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Quem quer ser um nerd?

novembro 25, 2012

Há não muito tempo, ser um nerd, CDF, como se dizia, era sinônimo de ser um excluído socialmente, alguém não muito invejado e normalmente ridicularizado pelos “colegas” de escola.

Hoje a situação parece ter mudado, ou está mudando. Talvez pelo “sucesso profissional” de Bill Gates e Steve Jobs, ou porque se percebeu que os nerds costumam se “dar bem”, não sei. Só tenho certeza que não é por valorizar o conhecimento, o que em minha opinião seria o desejável.

A percepção dessa mudança surge do comportamento dos meus alunos e de filmes e seriados que assisto (não mencionarei filmes ou seriados de ficção cientifica, pelos motivos óbvios). Confiram comigo:

MacGyver – Profissão perigo: Este ainda é da década de 80, MacGyver era capaz de transformar um cactos numa antena parabólica transmissora e receptora de ondas de radio. Deter o vazamento de um galão enorme de ácido sulfúrico usando barras de chocolate, e muito mais. Quando comecei a fazer física ele era motivo de piada, pois os exageros eram medonhos. Mas ele era um diferencial numa época onde os mocinhos geralmente utilizavam os músculos ou artes marciais, MacGyver usava o cérebro.

Lost: Apesar de vários personagens carismáticos e todos muito importantes para a série, foi Jack (um médico) que a maioria dos sobreviventes do avião elegeu como líder.

Dexter: Um nerd de laboratório (perito policial, especialista em análise de sangue, não apenas na análise química, mas também em toda física do espalhamento, respingos, tipos etc) é o protagonista da série. Mesmo sendo um serial killer, Dexter nos cativa e torcemos por ele (a desculpa de que ele só mata outros assassinos não é uma boa justificativa).

Criminal Minds: Um bando de agentes do FBI, especialistas em comportamento humano, traça o perfil dos criminosos ajudando a polícia a capturá-los. Todos ali são nerds, mas o maior deles sem duvida é Reid, o cara é muito fera, verdadeira enciclopédia humana além de gênio em quase tudo. Portanto, um personagem de destaque.

Breaking Bad: Um professor de química é o protagonista dessa série. Pai de um filho adolescente deficiente e, com a casa hipotecada e ainda com a esposa grávida, descobre que está com câncer terminal e resolve ganhar muito dinheiro fabricando metanfetaminas.

The Big Bang Theory: o máximo da caricatura dos nerds. Quatro cientistas, três físicos e um engenheiro espacial convivendo com uma linda loura. Apesar dos exageros é muito inteligente e engraçado e pelo que vejo faz muito sucesso entre meus alunos.

Iron Man (Homem de ferro): O famoso herói é um dos mais carismáticos do gênero, talvez porque logo no primeiro filme já tira sua mascara e mostra a todos quem ele é (Tony Stark), um famoso milionário com Ph.D. em física e engenharia elétrica pelo MIT.

Homem aranha: É o típico nerd que sempre se dá mal, mas quando ganha seus super poderes consegue se tornar um herói bastante admirado pelas crianças (a maioria dos homens adultos não é muito fã do homem aranha).

Numb3rs: Mais uma série, nessa um matemático ajuda seu irmão, que é do FBI a resolver casos.

Fringe: Mais uma vez o FBI precisa da ajuda de um cientista que ajudá-los a desvendar os mistérios da série e é claro que o cientista acaba roubando a cena, ou melhor a série.

Com certeza a lista está incompleta, peço então a ajuda de vocês para aumentá-la.

Alguns dessa lista estão mais para anti-heróis do que para heróis, já que fazem contravenções, crimes, mas não acho que seja por isso que a visão do nerd está mudando. Talvez isso não passe de uma leve impressão minha. Talvez seja somente uma flutuação estatística e logo-logo a coisa volte ao que era antes. O que vocês acham?  Por favor, nerds e não nerds manifestem-se

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Lendo Mentes

julho 22, 2012

Quantas vezes você ouviu a frase?

“O que você está pensando?”

E ficou feliz por saber que ninguém pode saber o que se passa por sua mente. Em um mundo onde a privacidade está se tornando cada vez mais rara é um conforto saber que pelo menos há lugares onde vai ser impossível colocar uma câmara não é mesmo? Nossos pensamentos estarão sempre em segurança. Mas por quanto tempo?

No seriado “True Blood” exibido pela HBO, seres humanos e vampiros convivem em uma quase harmonia. A personagem principal Sookie Starkhouse é uma garçonete que se apaixona por um vampiro e possui um dom curioso, ela consegue “ouvir” o pensamento de outros seres humanos. No filme e desenho dos X-men o professor Xavier é um poderoso telepata.

Mas a telepatia não é algo recente, nem na ficção nem na ciência. Não tenho conhecimento sobre esse assunto, mas sei que há bastante tempo diversos pesquisadores tentam comprovar cientificamente a possibilidade de transmissão de informação por telepatia.

Mas outro tipo de telepatia começa a ganhar ajuda da tecnologia. O jornal Folha de São Paulo publicou no caderno “Saúde +ciência”, no dia 29 de junho de 2012 matéria sobre um aparelho que ajuda a escrever com a mente. A matéria foi escrita com base em um artigo publicado na revista “Current Biology”, de pesquisadores holandeses e alemães.

Esse aparelho não é algo revolucionário, trata-se de uma máquina de ressonância magnética. Além disso ela não faz a leitura direta da mente, cria-se um código de “escrita mental” para que a máquina possa “ler”.

A ideia consiste em fazer com que a pessoa submetida à máquina pense em algumas coisas e isso ative certas áreas do cérebro que possam ser detectadas pelo aparelho. Criando-se um código que deve ser decorado pela pessoa, torna-se possível uma espécie de comunicação entre a pessoa e os pesquisadores.

