Representação da colisão de dois buracos negros e as ondas gravitacionais geradas pela colisão. (Imagem obtida em: http://zap.aeiou.pt/wp-content/uploads/2016/01/5473656dd269b9b39e084fcf99c19ce4-783×450.jpg)
Quando pergunto aos meus alunos: Como Aristóteles explicava a queda de uma pedra?
Vários deles respondem: Gravidade!
Nessa hora da vontade de ser irônico e dizer: Isso!!!! Aristóteles inventou uma máquina do tempo, viajou quase dois mil anos e ficou sabendo sobre os trabalhos de Sir Isaac Newton.
Lei da Gravitação Universal, talvez uma das leis mais básicas da Física, e tão mal compreendida. Um exemplo disso é o número de vezes que ouvimos na TV mencionarem que os objetos flutuam, na estação espacial, porque lá não existe gravidade. Se fosse verdade a estação espacial estaria perdida no espaço. Ela está em órbita justamente porque existe uma força que a prende a Terra, a força da gravidade.
Engana-se quem acha que a Lei da gravitação de Newton explica porque as coisas caem. Ela nos mostra como a força atua, mas não o porque.
Mas esse não é um post para julgar as pessoas, as leis da física não são assim tão fáceis de serem entendidas (o que é verdade para qualquer grande conceito). O importante é que a grande maioria das pessoas, que estudaram o mínimo de ciência, sabe que não caímos do planeta porque existe uma força que nos mantém presos a ele. Aqueles mais curiosos talvez saibam que essa lei já foi substituída por outra lei mais geral, que aboliu o conceito de força: A Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.
Nessa “nova” teoria (as aspas se devem ao fato de que ela acaba de completar cem anos) Einstein troca o conceito de força gravitacional pelo conceito de campo gravitacional. A Terra, por ter uma massa muito grande comparada a de nossos corpos, cria uma deformação no espaço que obriga esses corpos a permanecerem em sua superfície. É uma idéia muito abstrata e de difícil compreensão. Como imaginar que o espaço, sempre considerado como algo vazio, possa ser curvado?
A imagem abaixo talvez ajude a visualizar essa curvatura, mas ela é apenas uma representação, uma vez que nessa figura o espaço seria bidimensional e a curvatura ocorre na terceira dimensão. Considerando o espaço real com três dimensões, a curvatura teria que ocorrer numa outra dimensão que é impossível para nós se quer imaginar.
Imagem que tenta representar a deformação do espaço-tempo que dá origem a gravidade, segundo o modelo de Einstein. O satélite (evidentemente fora de escala) está preso ao campo gravitacional por conta dessa deformação e não por ação de uma força que parte do planeta. Imagem disponível em: https://imgnzn-a.akamaized.net/2013/10/07/07115551610.jpg
Einstein teve essa idéia de espaço curvo em 1907 na tentativa de incluir a gravitação em sua Teoria da Relatividade Restrita, publicada em 1905. Mas o que torna uma idéia uma teoria é seu poder de previsão e verificação experimental, e na física isso é feito através de um modelo matemático que sustente a teoria. Einstein sabia disso e levou oito anos para construir e terminar seu arcabouço matemático, que concluiu em 1915.
Apesar da dificuldade matemática dessa teoria mais geral, a idéia inicial de espaço curvo podia ser testada experimentalmente e isso foi feito em 1919, aqui no Brasil, por uma equipe inglesa. Nesse experimento, a luz de uma estrela foi desviada ao passar próxima ao Sol e o desvio entre a posição real da estrela e a posição observada durante um eclipse pode ser comparada. O valor desse desvio coincidia quase que exatamente com o calculado pela Teoria da Relatividade, tornando Einstein o cientista mais famoso do século XX e talvez da história.
Ao longo desses cem anos, diferentes experimentos foram pensados e testados e todos eles comprovaram as idéias de Einstein, no entanto uma importante previsão, feita por ele antes mesmo de concluir sua Teoria Geral da Relatividade, aguardava uma comprovação experimental, a previsão de que corpos maciços movendo-se através do espaço gerariam ondas gravitacionais.
A curvatura do espaço-tempo é provocada por qualquer porção de matéria, mas como a gravidade é uma força extremamente fraca (se comparada, por exemplo, com a força eletromagnética), faz-se necessário uma massa enorme para que a deformação seja perceptível. A atração gravitacional entre você e a parede mais próxima existe, mas ela é bilhões de vezes mais fraca do que a gravidade que o planeta exerce sobre você.
