No post Cérebro eletrônico parte II eu prometi falar sobre a implantação de chips em humanos, nas próteses neurológicas, etc. Muita coisa aconteceu desde esse post, inclusive novos avanços nessa área. Talvez o que de melhor tenha acontecido é que a grande mídia brasileira descobriu Miguel Nicolelis, um neurologista brasileiro muito respeitado no exterior. Cotado, mais de uma vez, para o premio Nobel de medicina. Mas nossa imprensa tem muitas notícias importantes a serem veiculadas, talvez por isso Nicolelis aparecia apenas em revistas especializadas como a revista Pesquisa FAPESP ou Scientific American Brasil. Mas enfim ele foi “descoberto”, começou a aparecer em vários programas de televisão e acaba de lançar um livro no Brasil: Muito além do nosso eu, pela Companhia das Letras.
Deixarei então para falar sobre implantes cerebrais e próteses após ler o livro do Nicolelis, agora vou falar sobre Oliver Sacks, um neurologista britânico, famoso pelos excelentes livros que escreve, alguns deles tornaram-se Best Sellers e um deles “Tempo de despertar” virou filme.
Ao falarmos em cérebro, mente e na forma como pensamos, somos obrigados a levar em consideração os inúmeros casos dos pacientes relatados por Oliver Sacks. Em seu livro: O homem que confundiu sua mulher com um chapéu – Companhia das Letras (1997) ele nos conta casos curiosíssimos de problemas neurológicos, surgidos em pessoas que eram, como se costuma dizer, “normais”. Alguns casos são clássicos como os de “membros fantasmas”, pessoas que após terem algum membro amputado, continuam a sentir dor e coceira, como se o membro continuasse a fazer parte de seu corpo. Outras doenças são tão estranhas que parecem ter saído de um livro de ficção, como o que dá título ao livro. O paciente em questão começou a perder a capacidade de reconhecer fisionomias, era um professor e percebeu que não conseguia mais distinguir seus alunos uns dos outros. Depois ele foi perdendo a capacidade de reconhecer objetos de uso cotidiano. Sacks nos conta que esse paciente chegou ao seu escritório acompanhado de sua esposa e ao se levantar para ir embora, pegou a cabeça dela e tentou vestir como se fosse seu chapéu.
Em seu último livro: O olhar da mente – Companhia das Letras (2010) há um capítulo intitulado “Um homem de letras”, onde ele discute sobre Howard Engel, um escritor canadense que ao acordar certo dia, não conseguia ler seu jornal, as letras pareciam as mesmas, mas a linguagem lhe era diferente, como se fosse outra língua. Ele havia sofrido um AVC (acidente vascular cerebral), mais conhecido como derrame. Entre as várias sequelas que um AVC pode causar, a alexia (incapacidade para a leitura) é uma delas. O mais curioso é que Howard conseguia ainda escrever, mas era incapaz de ler o que escrevia.
Oliver Sacks passa então a discutir nesse capítulo como o cérebro faz as relações que permitem a leitura e a escrita, e defende que esses processos são distintos no cérebro. A leitura faz uso do que ele chama de área de formação visual, que deve ter evoluído de uma habilidade para o reconhecimento das formas do ambiente a nossa volta, de imagens importantes como rostos conhecidos. O reconhecimento visual de objetos depende dos milhões de neurônios do córtex inferotemporal, e segundo Sacks nos conta ler vem da plasticidade que esses neurônios tem de se adaptar: Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia
“fizeram uma análise por computador de mais de uma centena de sistemas de escrita antigos e modernos, inclusive sistemas alfabéticos e ideogramas chineses. Mostraram que todos eles, embora geometricamente muito diferentes, têm em comum certas semelhanças topológicas básicas. (…) Changizi et al . encontraram invariantes topológicas semelhantes em um conjunto de cenários naturais, o que os levou a supor que as formas das letras “foram selecionadas” para lembrar as conglomerações de contornos encontradas em cenas naturais (…) 1
O paciente de Sacks, Howard, não conseguiu se curar da alexia, mas graças a uma enorme força de vontade, descobriu como conseguir alguma rapidez para a leitura. Ele percebeu que ao escrever o contorno da letra com o dedo no ar, ele conseguia memorizar mais facilmente a letra e isso auxiliava a sua leitura, além dos dedos, Howard começou a mover a língua, traçando a forma da letra no céu da boca e nos dentes, ele estava substituindo a leitura por uma espécie de escrita, lendo com a língua, como diz Sacks.
Esse capítulo todo do livro de Oliver Sacks me fez pensar se um software de computador poderia agir assim. Nosso cérebro é produto de milhões de anos de adaptação e evolução. Sua forma de operar é bem diferente dos algoritmos que criamos em um programa.
