Primeiramente vamos esclarecer que esse apelido “partícula de Deus” foi uma brincadeira de um físico famoso, e que está servindo mais para confundir e distorcer, do que para divulgar. Em entrevista para o site Terra Magazine, o físico brasileiro Alberto Santoro que trabalha no LHC (Grande Colisor de Hadrons, na sigla em inglês para o maior acelerador de partículas do mundo), explica a origem desse apelido:
– Isso foi muito ruim, a história desse nome é de uma brincadeira que o Leon Lederman, prêmio Nobel de Física, fez num grupo de físicos que estavam numa espécie de workshop, discutindo sobre o que o Higgs resolveria. Resolveria isso, aquilo… Aí o Lederman disse: “Pô, já que vocês acham tudo isso, essa é a partícula de Deus, vai resolver todos os problemas”. Mas ele disse isso de gozação, depois fez um livro com esse título e nele fala isso1.
Na verdade o nome do livro era inicialmente “A Partícula Maldita” (“The Goddamn Particle”), já que ela não tinha sido detectada apesar de tantos esforços, mas foi alterada pelo editor que achou que poderia soar ofensivo a palavra “maldita”.
A história da ciência está recheada desses apelidos que “pegam” como modelo do “Big Bang” e “buraco negro”. Mas como diz ainda Alberto Santoro em sua entrevista, essa escolha está dando bastante trabalho aos cientistas envolvidos no projeto, eles precisam ficar o tempo todo dando explicações de que a procura pelo bóson de Higgs não tem nada a ver com fé religiosa.
Para entendermos o que é o bóson de Higgs precisamos antes saber o que é um bóson. Com certeza você sabe que quase toda matéria que está a nossa volta é feita de moléculas e que essas são compostas por átomos. Mas do que é feito um átomo?. No final do século XIX, J.J.Thomson descobriu que o átomo não era indivisível, como propõe a origem do seu nome, do interior do átomo podiam ser emitidas partículas minúsculas que Thomson chamou de elétrons.
Nas aulas de química aprendemos que além de elétrons, os átomos possuem prótons e nêutrons. Mas com a construção dos aceleradores de partículas muitas outras partículas foram sendo descobertas.
No final da década de 60 haviam tantas partículas fundamentais que o próprio nome, fundamentais , perdeu o sentido. Foi quando se criou o modelo padrão, modelo válido até hoje na física de partículas. Esse modelo reduziu bastante o número de partículas fundamentais, apesar delas ainda serem bastantes: 36, divididas em 3 “famílias” de 12 elementos. A maioria dessas partículas só existe em raios cósmicos, ou são produzidas em reações nucleares. Podemos dizer que a matéria que nos cerca é feita de 4 partículas fundamentais : elétrons e neutrinos (uma partícula de massa quase insignificante, mas sem carga elétrica) e dois quarks (up e down) que formam prótons e nêutrons. Além dessas quatro partículas, temos suas anti-partículas (toda matéria possui uma partícula com alguma característica contrária chamada anti-matéria, mas isso eu explico em outro post) e ainda partículas que não possuem massa, e que são responsáveis pelos campos de força, como o fóton, responsável pelo campo eletromagnético, o gluon, responsável pela força nuclear forte, os bósons W e Z responsáveis pela força nuclear fraca e o gráviton (ainda não descoberto) responsável pela força gravitacional.
Essas partículas todas são divididas em duas classes: férmions e bósons. Esses nomes vêem dos cientistas que propuseram uma distribuição estatística para essas partículas: o italiano Enrico Fermi e o indiano Satyendra Nath Bose, juntamente com Einstein. Partículas que são férmions, como o elétron, o próton e o nêutron, possuem spin semi-inteiro (spin é uma propriedade única de partículas subatômicas) enquanto que bósons são partículas que possuem spin inteiro, como o fóton, a partícula alfa, e os bósons W, Z e o de Higgs. Um férmion pode manter alguma “individualidade” podemos distinguir um elétron de outro, dizendo que um tem um spin para cima e o outro um spin para baixo. Já os bósons são completamente indistinguíveis.
Finalmente posso falar sobre o bóson de Higgs. Em 1964 Peter Higgs, físico britânico, publicou um trabalho onde propunha a existência de um campo de energia que permearia todo o espaço, inclusive o vácuo. Ao se moverem através desse campo as partículas materiais sofreriam resistência ao movimento, o que pode ser medido por nós e interpretado como a massa dessas partículas. Como a todo campo está associada uma partícula, o bóson de Higgs seria a partícula responsável pela existência da massa dos corpos. Daí sua grande importância.
A detecção dessa partícula vai mais uma vez coroar o poder de predição de um modelo científico. Assim como aconteceu com o nêutron, com a anti-matéria, com os quarks, todos previstos teoricamente e só depois detectados, a detecção do bóson de Higgs é aguardada ansiosamente.
Já a sua não detecção fica mais difícil de interpretar. Pode significar que ainda não temos energia para isso, que não estamos analisando os dados corretamente, que há falhas na previsão do modelo, ou ainda que ele não existe e portanto o modelo está errado.
Na semana passada os cientistas anunciaram que no meio de “zilhões” de dados parece haver um indício da detecção do bóson de Higgs. Como são muitos dados, a análise dos mesmos não é rápida, nem tão simples e por isso só teremos certeza após vários meses.
Como era esperada, a notícia em todos os jornais de que os cientistas estavam prestes a encontrar a partícula de Deus, fez com que várias pessoas me perguntassem que partícula é essa. Será que finalmente a ciência e a religião estariam dando as mãos?
Será que se a partícula não tivesse esse apelido haveria tanto interesse nessa descoberta?
A pergunta é retórica. A resposta é muito óbvia.
Referência Bibliográficas:
1 – Jorge, Eliano – Cientista: “Partícula de Deus” não tem nada a ver com fé – Terra Magazine – Acesso em 18 de dezembro de 2011: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5516448-EI6604,00.html
http://noticias.terra.com.br/educacao/vocesabia/noticias/0,,OI5516575-EI8399,00-Qual+e+a+origem+da+expressao+particula+de+Deus.html – Acesso em 18 de dezembro de 2011