Quando massas enormes se movem através do espaço ondulações são criadas. Assim como quando você perturba a superfície de uma piscina. Essas perturbações do espaço são as ondas gravitacionais, previstas por Einstein e detectadas em setembro de 2015 e anunciadas em 11 de fevereiro de 2016.
Representação computacional da colisão de dois buracos negros produzindo intensas ondas gravitacionais
Uma semana antes do anuncio eu comecei a escrever esse post e era justamente para falar sobre a gravidade. O motivo veio de outra notícia: a possibilidade teórica de se controlar a gravidade. No dia 10/02/2016 vi um chamado de que no dia seguinte seria anunciada uma grande descoberta, a provável detecção das ondas gravitacionais, isso me fez mudar o enfoque do tema.
Mas por que a detecção dessas tais ondas é tão importante?
A comprovação de que a Teoria da Relatividade esta certa é uma boa notícia para a Física, mas isso já vem ocorrendo a quase cem anos, de diferentes maneiras. A importância da descoberta esta na incrível possibilidade de investigar o espaço sideral de um jeito totalmente novo.
Durante milhares de anos os seres humanos olharam para o céu a olho nu.
Com a invenção do telescópio novas descobertas foram feitas, como a percepção de que a Via Lactea é apenas uma dentre mais de trilhões de galáxias e que o universo está em expansão.
Depois vieram os radiotelescópios, a possibilidade de observar o céu em outras freqüências não visíveis aos olhos humanos, o raio-X, a radiação infravermelho, radiação gama e ondas de radio. A luz visível é apenas uma das muitas radiações do espectro eletromagnético (vide figura ).
Espectro eletromagnético. Reparem que a luz visível ocupa uma estreita faixa de todo o espectro de radiação
A detecção de ondas gravitacionais permitirá a observação de regiões que não são “visíveis” pela radiação eletromagnética. O cientista Odylio Aguiar, um dos pesquisadores brasileiros que participa do projeto LIGO (sigla de Observatório de ondas gravitacionais por interferômetro Laser), laboratório responsável pela detecção do sinal, fez uma declaração que está confundindo algumas pessoas, segundo ele:
“São frequências em ondas gravitacionais que, jogadas em um alto-falante, são possíveis de escutar. As ondas gravitacionais permitem que nós possamos ouvir o universo. Vamos conseguir ouvir coisas que a gente não consegue ver”1.
Alguns alunos me perguntaram se estamos ouvindo as ondas gravitacionais.
Vou tentar explicar onde está a confusão:
A definição clássica de onda é: uma perturbação que se propaga sem transporte de matéria. Ainda segundo a física classica elas são divididas em ondas mecânicas e eletromagnéticas. As ondas mecânicas são provocadas por perturbações mecânicas (movimento), como o som. A vibração das cordas vocais provoca uma perturbação no ar que se propaga até nossos ouvidos. Assim podemos ouvir a voz de uma pessoa que está falando. Toda onda mecânica precisa de um meio de propagação, pois são as moléculas desse meio que estão vibrando quando ocorre a passagem da onda.
Já uma onda eletromagnética não precisa de um meio de propagação, elas são oscilações do próprio espaço-tempo, causadas pela vibração de campos elétricos e magnéticos (cargas elétricas ou imãs em movimento).
Agora já podemos afirmar que outro tipo de onda existe. As ondas gravitacionais, que assim como as eletromagnéticas são oscilações do próprio espaço-tempo, porém causadas pela vibração de campos gravitacionais (corpos de grandes massas em movimento).
As ondas gravitacionais não podem ser ouvidas diretamente, elas não são o som (lembrem-se que no espaço há vácuo, logo o som não pode se propagar ali). Mas assim como podemos converter um sinal eletromagnético da antena de um celular para um som que sai por seu alto-falante , podemos converter as ondas gravitacionais em som. Isso realmente foi feito, mas não tem nenhum significado, não é realmente o “som” do universo.
A confusão está ocorrendo porque ao noticiarem a descoberta os cientistas do projeto converteram as ondas detectadas em um som audível e também porque estão usando uma analogia para explicar a importância da descoberta:
Assim como nós usamos os diferentes sentidos para conhecermos o mundo, a astronomia estava baseada até hoje somente na “visão” (uso de ondas eletromagnéticas). Agora temos outro tipo de onda, como se fosse um outro sentido, a audição ou o tato. As ondas gravitacionais, junto com as ondas eletromagnéticas vão permitir uma compreensão melhor do universo e avançar os estudos da astronomia. Quando o cientista diz “até agora estávamos surdos para o universo e agora passamos a ouvi-lo”, ele está querendo dizer que uma nova forma de investigação está sendo aberta. Não posso visualizar meu vizinho no andar de cima, mas posso ouvi-lo. Da mesma forma, uma onda gravitacional pode atravessar barreiras que as ondas eletromagnéticas não atravessam, como por exemplo, os buracos negros.