O código foi criado usando-se três atividades mentais diferentes e três tipos de duração para cada atividade. As atividades eram: “falar” consigo mesmo, fazer um cálculo mental ou pensar em um movimento. As durações eram feitas através de um atraso no pensamento, podendo ser: 0 segundo de atraso, 10 segundos de atraso ou 20 segundos de atraso. Após essa escolha ela deveria ainda escolher mais três tempos diferentes (10, 20, ou 30 segundos) para cada ação escolhida.

Temos então um total de 33 = 27 combinações, o que permite associar 26 letras mais a tecla de espaço. Por exemplo: para sinalizar a letra E, a pessoa deveria imaginar um movimento (mexer uma parte do corpo) esperando 10 segundos para começar a pensar e depois manter o pensamento por 30 segundos. Haja paciência e concentração, (principalmente porque a pessoa está dentro daquelas máquinas claustrofóbicas).

Isso está bem longe do “cérebro”, a máquina do professor Xavier do X-men. Nem podemos dizer que se trata de uma leitura direta do pensamento. As pessoas precisam aprender e treinar um código, e ainda assim a precisão é de 82% para coisas simples como: a resposta de onde passou as férias. Mas a tecnologia evolui exponencialmente, o que podemos esperar para daqui a 50 anos?

 

“O pensamento é mais que um direito; é o próprio alento do homem.”
(Victor Hugo)

“Onde está o pensamento, está a força. É tempo de os gênios passarem à frente dos heróis.”

(Victor Hugo)

“Somos senhores dos nossos pensamentos; mas é-nos alheia a execução deles.”
(William Shakespeare)

“Quando não há, entre os homens, liberdade de pensamento, não há liberdade.”

(Voltaire)

“Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Como nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.”

 (Buda)

“Os sábios criam novos pensamentos, e os tolos os divulgam.”

(Heinrich Heine)

“Nossos pensamentos são as sombras de nossos sentimentos – sempre mais obscuros, mais vazios, mais simples que estes.”

(Friedrich Nietzsche)

“A independência de pensamento é a mais orgulhosa das aristocracias.”

(Anatole France)

 

 

Apagando a memória

setembro 23, 2011

Quem nunca recebeu uma desilusão amorosa?

Quem nunca sofreu por amor?

Quem já passou por isso sabe como dói, mesmo que não possamos dizer onde a dor está acontecendo.   Basta lembrar-se da pessoa amada. Na verdade, na fase mais aguda não é preciso lembrar, pois nunca a esquecemos, raros são os momentos em que não estamos pensando nela.

Quem já passou por situações traumáticas também sabe como é viver com essas lembranças.

E se lhe fosse oferecida a chance de apagar essas lembranças? De uma forma tão simples como tomar uma pílula?

Pois é, não estou falando de um filme, ou de um livro. Essas drogas já existem.

Vários estudos estão mostrando que é possível apagar lembranças, de forma seletiva, e garantir que novas lembranças possam ser registradas.

Já em 2007, o site O globo noticiava reportagem do “Journal of Psychiatric Research”, onde pesquisadores das universidades de Harvard e McGill, em Montreal testaram o uso da droga propanolol em conjunto com psicoterapia, para amenizar os sintomas de estresse pós-traumático em 19 pacientes que sofreram acidentes ou abuso sexual.

Em 2009 outra droga chamada ZIP foi testada por cientistas americanos e israelenses, apenas em ratos, e se mostrou eficiente na eliminação de memórias “ruins”.

Os cientistas descobriram que as lembranças são armazenadas por redes de neurônios, cujas sinapses (conexões entre os neurônios) são fortalecidas quando essas lembranças são reforçadas constantemente. Esse fortalecimento acontece pelo acúmulo de um tipo de molécula chamada PKMzeta na ponta das sinapses. A droga ZIP interrompe esse processo quando é aplicada diretamente no local onde essas lembranças devem-se formar.

Em um determinado estudo, ratos foram treinados a sentirem-se estressados ao ouvirem dois tons de um determinado som (após esses dois tons específicos eles recebiam um choque). Ao ouvirem esses tons os ratos já se preparavam para o choque. Após a injeção da droga o estresse não acontecia ao se ouvir som.

Em outro estudo, ratos aprendiam a evitar determinado alimento. Após a droga, esqueciam disso e se alimentavam desse alimento, passando mal em seguida.

Em um estudo mais recente, ratos ficaram viciados em cocaína. Qualquer estímulo era suficiente para que os mesmos buscassem a droga. Essa memória fica armazenada no centro de recompensa do cérebro. Após a injeção da droga, os ratos ficaram livres do vício.

Reportagem do dia 22 de agosto de 2011 do jornal Folha de São Paulo comenta artigo publicado na revista “Nature” (uma das mais conceituadas revistas científicas do mundo) do advogado Adam Kolber de Nova York, que defende o uso dessas drogas para testes em seres humanos. A reportagem também argumenta que vários bioeticistas são contrários a esse uso. Eles argumentam que ao invés de buscar a solução em uma pílula, deveriam “transformar más experiências em coisas boas”.

Em 2004, foi lançado o filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” ((Eternal Sunshine of the Spotless Mind) do genial roteirista: Charlie Kaufman, roteirista dos filmes:

Em Brilho eterno de uma mente sem lembranças, estrelado por Jim Carrey (o máscara) e Kate Winslet (Titanic), e participação de Elijah Wood (Frodo, Senhor dos anéis) e Kirsten Dunst (homem aranha), o personagem de Jim Carrey (que nesse filme consegue se livrar das insistentes caretas) sofre uma desilusão amorosa e decide apagar da memória as lembranças de sua amada. O método utilizado no filme é bem diferente de tomar uma droga, mas a forma como o filme é conduzido é muito legal.

