visitar sites como http://yowusa.com/planetx/#feature para descobrir a ‘verdade’. Afinal, faltam apenas quatro anos para o fim!

Nostradamus, como sempre, também havia previsto esse fim de mundo. Aliás, parece que ele previu vários deles aos quais, felizmente, conseguimos sobreviver. Fico impressionado com a capacidade das pessoas em se deixar levar por invenções como essas. Não existe absolutamente nada de verdadeiro nos ditos ‘fatos científicos’ que levarão à terrível destruição do mundo em 2012. Não existe um planeta X, ou Nibiru, cuja órbita alongada aproxima-o da Terra de tempos em tempos, causando devastações apocalípticas. Não foi ele o responsável pela destruição dos dinossauros, e sim a colisão com um asteróide de 10 km de diâmetro. Sem dúvida, planetas e objetos celestes estão sendo sempre descobertos. Em 2005, um novo planeta foi observado além da órbita de Plutão pelo grupo do astrônomo Michael Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech. A uma distância média do Sol 97 vezes maior do que a da Terra, o planeta – chamado temporariamente de 2003 UB313 – tem uma massa 1,5 vez maior do que Plutão. E é completamente inofensivo.

Muitos dizem que, no calendário maia, o dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim do mundo. O que ocorre é que, nesta data, termina a contagem deste ciclo de tempo, o de número treze (que azar!), que durou 5.125 anos. Existe apenas uma inscrição incompleta nas ruínas de El Tortuguero, em Chiapas (México), e dela foi criada a conjectura de que o fim do tal ciclo levaria à destruição do mundo e a criação de outro. Como os maias tinham uma astronomia de alta precisão, apesar de não terem telescópios, devemos concluir que a previsão deve estar correta, e o fim é mesmo inevitável.

Segundo a astronomia moderna, porém, não há nenhum objeto celeste em rota de colisão com a Terra no momento. Mas é verdade que isso ocorre de tempos em tempos. Em 1908, um fragmento de um cometa ou asteróide explodiu sobre uma região remota da Sibéria, destruindo 2.000 km2 de floresta. Esse tipo de fenômeno é impossível de ser detectado com antecedência devido ao pequeno tamanho do bólido – no caso, em torno de 30 metros de diâmetro; É também verdade que cometas podem penetrar incógnitos a região central do sistema solar (onde residimos) até estarem próximos da órbita de Júpiter, o que nos daria em torno de dois anos de aviso prévio. Mas a possibilidade de uma colisão com a Terra é muito, muito pequena. E, com esse prazo, seria possível enviar uma sonda para tentar desviar o cometa. Ou seja, só a ciência poderá nos salvar.

É preciso separar nossas ansiedades e o fato de vermos o mundo em crise de um medo religioso de destruição. Se temos a necessidade de uma nova coincidência para lidarmos com os problemas da nossa geração, o melhor a fazer é nos ajudarmos uns aos outros e não sucumbir à propaganda mentirosa dos que querem se aproveitar de nossas inseguranças. Não é à toa que Carl Sagan chamou seu último livro de ‘O mundo Assombrado por Demônios’ e deu-lhe o subtítulo ‘a ciência vista como uma vela no escuro’. Será que os vários fins de mundo de profecias passadas não são suficientes para nos convencer de sua tolice? Ou vamos ter de esperar mais quatro anos?”
(Marcelo Gleiser – astrofísico e professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento -, Galileu, julho/2008, pág. 50).


[1] Bilhões, a idade da Terra é de cerca de 4,5 bilhões de anos e não milhões. Deve ter havido um erro de digitação no jornal.