A importância da descoberta pode ser verificada também pelos números: o projeto inclui 15 países e foi orçado em cerca de 620 milhões de dólares. Demorou mais de quarenta anos desde a concepção até a detecção. Não vou entrar em detalhes técnicos de como a descoberta foi feita, posso explicar nos comentários, se alguém desejar (o vídeo abaixo também ajuda a entender). Só para se ter uma base de como ele é delicado, são na verdade dois laboratórios quase idênticos, separados por mais de 3.000 km de distância, e cada laboratório possui 4 km de tubos. Além do LIGO outros projetos parecidos estão em etapa de conclusão em outros lugares do mundo.
O projeto entrou em operação em 2002 e só após uma reforma, para melhorar sua precisão, foi possível a detecção do primeiro evento em setembro de 2015. Para evitar um alarme falso os cientistas aguardaram as revisões e confirmação da pesquisa até o dia 11 de fevereiro de 2016 quando finalmente foi anunciada a descoberta.
Entre os idealizadores do projeto está Kip Thorne, físico que ficou famoso depois do filme Interestelar, em que foi consultor científico e produtor, além de escritor do livro “A ciência de interestelar” (veja o post: Interestelar, há muito tempo não víamos um filme assim.
Sobre a outra notícia que iniciou originalmente o post vou falar rapidamente, Um físico da universidade de Namur na Bélgica publicou em dezembro do ano passado2 um artigo onde demonstra com vários cálculos matemáticos a possibilidade teórica de manipularmos a gravidade, algo até então só visto nos filmes e na literatura de ficção científica.
Imagine apertar um botão e desligar a gravidade de um automóvel, ele passaria então a flutuar. Ou então criar artificialmente gravidade em estações espaciais ou naves tripuladas. Isso tudo ainda está no campo da ficção mas Andre Fuzfa mostrou, usando a Teoria da Relatividade de Einstein que é possível construir uma máquina que cria e controla a gravidade, usando para isso fortes campos eletromagnéticos.
Mais do que novas formas de transporte, se o campo gravitacional realmente puder ser controlado as aplicações tecnológicas são inimagináveis, poderíamos usar ondas gravitacionais (do mesmo tipo que acabaram de detectar no LIGO) para transmitir informações, assim como hoje usamos as ondas eletromagnéticas como as do rádio e dos celulares. As vantagens são muitas, mas as dificuldades são maiores ainda. Como já mencionado acima, a força gravitacional é extremamente fraca e por isso seria necessário campos eletromagnéticos muito intensos para criar fraquíssimos campos gravitacionais.
Por enquanto o artigo abre a possibilidade de possíveis aplicações em laboratório, testando as leis da física e ajudando a entender melhor esses modelos teóricos.
O ano de 2016 começa brilhante para a Física, uma nova janela se abre para o céu. Uma nova área tecnológica surgirá. A história nos mostra que previsões, principalmente no campo da ciência e tecnologia costumam errar e muito. Mas é impossível não imaginar que estamos diante de um marco, que será lembrado por muito tempo e fará parte dos futuros livros de física do ensino médio.
Referencias bibliográficas:
1 – Ondas gravitacionais podem permitir viagem no tempo, diz pesquisador – Página do G1 Disponível em : http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2016/02/ondas-gravitacionais-podem-permitir-viagem-no-tempo-diz-pesquisador.html Acesso em 14/02/2016
2 – Fuzfa, Andre – How Current Loops and Solenoids Curve Space-time – Physical Review D Vol.: 93, 024014– Disponível em : http://arxiv.org/pdf/1504.00333v3.pdf
3 – http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=aparelho-pratico-controlar-gravidade&id=010130160122&ebol=sim#.VsEQh1QrKM9 acesso em 14/02/20164 –
4 – http://phys.org/news/2016-01-paper-method-gravitational-fields.html acesso em 14/02/2016
5 – http://super.abril.com.br/ciencia/matematico-propoe-maneira-de-criar-e-manipular-a-gravidade acesso em 1/02/2016