E você? Usaria um remédio desses? Evitaria o sofrimento atacando o “mal” pela raiz?

Eu confesso que não usaria. Além do medo de que me apaguem lembranças importantes, penso que por mais que o amor possa nos causar sofrimento, acho que é esse sofrimento que nos faz crescer. É o amor que torna nossas vidas significantes, quer ele seja correspondido ou não. Ter a lembrança de um grande amor, mesmo que essa lembrança seja sofrida, é sentir-se vivo.

Em tempo: A TNT vai exibir o filme: Brilho eterno de uma mente sem lembranças na terça feira 27 de setembro as 22 horas!

 

Referências bibliográficas:

http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=1360 acesso em 22/09/2011

http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/07/02/296600724.asp acesso em 22/09/2011

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/07/pesquisadores-isralenses-combatem-vicio-em-drogas-com-testes-em-ratos.html acesso em 22/09/2011

http://www.universitario.com.br/noticias/noticias_noticia.php?id_noticia=3864 acesso em 22/09/2011

Ver para crer? Ou ver e se iludir?

agosto 9, 2011

Cine 3D; experiências fora do corpo e fantasmas da mente

Ontem (na verdade já faz tempo que comecei esse post) assisti ao último filme do Harry Potter (Harry Potter e as Relíquias da Morte- parte 2; Direção David Yates – 2011). Apesar de comprar com antecedência, acabei ficando muito próximo da tela, que era imensa. Como o filme era 3D, em vários momentos objetos “saltavam” da tela e eu tinha a certeza de que seria possível pegá-los, bastando para isso erguer o braço. Nessa hora pensei comigo: “eu sei que isso é apenas uma imagem e que ela está sendo formada lá na tela, mas meus olhos me dizem outra coisa. Como meu cérebro pode ser tão facilmente enganado?”

Os filmes 3D não são novidades, já na década de 70 várias pessoas usavam os óculos que forneciam a impressão da terceira dimensão. Mas eram tão toscos que não vingaram. As novas produções investiram em uma tecnologia muito mais impressionante, mas ainda acho que aqueles óculos são um incômodo. Acredito que essa volta ao 3D é somente para tentar diminuir a pirataria. Mas o que quero abordar é outra coisa: Como nós, seres humanos, confiamos tanto em nosso sentido da visão.

Uma vez ouvi, em um programa de rádio, uma especialista comentando que supervalorizamos a visão. Segundo ela imaginamos que um deficiente visual deve ter muita dificuldade em ser integrado na sociedade. Ela comentava que apesar das dificuldades, os deficientes auditivos possuem muito mais dificuldade de se integrarem na sociedade do que os visuais.

O grande matemático e filósofo Bertrand Russell, prêmio Nobel de literatura em 1950, em seu livro “O ABC da relatividade” nos intriga quando discute: “o que consideramos real? Aquilo que vemos? Tocamos? Ouvimos?” Mas e se alguma coisa pudesse enganar nossos sentidos, nos dando a impressão de que vimos, ouvimos ou tocamos em algo, mas que na verdade não existe?

Quando li esse trecho do livro de Russell, não se falava ainda em realidade virtual, nem existia cine 3D tão impressionante, mas pensei em um sonho. Muitas vezes durante o sonho não percebemos que estamos sonhando, acreditamos que aquilo realmente está acontecendo.

Nosso cérebro cria uma realidade que não necessariamente é o mundo real. Por isso muitas vezes somos enganados pelas imagens. As ilusões de óptica são um exemplo disso. Mas com o advento da realidade virtual, e com as novas pesquisas da neurologia, estamos entrando em uma nova era.

Os neurologistas Oliver Sacks e Miguel Nicolelis abordam em seus respectivos livros: “O homem que confundiu sua mulher com o chapéu” e “Muito além de nosso eu”, um triste sintoma de pessoas que tiveram partes de seu corpo amputadas, os chamados membros fantasmas.

Mesmo não possuindo mais o membro que foi amputado, várias pessoas relatam que sentem coceiras ou fortes dores nesses membros. Segundo Nicolelis uma forma de melhorar esses sintomas consiste em “iludir” o cérebro do paciente. Utilizando uma “caixa de espelhos”, criada por um pesquisador, os pacientes podem colocar seu braço (ou perna) que não foi amputado e visualizar pelo espelho uma imagem dele no local onde deveria estar o braço fantasma. Após alguns minutos de uso dessa caixa de espelhos, vários pacientes relataram uma melhora, ou até mesmo o sumiço dos sintomas do membro fantasma. A hipótese levantada é que o cérebro entende a imagem como se fosse a parte do corpo restabelecida.

Nicolelis defende a tese de que o cérebro cria a nossa imagem corporal, e é capaz até mesmo de incluir, como fazendo parte de nosso corpo, ferramentas e instrumentos, desde que esses sejam constantemente utilizados por uma pessoa. Por exemplo, uma raquete de tênis para um tenista, um violino para uma violinista, um carro de fórmula um para um piloto, uma bola para um jogador de futebol, fariam parte do corpo de cada uma dessas pessoas. Para o cérebro delas, seu corpo compreende o artefato constantemente utilizado.

Nicolelis discute ainda experimentos que ele chama de experiências fora do corpo. Sujeitos são instruídos a se sentar em uma cadeira e colocar seu braço esquerdo sobre uma mesa. Após impedir que esse braço seja visualizado (através de um painel opaco) é colocado na frente do sujeito um braço de plástico, na posição que deveria estar seu braço verdadeiro. Em seguida os dois braços, o verdadeiro e o de plástico, são estimulados simultaneamente, mas a pessoa só consegue ver o estímulo no braço de plástico. O resultado é que após algum tempo, a maioria das pessoas que passaram por isso dizem que sentiram o estímulo, como se ele tivesse partido do braço do manequim (de plástico). Quando se pede para os sujeitos fecharem os olhos, e tocarem com o dedo da mão direita no dedo da mão esquerda, eles levam o dedo da mão direita ao braço do manequim e não ao seu braço que está escondido.

