Começo 2011 com uma notícia já velha de 2010: A descoberta, feita pela NASA, de uma bactéria que usa o elemento químico arsênio (ou arsênico) no lugar do elemento fósforo, para sua sobrevivência.
Em 29 de novembro de 2010, a NASA anunciou que faria uma coletiva de imprensa para anunciar uma descoberta em astrobiologia. Evidentemente a especulação foi geral, seria a tão esperada comprovação de vida fora da Terra?
A decepção, para quem esperava algo assim foi grande, mas a descoberta anunciada é muito importante para a ciência. Felisa Wolfe-Simon e seus colegas descobriram uma bactéria, que foi chamada de GFAJ-1, em um lago da Califórnia (Lago Mono) que não só suporta quantidades grandes de arsênico (um veneno para quase todas outras formas de vida) como parece substituir o fósforo por esse elemento. Mas porque isso é tão importante?
Um amigo meu, professor de biologia, ficava irritado quando os alunos o questionavam com a seguinte pergunta: “Mas e se descobrirmos uma forma de vida diferente da que temos aqui?” Ele ficava irritado porque passava várias aulas discutindo com eles o conceito do que é vida, e uma questão como essa colocava por terra toda a discussão. Deixa eu me explicar melhor.
Em ciência precisamos definir alguns conceitos para criar uma teoria. Há definições que são extremamente simples, algumas mais complexas e outras que nem conseguimos definir claramente, como o conceito de energia (alguns podem discordar dizendo que energia é a capacidade que um corpo tem de realizar trabalho, mas no meu entender essa é uma definição muito pobre) e o conceito de vida.
Vejamos por exemplo a definição de água: Substância formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Uma definição bem simples não? Mas e se tivermos um átomo de oxigênio a mais? H2O2 seria ainda água? A resposta é não, pois a definição foi clara, dois átomos de hidrogênio e somente um de oxigênio. No caso essa substância é um peróxido, a água oxigenada. Para complicar mais um pouco esse mesmo exemplo, suponha que tenhamos os átomos de hidrogênio trocados pelo seu isótopo o deutério (isótopo é um elemento químico que tem o mesmo número atômico mas diferente numero de massa). Teremos então a substância d2O que é chamada água pesada. Ela tem esse nome porque o hidrogênio é o único elemento que não tem nêutron em seu núcleo, ele é formado apenas por um próton e um elétron, o deutério possui no núcleo, um próton e um nêutron, dessa forma sua massa atômica é o dobro da massa do hidrogênio, por isso a substância é chamada de água pesada ou óxido de deutério, e suas propriedades não são iguais a da água, apesar dela existir junto com a água (estima-se que para cada 1 litro de água exista uma molécula de água pesada).
A definição do que é vida é bem mais complicada do que a definição do que é água. Na verdade não há um consenso entre os biólogos sobre o que é vida. Por esse motivo o professor de biologia que eu mencionei ficava várias aulas discutindo sobre esse assunto. Quando os alunos perguntavam “Mas e se for encontrado uma forma de vida completamente diferente da existente na Terra?” Significava que eles não tinham entendido que vida é uma definição. Se for encontrado algo completamente diferente, então não será vida, será outra coisa. Ou o conceito de vida terá que ser ampliado para acrescentar essa outra forma.
Uma característica interessante sobre os seres vivos é que todos eles possuem em sua constituição os mesmo elementos químicos básicos: carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), normalmente nos referimos a esses elementos como CHONPS. Obvio que esses não são os únicos elementos presentes nos seres vivos, mas nenhum ser vivo conhecido prescinde desses elementos (isso até a entrevista da NASA).
A bactéria GFAJ-1 encontrada no lago Mono parece conseguir trocar o elemento fósforo pelo arsênio. Digo parece porque os próprios pesquisadores mencionaram a necessidade de novos experimentos para comprovar os primeiros estudos. Além disso, a substituição total do fósforo pelo arsênio foi feita em laboratório, o que não descarta o fato de que ela talvez exista na natureza, mas também não confirma. Os pesquisadores foram reduzindo gradativamente a presença de fósforo e acrescentando arsênio, até que nenhum fósforo estivesse presente e a bactéria continuou se reproduzindo mesmo na ausência do fósforo. Usando técnicas de detecção, foi possível confirmar a presença de arsênio no DNA das bactérias.
Dessa forma podemos dizer que o conceito de vida deverá ser ampliado. A busca por formas de vida fora de nosso planeta, não poderá descartar formas de vida que substitua algum elemento químico por outro semelhante. A troca do elemento carbono por silício já foi especulada há bastante tempo e já foi explorada na ficção científica, como no seriado “Star Trek” (Jornada nas estrelas).
Carl Sagan afirmava que a descoberta de que existe vida em outro lugar do universo, de que não estamos sozinhos, seria a maior descoberta científica de todos os tempos. O anuncio da NASA passou muito longe da descoberta que Sagan se referia, mas ainda assim foi uma descoberta de peso.
“Nossa descoberta é uma lembrança de que a vida como nós a conhecemos pode ser muito mais flexível do que nós geralmente assumimos ou mesmo que podemos imaginar,” afirmou a pesquisadora Wolfe-Simon.
“Esta história não é sobre arsênio ou sobre o Lago Mono,” diz ela. “Se alguma coisa aqui na Terra faz algo tão inesperado, o que poderá fazer a vida que nós ainda não conhecemos?”
Uma vez perguntaram ao grande físico experimental Michael Faraday “Para que serve essa sua invenção?” Ele respondeu: “Para que serve um bebê?” Com isso Faraday queria dizer que é impossível prever qual a utilidade de uma nova descoberta.
Ainda não podemos definir o que é vida, mas essa ignorância não nos impede de ir além.
Referência Bibliográfica:
A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus
Felisa Wolfe-Simon, Jodi Switzer Blum, Thomas R. Kulp, Gwyneth W. Gordon, Shelley E. Hoeft, Jennifer Pett-Ridge, John F. Stolz, Samuel M. Webb, Peter K. Weber, Paul C. W. Davies, Ariel D. Anbar, Ronald S. Oremland
Science
2 December 2010
Vol.: ScienceXpress
DOI: 10.1126/science.1197258