Podemos imaginar que isso possa ser copiado e reproduzido por um software que se adapte. Mas o interessante de se pensar é que a evolução não busca a perfeição. Ela busca meios de se adaptar a um problema que surge. A saída encontrada não é, necessariamente, a melhor saída, apenas uma saída. Por exemplo: Para sobreviver a variações de temperatura, alguns seres desenvolveram penas, outros pelos, outros uma grossa camada de gordura.
Portanto na procura de tentar imitar o cérebro humano, uma inteligência artificial pode encontrar varias outras possibilidades. Um tipo diferente de inteligência. Nem melhor nem pior, mas diferente. Como seria esse ser?
Referencia Bibliográfica:
1 – Sacks Oliver – O olhar da mente – Companhia das Letras (2010)- página: 73
Tags: cérebro, Ciência e Tecnologia, Informática, mente, neurociência, Oliver Sacks, Software
julho 11, 2011 às 3:44 pm |
Parabéns pelo post Cérebro Eletrônico. Despertou a curiosidade de conhecer melhor Sacks Oliver. Pelo seu post da pra imaginar que é fascinante este livro “olhar da mente ” .Abraços.
julho 11, 2011 às 11:52 pm |
Oliver Sacks é um excelente escritor além de ótimo cientista, vale muito a pena sim ler algum livro dele. Recomendo o homem que confundiu sua mulher com um chapeu. beijo
julho 12, 2011 às 4:58 pm |
Ouvi o próprio Nicolelis (em seu debate, na FLIP) dizer que os “cérebros eletrônicos” – e o exemplo da mediadora foi “A Era das Máquinas Espirituais”, de Ray Kurzweil – são impossíveis, ao menos por enquanto e em um futuro próximo. Na verdade, ele foi além, dizendo que esse tipo de afirmação era pura ideologia, que, no final das contas, queria rebaixar o humano, colocando seu papel como desnecessário perante a máquinas que fariam as mesmas coisas.
No fim, a proposta de Nicolelis – a criação de novos “inputs” e “outputs” para o cérebro – acaba sendo bem mais modesta, porque conserva um imponderável e inalienável centro da vida humana, que poderia se chamar alma, espírito etc. sem fazer qualquer alusão à mística religiosa. Nossa mente tem formas de ‘lidar’ com as coisas: problemas que ficam patentes nos estudos de linguística, doenças mentais etc. No entanto, parece que a natureza ‘essencial’ da mente ainda é – e não me parece que deixará de sê-lo – irredutível. Podemos sondar os ‘acidentes’, mas a ‘substância’ continua enigmática.
Abraços,
Igor.
julho 12, 2011 às 5:25 pm |
Excelente comentário Igor, li um pouco sobre essa visão do Nicolelis na reportagem da folha. O mais interessante na ciência é que ela não aceita, como dizia Carl Sagan, a afirmação da autoridade, isto é, em ciência a afirmação baseada puramente na opinião de um grande cientista não é uma prova de confirmação. Claro que a afirmação de um especialista sempre deve ser pesada, mas só a comprovação de suas ideias atraves das pesquisas é que são significativas. Concordo com Nicolelis quanto ao fato de que não seremos subjulgados pelas máquinas, mas não acho que pensar em uma inteligencia artificial seja rebaixar o ser humano. Pois isso dá a impressão que somos especiais, e não acho que somos mais especiais do que qualquer outra espécie. abraço
Jacó
julho 14, 2011 às 4:13 pm
Claro. É verdade o que o Sagan diz, mas isso é (ou deveria ser) válido para todas as “áreas do conhecimento”, não só a ciência. Um argumento bom é sempre um argumento bom, não importa quem o tenha falado.
O argumento do Nicolelis foi técnico, e eu não saberia avaliar a pertinência: ele disse que a forma geral pela qual os computadores funcionam hoje em dia – máquina de Turing – não permitia, de forma alguma, uma simulação da mente humana. Isso poderia ser até assunto para um futuro post, não? hahah
Abraços,
julho 15, 2011 às 12:37 am
OI Igor, Não sei se você chegou a ver os outros dois post sobre o cérebro eletronico, I e II. Neles eu abordei um pouco a visão do Steve Pinker (psicólogo que pesquisa o funcionamento do cérebro, através de simulação de computadores ). La eu abordei um pouco sobre essa questão, realmente com a atual forma em que os processadores trabalham não pe possível mesmo, simular o cérebro humano. Mas o primeiro post surgiu justamente porque eu estava comentando sobre um novo tipo de processador, que opera em paralelo de forma paracida, ainda que numa escala infinitamente menor, com a forma do cérebro humano trabalhar. De uma olhada quando tiver tempo. Abraço jacó
julho 15, 2014 às 6:50 pm |
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