A tese de Nicolelis é que o cérebro interpreta como seu, o braço do manequim, pois está recebendo dados, principalmente visuais, desse braço e não do braço verdadeiro.

Outros experimentos ainda mais intrigantes são abordados em seu livro. A questão interessante que fica é se não podemos ter certeza nem mesmo do que faz parte de nosso corpo, como podemos ter certeza do que vemos?

Ilusão de óptica, hologramas, realidade virtual, cine 3D e experimentos neurológicos estão nos mostrando que devemos duvidar até mesmo de nossos sentidos. Claro que isso não é nenhuma novidade para quem trabalha com mágica. Os ilusionistas são mestres em nos enganar.

Mas se não podemos confiar nem em nossos sentidos o que devemos fazer?

Talvez o que já fazemos (ou pelo menos devíamos estar fazendo) com as informações:  Consultar sempre mais de uma fonte.

Viagem no tempo III e Cérebro eletrônico IV: Fazendo nossa mente viajar no tempo

julho 19, 2011


Quando pensamos em uma máquina do tempo logo nos vem à mente a possibilidade de consertar erros do passado ou de fazermos escolhas diferentes. A grande questão (que já foi mencionada nos outros posts sobre o assunto) é sobre a possibilidade, ou não, de alterar o passado.

Mas podemos pensar em outra possibilidade, em que os paradoxos não precisam acontecer: uma viagem ao passado sem interferência, apenas de observação.

Existem momentos vividos por mim que eu gostaria de reviver, ou de pelo menos passar novamente pela experiência. Nossa memória é impressionante, mas não é perfeita, não consegue reter a experiência com exatidão (nem poderia, esquecer é algo essencial), além disso, podemos ter recordações que não são reais, que foram distorcidas ou confundidas por sonhos ou relatos de outras pessoas.

Mesmo que a lembrança pudesse estar intacta, ainda assim gostaria de vivenciá-las novamente, só recordar não basta.

Imagine uma máquina do tempo que pudesse nos levar para um momento passado como observador, como se estivéssemos vendo um filme, mas o nosso filme, sendo visto de dentro. Reviver emoções incríveis, que lembramos com saudades, ou até mesmo aquelas que não recordamos mais, como o momento de nosso nascimento, nossos primeiros passos, o sorriso de nossos pais quando dissemos: mamãe ou papai, o primeiro beijo.

No filme de ação: Déjà Vu ( 2006 ) com Denzel Washington e Paula Carlin e direção de Tony Scott, a ideia inicial é justamente uma máquina que permite ver o que aconteceu no passado. Uma espécie de máquina do tempo só de observação, mas entre a ficção científica e o filme de ação, a opção foi a segunda e o filme acabou se transformando em apenas mais um filme de entretenimento, uma boa ideia que foi desperdiçada.

Nos dois primeiros posts sobre viagem no tempo comecei a abordar, pelo lado da física, a possibilidade teórica de se viajar no tempo. Nenhum físico pode ainda provar que uma máquina do tempo pode ser construída, assim como nenhum físico pode ainda provar que ela não possa ser construída.

Mas o tipo de viagem no tempo que mencionei no começo deste post pode ser possível, não através de uma máquina do tempo, mas de outra forma, tão surpreendente quanto esta, típica das histórias de ficção científica, mas tecnicamente possível em um futuro não muito distante.

O neurocirurgião brasileiro Miguel Nicolelis que, segundo a prestigiada revista Scientific American, é um dos vinte maiores cientistas da atualidade, nos conta logo no primeiro capítulo do seu mais recente livro: Muito além do nosso eu – Companhia das Letras, como esse tipo de experiência que eu relatei poderia se tornar realidade.

Nicolelis lidera um grupo de neuroengenharia na Universidade Duke na Carolina do Norte (EUA). Suas pesquisas ganharam fama mundial e ele já foi cotado várias vezes ao prêmio Nobel de medicina. Entre seus feitos estão o desenvolvimento de uma cirurgia que minimiza os efeitos do mal de Parkinson e dispositivos intracranianos, que implantados no cérebro de uma macaca, fizeram a mesma mover um braço robótico apenas com a “força” do pensamento.

Grosseiramente falando, a técnica de Nicolelis consiste em conseguir, através de dispositivos que ele chama de interfaces cérebro-máquina (ICM), fazer uma “leitura” dos sinais nervosos enviados pelo cérebro. Em seguida, esses sinais são convertidos em sinais elétricos, através de um software, que comandam um sistema robótico. O sonho de Nicolelis é conseguir fazer com que paraplégicos possam usar essa tecnologia para mover uma espécie de exoesqueleto robótico e dessa forma voltar a andar. E num futuro próximo comandar diretamente, através do pensamento, próteses biônicas.

