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Quando o cientista presta um desserviço

maio 12, 2012
Quem costuma entrar semanalmente aqui no Décima Segunda Dimensão sabe que sou um defensor do pensamento cético e da importância do saber científico. Não poderia ser diferente, uma vez que escolhi a profissão de professor de uma área científica. No entanto procuro sempre me policiar para não passar uma visão errada de como a ciência trabalha. Busco deixar claro que a ciência não é a dona da verdade, que ciência trabalha com modelos e não com verdades absolutas. Que não há um porta voz da ciência, que para algumas teorias ou hipóteses pode haver um grande consenso, mas que isso não é uma regra geral, há inúmeras teorias que são conflitantes e inúmeros debates na ciência.

É assim que a ciência funciona, pelo debate, pelo eterno questionamento, pela dúvida. Dúvida que se estende até mesmo às teorias já consolidadas. Mesmo depois de quase trezentos anos do domínio de Newton na mecânica, sua teoria foi derrubada pela Relatividade de Einstein. A única certeza que temos na ciência é que suas verdades são provisórias. Mas isso não faz com que tudo seja relativo, isso não significa que não possamos emitir opiniões e de afirmarmos como as coisas funcionam, ou não proíbe que previsões sejam feitas (e muitas inclusive se verificam).

Na semana passada um cientista da área de climatologia apareceu no programa do Jô Soares e fez afirmações bem polêmicas. Como acabei de afirmar nos parágrafos acima, a polêmica é um dos ingredientes que movem a ciência, junto com a curiosidade é a responsável pelas grandes descobertas. Mas não concordo com o modo como esse cientista fez essas afirmações.

Ao ser apresentado como especialista em climatologia e professor da USP, sua autoridade não tem como ser questionada no programa, por isso acredito que ele deveria ter agido com mais responsabilidade.

Mas o que foi que essa pessoa afirmou que me indignou tanto?

Na verdade não foram suas afirmações. Não foi o fato de ele afirmar que não há aquecimento global, não existe efeito estufa, não existe camada de ozônio, que se a floresta Amazônica for destruída completamente se recupera em vinte anos, e que as ações do homem são todas insignificantes e contidas a uma mudança local, sem impacto no planeta como um todo. Acho importante que existam pesquisadores que façam o contraponto, que pesquisem e apontem erros naquilo que quase todos estão certos. A unanimidade é burra já dizia Nelson Rodrigues. O problema, como já disse, foi a forma COMO ele fez essas afirmações.

Ao fazer essas afirmações, o dito professor não deixou margem a dúvidas. Fez parecer que há uma grande conspiração para enganar todas as pessoas do planeta, sobre as previsões climatológicas. Eco-92, IPCC, Rio +20 essas reuniões todas de cientistas e especialistas não passam de conspiração para que novos produtos sejam inventados e para que se mantenha o consumo desenfreado.

Com ironia e sem apresentar trabalhos técnicos atuais ele simplesmente disse que os “cientistas sérios” não acreditam nessas previsões alarmistas. Mas ele não disse quem são os cientistas sérios, acusou os outros de “cientistas chapa-branca” financiados por governantes desses países que querem manter a produção desenfreada.

Dessa forma a impressão que ele passou, e pude constatar isso através de alunos que assistiram ao programa, foi que somos um bando de otários preocupados com a ação do homem sobre a natureza, sendo que essa ação seria muito pequena. Estamos sendo enganados ao defender um desenvolvimento sustentável, que cause menos impacto ao meio ambiente.

Como se tratava de uma entrevista em um programa que é mais de humor do que informativo devemos dar um desconto à atitude do cientista. Jô Soares é mestre em interromper o entrevistador e de não deixá-lo concluir um assunto, emendando uma pergunta na outra e ridicularizando muitas vezes a explicação. Nem que para isso ele finja desinformação (eu duvido que o Jô Soares não saiba que a Amazônia não é o “pulmão do mundo”). Mas enfim, muita coisa foi dita e muitos assuntos foram misturados de tal forma que ficou tudo muito confuso.

Deixe-me dar um exemplo de duas coisas diferentes que no programa se misturaram: O aquecimento global e o efeito estufa. Há uma enorme confusão entre esses dois conceitos.

Efeito estufa existe sim, e é graças a ele que temos uma temperatura média no planeta que permite a existência de formas de vida como a nossa. Nosso planeta possui uma atmosfera formada basicamente de nitrogênio e oxigênio, 70% de nitrogênio e 29% de oxigênio. Os outros 1% restantes são formados por diversos gases, o vapor de água, o metano, o dióxido de carbono (CO2), o enxofre, entre outros. O vapor de água, o metano e o dióxido de carbono são os principais gases estufa da atmosfera. Eles permitem a entrada da luz solar e dificultam a saída do infravermelho, radiação emitida pelos corpos que foram aquecidos por essa luz solar. Esse fenômeno acontece em uma escala bem menor no interior de um carro que está com os vidros fechados sob o Sol. Se não fosse o efeito estufa nosso planeta seria como a Lua, que durante o dia pode atingir 70oC e a noite −20oC (a presença de água em nosso planeta também é importante para diminuir essa flutuação térmica).

Chamamos de aquecimento global a elevação da temperatura média do planeta. Esse aumento de temperatura pode ser provocado por vários motivos e ao longo da história evolutiva de nosso planeta há períodos de aquecimento global e períodos de resfriamento global.

Não há dúvida sobre esses dois conceitos. Há diversas maneiras de se estimar qual era a temperatura do nosso planeta em eras passadas, e esses períodos de aquecimento e resfriamento podem ser comprovados. A grande discórdia ocorre sobre qual seria o impacto da ação do ser humano no clima do planeta como um todo, o chamado aquecimento global antropogênico.