Mas Nicolelis pensa muito mais longe, acreditando que isso é só o começo de uma grande revolução. Num futuro um pouco mais distante será possível, segundo ele, dispensar o mouse, o teclado ou qualquer outro dispositivo de comando para se acessar o computador, poderemos inclusive acessar a internet apenas pensando, o que ele chama de “brainet” (brain = cérebro, em inglês). Nas palavras de Nicolelis:

Se esse exemplo não é suficientemente sedutor, imagine se você de repente pudesse experimentar toda gama de sensações despertadas por um simples toque na superfície arenosa de um outro planeta, milhões e milhões de quilômetros distante daqui, sem ao menos sair de sua sala de estar. Ou ainda melhor, como você se sentiria caso lhe fosse dado acesso a um banco de memórias de seus ancestrais remotos, de modo que pudesse, num mero instante, recuperar os pensamentos, emoções e recordações de cada um desses seus entes queridos, criando assim, por meio de impressões e sensações vividas, um encontro de gerações que jamais seria possível de outra forma? 1

Veja que não está se falando de simplesmente ter acesso a essas emoções como se fosse um filme. Essas emoções e pensamentos, registrados na forma de sinais elétricos, poderiam ser gravados e depois enviados aos nossos cérebros, de tal maneira que teríamos a exata sensação de estar vivendo aquilo, como acontece em um sonho.

A base da tecnologia já existe. Em seus experimentos Nicolelis mostrou que o cérebro da macaca reconheceu o movimento do braço mecânico, enviado através de sinais elétricos por eletrodos implantados no cérebro, como se fosse ela mesma que estivesse movendo diretamente com seu braço. No início, a macaca fazia o movimento através de um joystick, mas depois percebeu que não era preciso realizar o movimento, bastava pensar.

Infelizmente, mesmo que essa espécie de viagem no tempo venha a se tornar realidade, ela não me permitirá reviver minhas emoções de criança, simplesmente porque eu não as gravei nesse banco de memórias. A menos que seja possível, e aí já é viagem minha, recuperar essas memórias de algum jeito, mas a forma como o cérebro armazena nossas memórias ainda é um mistério.

Mais uma vez parece que a vida imita a arte. Se você não viu, veja o excelente filme “Vanilla Sky” de 2001 de Cameron Crowe, estrelado por Tom Cruise, Cameron Dias e Penélope Cruz. Esse filme é na verdade uma refilmagem do também excelente “Abre los ojos” (1997) de Alejandro Amenábar e Mateo Gil, estrelado por Eduardo Noriega e a mesma Penélope Cruz. Após assisti-lo você entenderá onde estou querendo chegar.

Referência Bibliográfica:

1 – Nicolelis, Miguel  – Muito além do nosso eu – Companhia da Letras – 2011 – páginas 25 e 26.


Cérebro Eletrônico III : Se sei escrever, então também consigo ler, certo? Não é bem assim.

julho 5, 2011

No post Cérebro eletrônico parte II eu prometi falar sobre a implantação de chips em humanos, nas próteses neurológicas, etc. Muita coisa aconteceu desde esse post, inclusive novos avanços nessa área. Talvez o que de melhor tenha acontecido é que a grande mídia brasileira descobriu Miguel Nicolelis, um neurologista brasileiro muito respeitado no exterior. Cotado, mais de uma vez,  para o premio Nobel de medicina. Mas nossa imprensa tem muitas notícias importantes a serem  veiculadas, talvez por isso Nicolelis aparecia apenas em revistas especializadas como a revista Pesquisa FAPESP  ou Scientific American Brasil. Mas enfim ele foi “descoberto”, começou a aparecer em vários programas de televisão e acaba de lançar um livro no Brasil: Muito além do nosso eu, pela Companhia das Letras.

Deixarei então para falar sobre implantes cerebrais e próteses após ler o livro do Nicolelis, agora vou falar sobre Oliver Sacks, um neurologista britânico, famoso pelos excelentes livros que escreve, alguns deles tornaram-se Best Sellers e um deles “Tempo de despertar” virou filme.

Ao falarmos em cérebro, mente e na forma como pensamos, somos obrigados a levar em consideração os inúmeros casos dos pacientes relatados por Oliver Sacks. Em seu livro: O homem que confundiu sua mulher com um chapéu – Companhia das Letras (1997) ele nos conta casos curiosíssimos de problemas neurológicos, surgidos em pessoas que eram, como se costuma dizer, “normais”.  Alguns casos são clássicos como os de “membros fantasmas”, pessoas que após terem algum membro amputado, continuam a sentir dor e coceira, como se o membro continuasse a fazer parte de seu corpo. Outras doenças são tão estranhas que parecem ter saído de um livro de ficção, como o que dá título ao livro. O paciente em questão começou a perder a capacidade de reconhecer fisionomias, era um professor e percebeu que não conseguia mais distinguir seus alunos uns dos outros. Depois ele foi perdendo a capacidade de reconhecer objetos de uso cotidiano. Sacks nos conta que esse paciente chegou ao seu escritório acompanhado de sua esposa e ao se levantar para ir embora, pegou a cabeça dela e tentou vestir como se fosse seu chapéu.

Em seu último livro: O olhar da mente – Companhia das Letras (2010) há um capítulo intitulado “Um homem de letras”, onde ele discute sobre Howard Engel, um escritor canadense que ao acordar certo dia, não conseguia ler seu jornal, as letras pareciam as mesmas, mas a linguagem lhe era diferente, como se fosse outra língua. Ele havia sofrido um AVC (acidente vascular cerebral), mais conhecido como derrame. Entre as várias sequelas que um AVC pode causar, a alexia (incapacidade para a leitura) é uma delas. O mais curioso é que Howard conseguia ainda escrever, mas era incapaz de ler o que escrevia.

Oliver Sacks passa então a discutir nesse capítulo como o cérebro faz as relações que permitem a leitura e a escrita, e defende que esses processos são distintos no cérebro. A leitura faz uso do que ele chama de área de formação visual, que deve ter evoluído de uma habilidade para o reconhecimento das formas do ambiente a nossa volta, de imagens importantes como rostos conhecidos. O reconhecimento visual de objetos depende dos milhões de neurônios do córtex inferotemporal, e segundo Sacks nos conta  ler vem da plasticidade que esses neurônios tem de se adaptar:  Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia

“fizeram uma análise por computador de mais de uma centena de sistemas de escrita antigos e modernos, inclusive sistemas alfabéticos e ideogramas chineses. Mostraram que todos eles, embora geometricamente muito diferentes, têm em comum certas semelhanças topológicas básicas. (…) Changizi et al . encontraram invariantes topológicas semelhantes em um conjunto de cenários naturais, o que os levou a supor que as formas das letras “foram selecionadas” para lembrar as conglomerações de contornos encontradas em cenas naturais (…) 1

O paciente de Sacks, Howard, não conseguiu se curar da alexia, mas graças a uma enorme força de vontade, descobriu como conseguir alguma rapidez para a leitura. Ele percebeu que ao escrever o contorno da letra com o dedo no ar, ele conseguia memorizar mais facilmente a letra e isso auxiliava a sua leitura, além dos dedos, Howard começou a mover a língua, traçando a forma da letra no céu da boca e nos dentes, ele estava substituindo a leitura por uma espécie de escrita, lendo com a língua, como diz Sacks.

Esse capítulo todo do livro de Oliver Sacks me fez pensar se um software de computador poderia agir assim. Nosso cérebro é produto de milhões de anos de adaptação e evolução. Sua forma de operar é bem diferente dos algoritmos que criamos em um programa.

Podemos imaginar que isso possa ser copiado e reproduzido por um software que se adapte. Mas o interessante de se pensar é que a evolução não busca a perfeição. Ela busca meios de se adaptar a um problema que surge. A saída encontrada não é, necessariamente, a melhor saída, apenas uma saída. Por exemplo: Para sobreviver a variações de temperatura, alguns seres desenvolveram penas, outros pelos, outros uma grossa camada de gordura.

Portanto na procura de tentar imitar o cérebro humano, uma inteligência artificial pode encontrar varias outras possibilidades. Um tipo diferente de inteligência. Nem melhor nem pior, mas diferente. Como seria esse ser?

Referencia Bibliográfica:

1 – Sacks Oliver – O olhar da mente – Companhia das Letras (2010)- página: 73

A origem: cinema e tecnologia, imaginação e arte, subconsciente e geometria, efeitos especiais e inteligência.

agosto 18, 2010

Na semana passada assisti ao filme: “Inception” intitulado no Brasil: A origem e estrelado por Leonardo DiCaprio. O filme foi escrito, produzido e dirigido por   Christopher Nolan,  o mesmo diretor  dos novos filmes do Batman: “Batman Begins” e “O cavaleiro das trevas”. Nolan também é roteirista do excelente Memento (no Brasil: Amnésia ) de 2000.

A origem pode ser classificado como um filme de ficção científica, na mesma linha de Matrix. Inclusive a temática é parecida, a grande questão: o que estamos vivendo é a realidade? Também nesse filme, assim como em matrix, os personagens podem entrar numa espécie de mundo virtual, mas nesse caso este mundo pertence ao sonho de alguém.

Em “Mullholand Drive” (No Brasil: Cidade dos sonhos) um drama de 2002 do diretor David Lynch, ficamos perplexos com a confusão que o diretor nos coloca ao transformar o filme num verdadeiro sonho. Agora Nolan nos insere no sonho de um personagem e de dentro do sonho somos enviados a outro sonho e mais outro, como se fosse uma “matrioshka”, aquelas séries de bonecas russas que ficam umas dentro das outras.

Matrioshka - as bonecas russas

É preciso estar bem acordado para ver o filme, mas a complexidade de A Origem de Nolan não chega nem perto da de Cidade dos Sonhos de Lynch. Mesmo assim o filme vale muito a pena, por ter uma idéia inteligente, atores excelentes e imagens impressionantes. O filme ainda pode agradar aos fãs de filmes de ação pois toda a questão sobre sonhos e realidade servem como pano de fundo para um tema bem batido, o crime perfeito. Dentro disso não faltam tiros e perseguições, que a meu ver são a parte fraca do filme. Talvez por saber que os personagens estavam dentro de um sonho, fica dificil “entrar no filme” nas partes que envolvem a ação.

O que mais me agradou no filme, e que me motivou a escrever aqui no blog, é como o filme casa tão bem efeitos especiais e ficção científica. É uma pena que a maior parte dos filmes de efeitos especiais sejam sobre catastrofes, destruições do planeta, ataques de monstros ou alienígenas. A carência de roteiros inteligentes, para filmes que contenham esses efeitos, acaba levando a um preconceito de que efeitos especiais e qualidade são inversamente proporcionais. Mas Nolan já havia mostrado sua competencia em Amnésia. Um filme cujo enredo é muito simples e barato, mas que ao ser montado de tras para frente transformou-o num excelente filme. Lembro-me que ao assisti-lo no cinema pela primeria vez, fui ficando muito incomodado com a confusão inicial, mas quando o filme acabou tudo fez sentido e foi uma sensação ótima de compreensão, como se um enorme quebra cabeça tivesse sido montado em alguns segundos. Engraçado que no filme Cidade dos Sonhos de Lynch a sensação foi exatamente ao contrário, uma imagem que parecia pronta, é despedaçada a medida que o filme vai terminando e quando acaba, a sensação é que faltam peças para montar o quebra cabeça.

Mas voltando ao filme A Origem, outro detalhe que merece destaque aqui são as referencias, não citadas, ao artista gráfico M. C. Escher. Mestre da ilusão de óptica, Escher utiliza, de forma brilhante, elementos da geometria e do infinito para criar cenas impossíveis e perturbadoras, como a água que sempre desce mas que retorna ao ponto de partida ou escadas que sempre sobem. O filme explora bem isso, já que nos sonhos, nosso subconsciente pode criar cenários inusitados.