Concordo que há um exagero nas consequências de um possível aquecimento global. Um catastrofismo exacerbado que procura através do medo, despertar a consciência ecológica das pessoas. Esse tratamento ocorre principalmente na mídia em geral. Sempre com matérias sensacionalistas, grandes inundações, secas, tempestades, furacões. Nos filmes então, melhor nem começar a falar sobre isso.

Meu amigo e professor de geografia do Colégio Oswald, Amadeu, me indicou um documentário feito pela BBC: A grande farsa do aquecimento global (The Great Global Warming Swindle) produzido por Martin Durkin e exibido pela produtora britânica  Channel 4.

Como o próprio Amadeu havia me adiantado há visões bem conservadoras e neoliberalistas no documentário. Ele é totalmente parcial, e denuncia uma espécie de complô para tornar o aquecimento global um fato inquestionável, defendido por toda comunidade científica. O filme entrevista diversos cientistas que se opõem a essa visão e afirmam serem perseguidos por essas opiniões. Ele apresenta dados históricos para explicar de onde essa idéia surgiu e argumenta que não há evidências científicas que comprovem um aquecimento global provocado pela ação do ser humano, afirmando que a transformação do CO2 em vilão é um absurdo. A provável causa do aquecimento (em outras eras e também no século XX) seria o Sol (aumento das explosões solares). O interessante é que eles condenam a transformação do CO2 em vilão e fazem a mesma coisa com o Sol.

Mas é importante assistir ao documentário justamente para se criar a dúvida, para manter-se alerta, para aprender a ser cético. Uma afirmação interessante feita é a justificativa da grande adesão de vários cientistas à defesa da visão catastrófica do aquecimento global antropogênico. O motivo seria o fato disso render dinheiro na forma de financiamento de suas pesquisas. Isto é muito sério, pois é evidente que pode distorcer os resultados ou pelo menos criar um viés em quem faz a pesquisa (se estou sendo pago para combater o aquecimento global é importante mostrar o perigo que ele pode trazer). Na verdade essa prática na ciência é muito comum. Vários projetos científicos começaram com interesses militares. A ciência está cheia de exemplos de imposturas1.

Mas diferentemente da entrevista do programa brasileiro, o documentário possibilita, ainda que de forma tendenciosa, a compreensão de como a ciência trabalha:

a) Existem dados que são obtidos de experimentos (normalmente já direcionados para certa investigação).

b) Esses dados são interpretados a partir de modelos criados.

c) Essas interpretações são divulgadas (ou não! Como o documentário denuncia).

d) Essas interpretações são compreendidas (ou não) pela sociedade.

Portanto, fica claro que as afirmações feitas pelos cientistas não são verdades absolutas. São afirmações baseadas em modelos. Na entrevista do programa do Jô, o cientista entrevistado combateu o alarmismo sobre o aquecimento global antropogênico, utilizando a mesma tática que ele criticava. Usando sua “voz de autoridade” fazia afirmações contundentes de que tudo era besteira, e de que nenhum cientista sério levava aquilo tudo em consideração.

A impressão que eu tive é que ele estava mais preocupado em gozar seus quinze minutos de fama do que em esclarecer, e é por esse motivo que não menciono o nome dele aqui.

Levantar polêmicas e ir contra o senso comum são maneiras de se ter o nome divulgado, de ser comentado. Em agosto de 2008 “Um grupo de cientistas apresentou uma denúncia perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo, para que seja paralisado o teste do Grande Colisor de Hádrons (LHC), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), diante do risco de que um buraco negro seja gerado.”2. Há grupos de médicos, jornalistas e ativistas que afirmam que a AIDS não é uma doença contagiosa e/ou que não há relação entre o vírus HIV e a AIDS. É comum também a afirmação em diversos sites de que o homem nunca tenha ido a Lua, que tudo não passou de uma farsa.

O entrevistado do programa  não me pareceu um ativista pró-teoria da conspiração, mas como cientista e professor, principalmente sendo de uma escola pública, ele tem deveres para com a sociedade e deveria tomar mais cuidado ao fazer suas afirmações. Suas convicções pessoais não podem prevalecer sobre sua responsabilidade para com a verdade científica. Se não há provas contundentes sobre a ação do homem no clima do planeta, também não há provas de que essa ação seja irrisória. E mesmo que essas ações não sejam suficientes para uma proporção global, sabemos muito bem que localmente elas já estão causando muitos males. Ou será que ele duvida também do mal que a poluição das grandes cidades faz ao ser humano?

A única ressalva que ele fez foi dizer que, ao negar que a ação humana seja tão destrutiva como se propaga, ele não está dando licença para que as árvores sejam derrubadas. Acho que foi muito pouco. Ele estava falando na maior rede de televisão do país. É obvio que suas declarações podem ser usadas para justificar um maior desmatamento, o descontrole de emissão de poluentes.

Sim, o capitalismo fez com a ecologia aquilo que ele faz com tudo, transformou em mercadoria. Sim, sustentabilidade virou moda. Muito discurso e pouca ação. Banco sustentável? Parece piada.

Ainda assim prefiro a ecologia como mercadoria do que sua não existência. Se os créditos de carbono são uma mentira eu não sei, mas acho importante que florestas sejam preservadas e que árvores sejam plantadas.

Referências:

1- A Impostura Científica Em Dez Lições – Michel De Pracontal – Editora: UNESP

2 – Site do Terra Notícias  – http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3142721-EI238,00.html – acesso em 12 de maio de 2012

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