Vejam abaixo algumas obras de Escher e o video do trailer do filme.

Cérebro eletrônico?

maio 10, 2010

 

Quando a vida começou?

Qual o exato momento em que podemos dizer que houve uma reação química que propiciou o aparecimento de uma molécula orgânica capaz de se auto-reproduzir? Que etapas cruciais foram indispensáveis?

Provavelmente nunca saberemos essas respostas.

Mas se um evento, talvez tão importante como esse, fosse acontecer novamente no mundo seríamos capazes de perceber? É possível ter a noção de que estamos imersos numa profunda revolução?

No dia 25 de abril de 2010 foi publicado na revista Nature Physics um artigo de cientistas japoneses e americanos que até agora passou despercebido pela grande mídia brasileira. Nesse artigo, Anirban Bandyopadhyay, Ranjit Pati, Satyajit Sahu, Ferdinand Peper, e Daisuke Fujita, relatam que conseguiram pela primeira vez a obtenção de um processador molecular que pode resolver problemas complexos imitando a forma como o cérebro humano processa as informações.

O mais incrível ainda é que este circuito é capaz de se autoconsertar, podendo evoluir para resolver problemas ainda mais complexos, assim como nosso cérebro.

Será que a fronteira foi quebrada? Será que estamos prestes a ver surgir à verdadeira inteligência artificial?

Com certeza ainda é muito cedo para afirmar uma coisa dessas, principalmente porque definir o que é inteligência é algo extremamente difícil. Não há um consenso. As pesquisas envolvendo inteligência artificial atuam em diversas áreas distintas como a neurociência, redes neurais, psicologia evolutiva, ciência da computação e outras.

Mas o que há de tão revolucionário nesse trabalho? Os computadores já não são extremamente rápidos? Já não superaram nosso cérebro?

Sim e não. Um computador é muito rápido em seu processamento. A velocidade de chaveamento de um transistor pode chegar atualmente a 10 trilhões de vezes por segundo, enquanto nossos neurônios disparam mil vezes por segundo. Mas o que isso significa? Podemos dizer que o computador pode realizar um calculo 10 bilhões de vezes mais rápido que nosso cérebro. Isto não implica em dizer que ele poderá resolver qualquer problema mais rápido. Pois, enquanto os circuitos eletrônicos de um processador de silício são seriais, o nosso cérebro opera em paralelo. Em outras palavras, os circuitos digitais de um computador delimitam um caminho e o seguem, resolvendo um problema de cada vez, ainda que de forma muito rápida. Já nosso cérebro é lento no processamento, mas por operar em paralelo pode resolver vários problemas de uma vez.

É claro que um computador pode realizar várias tarefas ao mesmo tempo, mas ele deve ser programado para isso. Vejamos um exemplo do que estou querendo dizer: tente ler a frase abaixo:

Não tvie flihos não traimsnti a neunhma critaura o leagdo de nsosa miérsia.

Provavelmente você deve ter conseguido ler, mesmo estando as letras embaralhadas. Isso acontece porque nosso cérebro não lê cada palavra letra por letra. Ele reconhece a palavra inteira provavelmente como uma imagem, e ainda que esta esteja deformada, ele consegue procurar aquela que faça sentido. Um computador que fosse ler essa frase acusaria erro em quase todas as palavras, pois compararia as mesmas, a um banco de dados previamente gravado. Como vocês bem sabem, programas editores de texto corrigem automaticamente ou fazem sugestões de palavras, em casos como esses. Mas para isso ele teve que ser programado: “Compare palavras desconhecidas com palavras parecidas armazenadas em seu banco de dados e sugira a alteração”. Essa programação deve ser feita quando o programa todo foi criado, ela não surge sozinha depois que ele está pronto e é algo que consome bastante tempo e espaço de memória, tornando o programa lento.

Tarefas que são corriqueiras para nós, e que fazemos tão bem, demandam muitas vezes problemas intratáveis de computação. Andar sobre duas pernas por exemplo. Um inseto pode levantar três pernas que ainda terá outras três para permitir o equilíbrio. Mas quando nós andamos temos que equilibrar todo peso de nosso corpo num único pé de cada vez, seja qual for o formato do terreno que estamos pisando. Programar um robô para andar é um verdadeiro desafio de engenharia, computação e física do movimento. Nosso cérebro não nasce sabendo fazer isso. Mas em alguns anos já estamos dando passos firmes, correndo, dando saltos e virando cambalhota.

E a engenharia das mãos? O controle perfeito da força quando seguramos diferentes coisas como um pacote de açúcar de 1 kg, uma bola de tênis ou um frágil ovo. A rapidez e precisão para pegar, ainda no ar, um objeto atirado em sua direção. A suavidade necessária para ofertar um carinho.

Atualmente existem programas de computador que reconhecem impressões digitais de uma pessoa ou a íris dos olhos. Isso é feito comparando uma imagem digitalizada com imagens previamente gravadas em um banco de dados. Mas programar um computador para o reconhecimento facial não é nada fácil. Muitas são as variáveis envolvidas e, além disso, se uma pessoa que digitalizou sua imagem estivesse de bigode, ao aparecer sem ele o programa não reconheceria como a mesma pessoa, a não ser que isso fosse previamente adicionado no software, o que demandaria mais linhas de programação e mais demora de processamento, pois teríamos que pensar em todas outras variáveis como um diferente corte de cabelo, óculos escuros, maquiagem ou não, espinhas e cravos na pele, etc.

Nosso cérebro consegue não só reconhecer vários rostos, com certa precisão, como trás junto a imagem um histórico sobre aquela pessoa (é meu irmão, minha tia, amigo de infância, colega de trabalho, alguém que acabei de assistir num programa de televisão).

O psicólogo e cientista cognitivo Steven Pinker em seu brilhante livro de 666 (espero que não se assustem com o número) páginas: “Como a mente funciona” nos chama a atenção para algo aparentemente banal que nossa mente faz, mas que nenhum computador do mundo consegue repetir:  O bom senso. Nas palavras de Pinker:

“A razão de não haver robôs semelhantes a seres humanos não surge da idéia de uma mente mecânica estar errada. É que os problemas de engenharia que nós, humanos, resolvemos quando enxergamos, andamos, planejamos e tratamos dos afazeres diários são muito mais desafiadores do que chegar à Lua ou descobrir a sequencia do genoma humano. A natureza, mais uma vez, encontrou soluções engenhosas que os engenheiros humanos ainda não conseguem reproduzir. Quando Hamlet diz: “Que obra de arte é um homem! Que nobreza de raciocínio! Que faculdades infinitas! Na forma e no movimento, que preciso e admirável!”, nossa admiração deve se dirigir não a Shakespeare, Mozart, Einstein, ou Kareem Abdul-Jabbar, mas para uma criança de quatro anos atendendo a um pedido de guardar um brinquedo na prateleira.”

À medida que crescemos, nosso cérebro vai aprendendo coisas que, se programadas em um computador, provavelmente iria sobrecarregar seus bancos de memória. Pinker nos mostra que coisas simples e óbvias para nós, que nem chegamos a pensar sobre elas estão de alguma forma inseridas em nosso programa cerebral, seja lá o que ele for:

“Saber quem é solteiro é apenas uma questão de bom senso, mas não há nada de banal no bom senso. De algum modo, ele tem de encontrar seu caminho em um cérebro de ser humano ou de robô. E o bom senso não é simplesmente um almanaque sobre a vida que pode ser ditado por um professor ou transferido como um enorme banco de dados. Nenhum banco de dados poderia arrolar todos os fatos que conhecemos tacitamente, e ninguém jamais nos ensinou esses fatos. Você sabe que, quando Irving põe o cachorro no carro, o animal não está mais no quintal. Quando Edna vai à igreja, sua cabeça vai junto. Se Doug está dentro da casa, deve ter entrado por alguma passagem, a menos que tenha nascido ali e dali nunca tivesse saído. Se Sheila está viva às nove da manhã e está viva às cinco da tarde, também estava viva ao meio-dia. As zebras na selva nunca usam pijama. Abrir um vidro de uma nova marca de manteiga de amendoim não encherá a casa de vapor. As pessoas nunca enfiam termômetros para alimentos na orelha. Um esquilo é menor que o monte Kilimanjaro.”

Desculpem-me por essas imensas citações, e por um post tão grande, mas o assunto é muito interessante, e o livro mais ainda, além disso, Steven Pinker é dotado de um excelente senso de humor como vocês devem ter percebido.

Apesar de não sabermos como o cérebro consegue armazenar essas coisas todas, podemos deduzir que elas não nascem com a gente. É fácil nos lembrar de como as crianças nos surpreendem ao fazer certas besteiras. Lembro-me bem de um amigo meu de infância Toninho, que correndo para não apanhar da mãe se deteve em frente ao espelho e disse: “Aha! Agora a senhora não vai poder me bater! Não vai saber se sou eu ou o espelho”. Não preciso dizer que ele aprendeu de uma forma dolorida que estava errado.

 Nosso cérebro é um órgão fascinante e até onde sabemos único.  Pelo menos até agora. Será que esse novo processador desenvolvido vai conseguir imitar nosso cérebro? Será que ele vai evoluir e aprender?

Segundo o estudo, esse novo processador foi criado a partir de um processo denominado automontagem, onde moléculas que se organizam automaticamente em padrões funcionais criam minúsculos circuitos. A molécula utilizada por eles é chamada DDQ, uma molécula hexagonal formada por átomos de nitrogênio, oxigênio, cloro e carbono.

 Essa molécula pode funcionar como um interruptor abrindo e fechando, mas diferente dos circuitos de silício convencional, que só permitem duas posições 0 e 1, criando assim um código binário, a molécula DDQ pode estabelecer 4 estados condutores 0, 1, 2 e 3. Com isso esse circuito evolutivo permite interconexões simultâneas de até 300 bits. Por isso dizemos que se trata de uma ligação paralela, formando redes dinâmicas ao invés de um único caminho possível para o sinal elétrico, como acontece nos atuais circuitos digitais que são seriais.

Nas palavras de um dos autores, Ranjit Pati:

“A melhor parte é que aproximadamente 300 moléculas ‘falam’ umas com as outras de uma vez só durante o processamento das informações. “Nós realmente imitamos como os neurônios se comportam no cérebro.”

A promessa é grande, poderemos ter um salto tecnológico incrível, uma verdadeira revolução na informática. Problemas hoje intratáveis poderão ser resolvidos com esse novo tipo de processamento.

Mas e a inteligência artificial? Será que poderemos dizer que esse processador realmente pensa? Será que o que a ficção previu vai se tornar realidade? Poderemos ser ultrapassados por máquinas pensantes? Deixemos a discussão sobre essas questões para o próximo post: Cérebro eletrônico? – parte II

Referências Bibliográficas:

Massively parallel computing on an organic molecular layer
Anirban Bandyopadhyay, Ranjit Pati, Satyajit Sahu, Ferdinand Peper, Daisuke Fujita
Nature Physics
25 April 2010
Vol.: Published online before print
DOI: 10.1038/nphys1636

 Site: Inovação Tecnológica – Tudo o que acontece na fronteira do conhecimento http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=processador-molecular-imita-cerebro-humano&id=010150100426 – Acesso em 26/04/2010

Pinker, S. “Como a mente funciona” – Companhia das Letras – 2001